Pig Cage imagem destacada

Pig: a vingança

Última atualização: 14/01/2022

Ao longo de sua longa carreira, Nicolas Cage tem arregimentado fãs fiéis, que parecem nunca se decepcionar com suas muitas más escolhas profissionais. Decerto, eles sabem que de vez em quando o ator os presenteará com uma belíssima e inesquecível atuação. Pig: A Vingança (2021), de Michael Sarnoski, disponível no Telecine, é uma dessas ocasiões.

Com efeito, já faz bastante tempo que Cage não aparece em tão boa forma, mesmo repetindo pela enésima vez sua linha de atuação hegemônica, identificada desde pelo menos Feitiço da Lua (1987), de Norman Jewison. A saber, a do homem com uma profunda dor existencial, não raro pela perda de algum ente querido. Igualmente, com frequência, a dor o leva a isolar-se fora do mundo social, de onde é arrancado pela circunstância que desencadeia a trama do filme. Geralmente, essa circunstância provoca um enredo de vingança contra os que lhe subtraíram a pessoa amada.

Pig: A Vingança não foge a esse enredo. Daí, de certa forma, a total previsibilidade e relativa precisão do título em português. Contudo, nem todas as vinganças ocorrem da mesma maneira.

Um filme é muito mais que um enredo

De novo recluso, desta vez nas florestas do Oregon, Rob (Cage) tem apenas a companhia de uma fofíssima porca que ficamos torcendo (sem trocadilho) para rever ao longo do filme. Além de eficiente colega de trabalho, a porquinha é o pivô da ida forçada de Rob à cidade, na companhia do pragmático Amir (Alex Wolff).

Sim, esse enredo já foi visto incontáveis vezes em filmes estrelados por Cage. Mas os cinéfilos sabem que enredo não é informação suficiente para se avaliar um filme. Para nossa felicidade, no caso de Pig: A Vingança, estamos sendo verdadeiramente presenteados.

Cage

Por isso, vale a pena mesmo destacar alguns elementos que tornam Pig: A Vingança um filme especial, já incluído entre os melhores deste esperançoso 2022. O primeiro elemento já foi sugerido neste texto. O filme não informa de pronto de que tipo de vingança vai tratar. Isso mantém o espectador em atenção constante, ainda mais se sabe que está diante de um dos reis da vingança no cinema. Porém, frustrando-se ou não com as escolhas de roteiro e direção, uma coisa de que o espectador brasileiro mais incauto não pode reclamar é que foi enganado pelo título.

Outra coisa que ele não pode fazer é não reconhecer a coragem de Michael Sarnoski em empregar elementos técnicos e narrativos já conhecidos dos que preferem o cinema comercial, mas desta vez arranjados de forma extremamente criativa e bela.

Pig: A Vingança é um filme belo e delicado

A propósito, penso que “belo” é a palavra que melhor caracteriza Pig: A Vingança. Michael Sarnoski é um diretor jovem, oriundo da TV, e com alguns curtas-metragens no currículo. São várias as marcas de autoralidade que deixou em seu longa de estreia. Por isso, é o primeiro novo nome de 2022 que os cinéfilos registrarão e acompanharão com expectativa pelos próximos anos.

Salta aos olhos a mão delicada de Sarnoski na condução de seu filme, em especial no tratamento do protagonista. A forma como o personagem é construído e oferecido, tanto por Cage quanto por Sarnoski, denota um respeito pela dimensão moral e pela coerência ética de Rob. Sobre Cage falo daqui a pouco. No caso de Sarnoski, esse respeito se revela, por exemplo, no distanciamento de sua câmera, que preserva a privacidade do introspectivo Rob nos momentos em que é agredido, e também em encontros que lhe são particularmente emocionantes.

Nicolas Cage pig

Uma outra delicadeza, esta sendo a mim particularmente agradável, é a manifestação de que Sarnoski realmente acredita na potência argumentativa de seu filme, e no perfeito encaixe entre o discurso e as ações de Rob. Além disso, Sarnoski demonstra estar certo de que trabalha com um texto e com atores capazes de transmitir o sentimento do filme. Por isso, não recorre a recursos acessórios para provocar emoções no espectador. Os elementos de que dispõe já são suficientemente consistentes.

