Pérolas da Netflix
Última atualização: 29/01/2021
Muitos dizem que a Netflix conta com séries muito interessantes, mas é fraca quando se trata de filmes de relevância. Mas, num mergulho mais atento no mar dos streamings, encontramos verdadeiras pérolas da Netflix. Filmes imperdíveis para quem gosta de cinema e, principalmente, ir além do que o que o circuito comercial oferece.
Esta lista traz dez filmes escondidos na Netflix. Ela vai satisfazer os cinéfilos exigentes ainda quarentenados nessa pandemia que torcemos para acabar, e também aqueles que apenas desejam ficar em casa em boa companhia. Afinal de contas, poucas companhias são melhores do que um bom filme.
1. Nausicaa e o vale do vento, de Hayao Miyazaki (1984)
O sucesso desta maravilhosa animação japonesa motivou Hayao Miyazaki a criar o Studio Ghibli no ano seguinte. Mas, na atualidade, Nausicaa tem recebido muito menos destaque na mídia do que outras obras premiadas do grande mestre japonês.
Porém, entre as pérolas da Netflix, esta se destaca principalmente por já contar com uma das poderosas linhas de pensamento desenvolvidas por Myiazaki, baseada na trágica experiência com as bombas de Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra: uma reflexão bastante original sobre a presença depredadora do ser humano no planeta, e a necessidade de nos conscientizarmos de que somos apenas parte de um sistema ecológico gigantesco, que sempre se recuperará dos males que lhe causamos.
Se sobreviveremos a isso? Realmente, esse detalhe não faz a menor diferença.
2. Cidade pássaro, de Matias Mariani (2020)
Lançamento recente da Netflix, o brasileiro Cidade pássaro causou ótimas impressões nos festivais e mostras por que passou, e não sem razão. Mariani sai completamente da caixinha ao tratar da diáspora africana contemporânea do ponto de vista de quem ficou.
Diferentemente das narrativas sociais de muitos filmes que abordam a África, o intimismo desta pérola da Netflix tempera a viagem de Amadi (O.C. Ukeje), que, atendendo ao pedido da mãe, sai da Nigéria para buscar o irmão que desapareceu em São Paulo e, em sua viagem, eventualmente descobre muito sobre si mesmo. A cidade, por sua vez, não se mostra a nós no que tem de riqueza e luxo. O centro decadente, as ocupações e, principalmente, o trabalho dos imigrantes se incorporam à jornada de Amadi nesse filme que nos convida a muitos aprendizados.
3. Steel Rain, de Yang Woo-Seok (2017)
Mais um produto da poderosa indústria coreana de soft power, Steel Rain não traz a genialidade de obras-primas como Parasita e Burning. Mas seu tema nos leva a refletir sobre as tensas relações entre as Coréias e propõe uma possibilidade que pode ser o desejo de muitos: a reunificação.
O trabalho nesse sentido é realizado pelo bravo soldado norte-coreano Eom Chul-Woo (Jung Woo-Sung, também protagonista em Steel Rain 2), em parceria com o sul-coreano e homônimo Kwak Chul-Woo (Do Won-Kwak, do aclamado O Lamento). Como acontece com muitos filmes de ação coreanos, a emoção e o drama nunca ficam de fora. É impossível não torcer pela vida de Eom Chul-Woo, que se sacrifica não apenas por sua pátria, mas pela esperança de paz no futuro.
4. A noite de 12 anos, de Álvaro Brechner (2018)
Esse filme é um verdadeiro presente da Netflix aos seus assinantes brasileiros. Presente que, a meu ver, não merecemos, já que pouco nos interessamos pela história de nossos hermanos latino-americanos. O absoluto despropósito dos ataques à esquerda revolucionária em todo o mundo fica mais evidente quando testemunhamos o sofrimento gigantesco de quatro guerrilheiros Tupamaros, entre eles o futuro presidente do Uruguai Pepe Mujica.
Por 12 anos nas garras da ditadura uruguaia, eles passaram por confinamento, tortura – psicológica e física – e, sobretudo, permaneceram apartados de qualquer contato com amigos e famílias. “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás” é a frase que combina perfeitamente com a resistência lúcida e pacífica de homens que não abdicaram nunca do amor ao seu país.
5. Alerta Lobo, de Antonin Baudry (2019)
Para o grande público, filmes de ação são obras que comunicam, principalmente, uma masculinidade violenta e repleta de sentimentos como ódio e vingança. Porém, não podemos nos esquecer de que alguns valores considerados masculinos, como a honra, a lealdade, o compromisso e o companheirismo, podem ser encarados de maneira positiva.
O fato de Alerta Lobo não ser um filme estadunidense pode contribuir para o que vemos na tela. Um elenco composto quase exclusivamente de homens (entre eles, o carismático Omar Sy) encarnando militares que, em vez de empunharem armas e explodirem coisas todo o tempo, amam o trabalho no mar e mantêm entre si uma relação de confiança e admiração, que passa longe de qualquer misoginia ou da cansativa auto-louvação machista.
