13 sentimentos destacada

13 sentimentos

Daniel Ribeiro passa por aquele problema de muitos diretores de Cinema que estreiam no circuito com filmes diferenciados. Seu longa de estreia Hoje eu quero voltar sozinho (2014), disponível nas plataformas Netflix e Globoplay, se notabilizou como um coming-of-age movie verdadeiramente emocionante. Portanto, a expectativa sobre 13 sentimentos era grande entre seus fãs, eu entre eles.

Posso dizer que, na inevitável comparação entre este e aquele filme, alguns elementos se mantiveram, e outros estão ausentes. Contudo, as ausências talvez tenham a ver com a escolha de Daniel Ribeiro por contar uma história de jovens adultos numa realidade social em que ser uma pessoa LGBTQIA+ não é risco de tragédia. O que é um alívio… mas continuar emocionante num contexto social sem opressão se torna uma tarefa bastante árdua.

cena restaurante

Não que um feito assim não seja possível. Ao pensar nessa questão, me vem imediatamente à mente o maravilhoso Weekend (2012), de Andrew Haigh. Weekend atesta como construir um cinema artística e tematicamente robusto escapando da narrativa trágica, de preconceito, luta, perdas e dor, que por décadas foi a única abordagem da homoafetividade na tela grande.

Daniel Ribeiro embarca nas novas e boas ondas que o século 21 trouxe para a discussão LGBTQIA+ no Cinema. Histórias de amor mais leves, com final feliz, para a gente acompanhar com um sorriso nos lábios. Aliás, não apenas no Cinema. Os streamings estão repletos de séries bacanas, com histórias de conflitos que podem acontecer em todo tipo de relação amorosa, e em toda existência humana, seja hétero, seja homossexual.

Um protagonista meio perdido

13 sentimentos é um filme assim. Mas, nesse sentido, de certa forma, saímos do cinema um pouco frustrados, porque ficamos sem construir uma certeza sobre de que história se trata. Sabemos que os acontecimentos que acompanhamos ao longo do filme dizem respeito ao protagonista João Cotrim (Artur Volpi), cineasta que sonha roteirizar e dirigir seu próprio filme, mas que não reconhece sua oportunidade quando ela aparece, porque ele mesmo está meio perdido.

Essa escolha pela perdição existencial do protagonista está ligada, talvez, à decisão de Daniel Ribeiro por fazer um filme leve, apartado das questões sociais relacionadas a ser gay num país homofóbico e misógino como é o Brasil. Mas ouso dizer que Ribeiro exagerou na leveza, a ponto de tornar sua história absolutamente sem conflitos, sem complexidade. Só que, sem conflitos e sem complexidade, a gente perde a vontade de torcer pelos personagens.

ex namorado

13 sentimentos nos situa em uma encruzilhada na vida de João. O protagonista havia terminado recentemente um relacionamento de dez anos, sem que esse fim tenha sido problemático ou sofrido. Se vendo sozinho, busca companhias em aplicativos de pegação, nos quais conhece novas pessoas e com elas trava diferentes tipos de relacionamento. Tudo tranquilo, sem neuras.

Ao mesmo tempo, seu projeto de dirigir seu próprio roteiro também faz água. Ato contínuo, ele é desafiado pela produtora a adaptar seu roteiro já pronto e submetê-lo a um edital. Entretanto, enfrenta uma crise criativa que também parece não lhe provocar sofrimento, muito embora o tempo todo nos seja comunicado que levar a cabo aquele projeto realizaria seu grande desejo profissional. Fazer bicos como editor freela, entre outros trabalhos temporários, também não lhe causa grandes angústias.

A insustentável leveza do ser

Em resumo, a forma como João flana por sobre os empacamentos de sua vida, sem se afetar com problemas existenciais e práticos tão importantes, nos deixa confusos, e também tão perdidos quanto o personagem, e sem o auxílio de uma edição que nos auxilie nas temporalidades do filme. Como nos engajaremos a 13 sentimentos? Como vamos encarar, julgar, avaliar o enquadre especificamente cinematográfico da narrativa diante de nós? Trata-se de uma comédia romântica? Ou seria um drama disfarçado? como reagir emocionalmente ao filme?

Infelizmente, sem sabermos o que sentir pelo personagem, e, mais importante ainda, sem reconhecer se o personagem está de fato sentindo alguma coisa, nenhuma emoção nos sobrevém.

Entretanto, não é problema para mim estar diante de um filme que não consigo categorizar. O problema é que, ao fim e ao cabo, o título 13 sentimentos resulta enganoso, porque o filme não nos induz a sentir nada, não nos convida a nos emocionarmos.

13 festa

Não obstante, tentei organizar uma linha temática ao longo de 13 sentimentos. Imaginei, lá pelo meio da projeção, que se tratava de um filme sobre uma pessoa aprendendo a estar afetivamente sozinha, após um longo relacionamento, e sem o apoio de um companheiro num momento de instabilidade profissional. E, nesse meio tempo, experimentando uma série de encontros sem saber exatamente o que está buscando, se apenas sexo, ou um novo amor.

Ou, o que também é legítimo, estaria buscando apenas se emocionar novamente, uma emoção que o longo relacionamento foi desidratando, mesmo tendo constatado que é possível permanecermos emocionados mesmo após décadas de casamento. Porém, como ele segue se emocionando com novas pessoas, ficamos sem saber que tipo de emoção João de fato buscava.

Pode, sim, haver contradições em um filme feel good

Note-se que, em especial, o cenário da casa de João contém elementos que remetem à orientação sexual do personagem e a um engajamento militante na causa LGBTQIA+. Contudo, 13 sentimentos é um filme descolado das questões específicas da comunidade LGBTQIA+, e isso é muito positivo e muito bem-vindo. É muito bem-vindo passearmos por uma São Paulo iluminada, segura para todes, próxima de nossas utopias de um país melhor.

13 namoro

O que torna um filme feel good não é a ausência de complexidades e contradições, mas sim podermos testemunhar coisas boas acontecendo com personagens pelos quais torcemos. Os problemas de 13 sentimentos fazem dele um filme que pretende narrar uma encruzilhada existencial, um momento de escolhas e decisões na vida do personagem de 32 anos, num período de autocentramento. Mas, paradoxalmente, ele mesmo parece ser a pessoa menos preocupada com sua própria vida. Consequentemente, sua falta de preocupação nos isenta de desejar que seus sonhos se realizem, já que nem ele parece estar empenhado nisso.

Para sairmos do cinema com uma boa sensação, melhor pensar que o cinema brasileiro ainda consegue realizar filmes com protagonistas homoafetivos, mesmo com tanto reacionarismo e retrocesso civilizatório. Esse feito ninguém pode tirar de Daniel Ribeiro, e é por ele que me sinto bem e esperançosa de que outros filmes como os dele sejam produzidos.


Ficha Técnica
13 sentimentos (2024) – Brasil
Direção: Daniel Ribeiro
Roteiro: Rafael Gomes, Daniel Ribeiro
Edição: Cristian Chinen
Fotografia: Pablo Escajedo
Design de Produção: João Vitor Lage
Trilha Sonora: Arthur Decloedt
Elenco: Artur Volpi, Michel Joelsas, Sidney Santiago, Daniel Tavares, Juliana Gerais

 

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