Batem à Porta
Night Shyamalan é o diretor que sempre divide opiniões e tenho certeza que Batem à Porta será mais um de seus filmes que provocarão tal sensação no público. Nesse filme um casal de férias com sua filha pequena são abordados por um grupo de estranhos, enquanto desfrutam da paz em uma cabana isolada. Os visitantes inesperados buscam a salvação da humanidade e faz ao par uma estranha proposta: que um deles se sacrifique para conter o Apocalipse.
A produção é uma adaptação do livro O Chalé no Fim do Mundo de Paul Tremblay, lançado aqui em 2019 pela Editora Bertrand Brasil. Embora o filme anterior de Shyamalan apresente um padrão comum em suas produções, os plots que mudam a perspectiva da narrativa, nesta nova película temos reviravoltas mais contidas e até previsíveis. Assim sendo, Batem à Porta é um filme ‘redondinho’.
Intimista e intimidador
A primeira sequência em que a garotinha Wen (Kristen Cui) faz o primeiro contato com Leonard (Dave Bautista) indica qual será o tom da película com seus close-ups – ora abertos, ora fechados – deixando as personagens sempre muito próximas umas das outras. De fato a convenção cinematográfica escolhida pelo diretor cria uma intimidade entre as pessoas que estão na cena, bem como estabelece o drama que em seguida será desenvolvido.
Tal escolha favorece a empatia que criamos por todos que estão presos naquele jogo apocalíptico. Assim sendo, destaco o ator Bautista. Dave, saído da WWE, assim como The Rock, tinha tudo para e tornar mais um brucutu canastrão de filmes de ação, principalmente após sua aparição em Guardiões da Galáxia e em sua sequência. Entretanto, a cada escolha que o tire desse padrão, o ator vem mostrando sua habilidade de romper com esse estereótipo.
Em Batem à Porta, sua personagem assusta pelo tamanho, pelas inúmeras tatuagem e pelo tom de voz. Mas ao conhecermos um pouco mais de sua história o que Night nos oferece é um homem caridoso e gentil. Ele está diante de um conflito tão terrível quanto o que propõe ao casal. Ainda assim há em seu desenvolvimentos momentos de frieza em que Leonard, seguindo seu propósito, precisa ser violento. Porém tais momentos são seguidos de alguma consequência que se manifesta de forma física, em forma de vômito ou de lágrimas manifestando seu desconforto com a atitude extrema.
E essa dualidade da personagem aproxima o espectador do invasor, ainda que provoque certa desconfiança de que a qualquer momento uma máscara de bondade pode vir ao chão.
Os invasores de Batem à Porta
Ao chegarem a casa, principalmente após a apresentação de Wen a Leonard, existe uma desconfiança de que aqueles quatro transeuntes são a representação do mal. Filmes como Violência Gratuita ou Eles ecoam suas regras em nossas mentes. Não estamos errados, pois nos vemos diante de pessoas estranhas, instáveis emocionalmente, umas mais agressivas e outras tranquilas até demais. Mas todas com olhares fixos, lágrimas nos olhos e um nervosismo trêmulo.
A partir desse ponto o texto contém spoilers
Revelação
Além da aparência e dos gestos incertos, os quatro carregam consigo armas feitas da mistura de foice, facas, martelos, uma balança e outras armas brancas que, em um primeiro momento são apresentadas por eles como sendo ferramentas. Tal definição toma sentido quando acontece a primeira execução, ou sacrifício, como eles mesmo chamam. Por mais que estas sejam armas no momento de aproximação do quarteto a casa, a medida que o discurso de que o que fazem é um ato de contenção a um mal maior elas toma a forma de ferramentas.
Assim como os que as portam os instrumentos são um meio de expurgo do mal que afetará toda a humanidade, uma revisão dos cavaleiros do apocalipse.