6. Temporada, de André Novais Oliveira (2018)
A aparente simplicidade da narrativa sobre uma funcionária pública que sai de sua cidade no interior mineiro para trabalhar em Belo Horizonte esconde, contudo, uma poderosa ligação com temas importantes do feminismo negro.
Um deles é o conceito de solidão da mulher negra, personificado na história de Juliana (a excepcional atriz e diretora Grace Passô) e o processo de reconhecimento de uma nova etapa em sua vida, que começou não por seu desejo, mas cuja inevitável realidade precisa ser encarada. Temporada é um exercício de sensibilidade, premiado com algumas cenas inesquecíveis em que Passô entrega a dor do passado de Juliana e se dispõe a construir uma coragem que lhe permita enfrentar o futuro.
7. Tatuagem, de Hilton Lacerda (2013)
O romance entre o jovem soldado Fininho (Jesuíta Barbosa) e o ator Clécio Wanderley (Irandhir Santos) nos anos setenta, auge da repressão na ditadura militar, personifica a forma como o Brasil tentava resistir ao autoritarismo que, como tal, sempre trabalha para reprimir e suprimir a Arte e a cultura.
Fininho se encontra dividido, igualmente, entre os privilégios da macheza militar e a energia vibrante, marginal e potente que Clécio e seu grupo de teatro despertam em seu espírito. Não bastasse a beleza de sua história, Tatuagem merece ser visto em tempos de ameaças à democracia. Esta pérola da Netflix nos mostra com todas as cores o que podemos perder como sociedade em troca de nada. Basta cedermos às promessas vãs de ordem e proteção que os ditadores nos fazem.
8. A 13ª Emenda, de Ava DuVernay (2016)
Da aclamada diretora de Selma, esta é mais uma das pérolas da Netflix que subvertem a perspectiva branca da História estadunidense. A 13ª Emenda revela o que está por trás de muitos dispositivos legais. A um só tempo, a lei que aboliu a escravidão nos Estados Unidos acabou por mantê-la, mediante outra condição: a de permitir o trabalho gratuito de presidiários. O documentário mostra, como consequência, que pessoas negras, presas por “vadiagem”, retornam ao trabalho escravo.
Ava DuVernay abre ao espectador a construção de outros modos de pensamento sobre a História das Américas e do Ocidente. Histórias diferentes daquela contada pelos brancos europeus e suas supostas vitórias sobre um continente selvagem e disponível para ser ocupado e explorado com o auxílio do trabalho escravo exercido por povos que por séculos foram considerados subalternos.
9. Como estrelas na Terra, de Aamir Khan (2007)
Este filme para toda a família é, sem dúvida, uma ótima porta de entrada. Por ele, o espectador pode conhecer o prolífico cinema indiano, que ainda causa estranheza os olhos ocidentais. Os longos números musicais, assim como as cores intensas que caracterizam a maioria dos filmes produzidos no país, estão presentes.
Mas desta vez eles compõem perfeitamente uma história infantil que já vimos outras vezes: a inteligência do menino disléxico Ishaan, discriminado até pela família, é reconhecida por um de seus professores. Assim, ele aprende a ler e a manifestar seu talento. O diferencial, que torna esse filme uma pérola da Netflix, é que Darsheel Safary é uma criança cativante. Sua relação com o professor, interpretado pelo próprio Aamir Khan, flui naturalmente. Com o apoio dos números musicais que compõem organicamente a narrativa, fazendo a história avançar.
10. Ao cair da noite, de Trey Edward Shults (2017)
Um dos diretores mais relevantes da nova geração do cinema independente estadunidense, o refinado Trey Edward Shults já havia chamado atenção com seu longa de estreia Krisha, de 2016. Em Ao cair da noite, Shults incorpora uma das essências do que é o terror na ficção. Seu filme mostra como a presença do outro em nossas vidas pode representar uma ameaça, que as fantasias de nossa ignorância tornam assustadoramente real.
Esse paradoxo da sociedade é explorado pelo diretor de forma brilhante. Tão brilhante que Ao cair da noite pode inspirar leituras capazes de trazer elementos significativos ao debate sobre o ódio que sustenta e motiva a ascensão de regimes totalitários. Uma ameaça nunca afastada no mundo, ainda que com tantos exemplos trágicos legados pela História.
Para mais pérolas da Netflix
Antes de mais nada, siga o Longa História nas redes sociais! Pois, Na próxima semana, vamos publicar a segunda parte desta lista de pérolas da Netflix. E, com toda a certeza, você não vai querer perder!
Me interessei por Cidade Pássaro e A Noite de 12 Anos.
Um excelente filme que nunca tinha ouvido falar e que também está escondido na Netflix é “A história oficial”, filme argentino sobre as crianças desaparecidas durante a ditadura.
Otavio, a gente fica muito feliz de ter apresentado dois filmes para você! E nós já colocamos “A História Oficial” na nossa lista da Netflix, muito obrigado pela dica 😉