Por fim, mas não menos importante, está a capacidade de desenvolver e abarcar em 90 minutos uma narrativa que se justifica em premissas filosóficas relevantes. Tais premissas atravessam tanto o protagonista Rob quanto os outros dois personagens que lhe servem de contraponto na discussão ética que o filme encerra.

Nicolas Cage muito bem acompanhado

Nicolas Cage está magnífico como o sofrido e recluso Rob. O personagem transborda em autenticidade, credibilidade e sentimento. Além disso, está sempre na beira do desague. Mantém o espectador em constante expectativa acerca de suas ações e respostas aos acontecimentos e notícias que recebe. Se acaso essas expectativas serão satisfeitas ou não, isso não faz a menor diferença. O mais importante é a convicção do personagem, que transborda a cada quadro e agradará até o fã que prefere o Nicolas Cage dos filmes de ação.

Mas preciso também atribuir esse agrado aos dois outros atores que compõem o trio que organiza o debate filosófico de Pig: A Vingança. O embate entre os três me fez lembrar um pouco Em chamas (2016), de Lee Chang Dong. Ali também se configura um triângulo masculino em que um personagem está em um dilema ético entre duas figuras mais velhas, mas com crenças e práticas existenciais e morais antípodas.

Alex Wolff

Porém, enquanto em Em chamas as fronteiras entre as referências éticas eram menos marcadas, em Pig: A Vingança elas se apresentam com total nitidez. Rob e Darius (Adam Arkin) são os dois nortes éticos bastante demarcados, colocados com precisão diante do jovem Amir. Como resultado, é para se notar também o trabalho de Alex Wolff na construção do progressivo amadurecimento do personagem, um percurso também coerente e robusto mesmo diante do curto tempo do filme. Mérito também de Sarnoski e de Vanessa Block, que assina o roteiro junto com o diretor.

Cinema é Arte e também Filosofia

Pig: A Vingança, como grande obra, reforça o sentido de quem busca o Cinema como Arte e como expressão: que deleite é apreciar o artesanato técnico e formal em função de uma consistência temática. Dessa maneira, o filme permanece em nossa memória como experiência esteticamente rica, justificando nossa busca pelo que é relevante, pelo que é o melhor da vida, o melhor que o ser humano é capaz de realizar.

Contudo, Pig: A Vingança faz muito mais do que ser um dos objetivos de nossa busca. O trabalho de Sarnoski resulta em um filme que inspira algumas das reflexões filosóficas mais centrais da humanidade. O que é uma vida bela? Qual é o significado da vida? Pelo que realmente vale a pena viver?

Wollf e Cage

Nicolas Cage já interpretou muitos personagens rasgados pela dor. Entretanto, faltava mesmo a ele voltar-se para a dor como questão. Qual é sua função em nossa vida? Fazer com que nos desliguemos do mundo, operando esse desligamento de variadas formas, destrutivas ou não? Talvez, pode ser fazer com que repensemos nosso sistema de valores, em função de honrar as vidas que perdemos, agregando às nossas próprias vidas a beleza que enxergávamos naqueles que partiram, e mantendo conosco o amor que eles nos inspiraram.

Nesse sentido, observar quais foram as escolhas dos personagens do filme é um exercício de introspecção, levando como brinde uma hora e meia diante de um verdadeiro presente de beleza para aliviar um pouco as dores que nós também carregamos.


Ficha Técnica
Pig (2021) – Estados Unidos
Direção: Michael Sarnoski
Roteiro: Vanessa Block, Michael Sarnoski
Edição: Brett W. Bachman
Fotografia: Patrick Scola
Design de Produção: Tyler B. Robinson
Trilha Sonora: Alexis Grapsas
Elenco: Nicolas Cage, Alex Wolff, Adam Arkin

 

 

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