A Noite Amarela
Última atualização: 11/02/2021
Ao procurar por um filme de terror, quase sempre esperamos nos deparar com monstros físicos, ora personificados em criaturas estranhas, ora por assassinos sanguinários. Mas e se o medo em um filme do gênero vier por meio das perspectivas sobre o futuro? Pois é assim que o assombro é construído em Noite Amarela, de Ramon Porto Mota.
Dispostos a aproveitarem o que pode vir a ser o último verão juntos, um grupo de adolescentes viaja até uma ilha para se divertirem. Contudo, longe das vistas dos adultos, a felicidade não é uma garantia. Ramon Porto Mota reflete a desesperança que toma conta de quem busca enxergar no futuro alguma solução para os problemas atuais. A obra demonstra na ocupação do espaço físico a falta de perspectiva daquelas pessoas.
É na rotina que moram as dúvidas
Usando o recurso de flashbacks para nos familiarizar com as personagens, somos levados às vidas cotidianas de cada um. Nada de diferente acontece, são apenas adolescentes cheios de dúvidas vivendo a vida escolar durante o ensino médio. Por meio de selfies em grupo ou festinhas nos postos de gasolinas ou ainda conversas sobre seus familiares, nada de inesperado acontece.
Temos em tela, o tempo todo, um retrato de adolescências. Mas não adolescências múltiplas e sim algumas personalidades que se fundem em uma tentativa de se encontrar. A juventude ali parece uma ausência de individualismo e sim uma mescla de elementos, que se agregam para aquelas pessoas poderem ser relevantes socialmente.
Mas é nessa mescla que está situada a simpatia adquirida por eles. Podemos perceber nessa relação com o dia a dia que essa aflição de pensar em como será o futuro cabe à todos. O que os rege é o “como devo ser?”, “o que devo querer?”, “como devo agir?”.
As inúmeras dúvidas de quem é jovem demais para ser adulto e velho demais para ser criança. Logo, é nesse inimigo silencioso que moram os receios, que crescem gradativamente em cada um daqueles jovens.
Alterações no tempo e espaço
Os espaços ocupados pelos jovens naquela ilha ora são distantes demais, ora são tão próximos que a busca por um integrante perdido acaba rapidamente. Outro integrante importante desse alargamento e encurtamento do espaço é o tempo. Há uma cena em que os garotos dialogam enquanto esperam as meninas voltarem de um passeio. A marca desta cena é repetição de uma conversa, como se eles estivessem em um looping constante, inertes.
Da mesma forma, a busca por uma integrante que desaparece durante a estadia tem um percusso já feito, mas que aparenta ser menos distante. E, nesse momento, o tempo em A Noite Amarela também sofre uma transformação. O clima modorrento que se forma desde a chegada dos visitantes na ilha se intensifica.
O local em que eles estão se torna mais opressor e o tempo para que eles se adaptem, ou se salvem, menor.
Qualquer mudança pode ser uma noite amarela
Fazendo uma análise mais pessoal da dificuldade e ansiedade que sinto ao passar por mudanças em minha vida, percebo o quanto o filme me atrai. Sair da tal zona de conforto não é fácil. Sempre que algo está em vias de mudar, eu me sinto sendo comprimida por alguma força externa e invisível, mas que me toca.
Em uma das cenas durante a busca que ocorre ao fim do filme, duas personagens se encontram em um mesmo local, mas em dimensões distintas. Ainda que separados por essa camada invisível, ambos são atacados pelo medo que os cerca.
Essa relação entre eles parece fora do lugar, ao passo que as amizades também não parecem tão sólidas ou sinceras. Eles se aturam como aturam o passar dos dias ou seria apenas algo relacionado à capacidade de interpretação dos atores? A sensação deixada é de uma ausência de laços, de uma juventude superficial, que curiosamente pula de uma opinião para a outra, sem dificuldades, mas ao mesmo tempo não sabe lidar com o amadurecimento.
A Noite Amarela é um horror espiritual, como o próprio diretor afirma, que exige do espectador a necessidade de não tentar enquadrar as pessoas, locais e atitudes em caixas predefinidas. Os medos provém do conflito com o amadurecimento. Já as sensações provocadas pela lentidão, escuridão, sons por vezes indecifráveis são individuais. Um bom exemplar da subjetividade ao se sentir bem, ou não, com um filme.
A Noite Amarela foi originalmente assistido durante a Mostra macaBRo.
Direção: Ramon Porto Mota
Roteiro: Ramon Porto Mota, Jhésus Tribuzi
Edição: Fabio Andrade
Fotografia: Flora Dias
Design de Produção: Mariah Benaglia, Rodolpho de Barros, Ramon Porto Mota
Trilha Sonora: Vito Quintans
Elenco: Rafael Albuquerque, Marina Alencar, Zé Carlos, Servílio de Holanda, Felipe Espindola, Ana Rita Gurgel