A eterna luta do bem contra o mal
A película começa com Wen caçando gafanhotos, uma das pragas bíblicas. As criaturas são colocadas em um vidro e em seguida catalogadas. Os insetos ocupam o lugar que poucos minutos depois serão dos humanos, todos dentro de uma cabana, escrutinados sob o olhar de seu criador, ao menos é o que a premissa do filme nos vende.
Toda a ambientação reverbera um clima punitivista, uma vingança do Deus cristão do Antigo Testamento que retoma a narrativa para si no Novo Testamento e cobra de seus filhos uma escolha. Os invasores não são apenas cavaleiros, mas também profetas que têm visões. Sendo eles consequências da quebra dos primeiro ao quarto selos do apocalipse e sua missão, do quinto selo, suas visões representam os outros dois selos. O acontecimento das visões são contidos por meio dos sacrifícios, executados de maneira ritualística segundo um roteiro com discurso sensacionalista e extrema violência.
Entretanto, Shyamalan faz uma sábia escolha ao não retratar a violência explicitamente. Sua câmera desvia dos cortes e esmagamentos. O sangue aparece, mas a forma que possibilita que ele corra fora dos corpos não. A ausência dessa crueza deixa tudo mais tenso, pois supomos quão brutal é a ação de um corpo sobre o outro nos sacrifícios feitos. Todo o texto, referencia o livro do Apocalipse.
Ademais o fato do par do filme ser um casal aquileano pode provocar a sensação de que há motivo específico para eles serem alvo. Esse fato nos leva a um outro ponto de vista que é o do pai Eric (Ben Aldridge).
Ciência X Espiritualidade: a função dos pais em Batem à Porta
Ben e Andrew (Jonathan Groff) são apresentados como um casal de férias com sua filha pequena, sem panfletos sobre a orientação sexual deles. Entretanto, na vida de Ben ocorreu um fato que o provocou um trauma. Em um bar ele foi atacado por um Irlandês homofóbico chamado O’Bannon, que posteriormente descobriremos se tratar de Rupert Grint, personagem que inicialmente se apresenta com o nome Redmond. Dessa maneira, se somarmos a paranoia criada pelo trauma com a dúvida do par se aquelas pessoas são fanáticas religiosas, acontece a construção da possibilidade daquilo ser uma vingança orquestrada pelo ruivo.
Além disso, a medida que a trama se desenvolve Andrew se distancia de seu esposo e se aproxima do quarteto, ou do que sobrou dele, representando o choque entre a ciência e religião. Só para exemplificar, assistir um noticiário sucede uma execução e cada fato mostrado na TV sofre interferência verbal e racional de Ben. M. Night conduz com sabedoria a câmera entre a mudança de expressão de Andrew a medida que ele crê no inexplicável.
As duas testemunhas ou os mártires
De maneira semelhante, as escolhas da direção estabelecem logo no início quem será o sacrifício da família ou ao emoldurar Groff sobre uma janela redonda que lembra um halo angelical, ou ao manter a filha do casal mais próxima do seu par por mais tempo, no primeiro terço do filme, sinalizando talvez que a escolha deva ser feita pela garotinha.
Talvez a parte mais bonita seja justamente uma das mais tristes, o desfecho tanto de Leonard quanto de Andrew, pois ambos aceitam seu destino e antes de perderem a vida refletem sobre a inefabilidade do que eles viveram. Todo o arremate proposto versa sobre amar ao próximo.
Em suma, Batem à Porta oferece uma história intimista sobre o fim do mundo tendo como ponto de partida a moral cristã. Bautista, Groff e a pequena Cui se destacam em interpretações excepcionais. Ademais, Shyamalan faz um ótimo trabalho com sua câmera nos mantendo atentos em cada minuto da projeção.
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond, Michael Sherman, Paul Tremblay
Edição: Noemi Katharina Preiswerk
Fotografia: Jarin Blaschke, Lowell A. Meyer
Design de Produção: Naaman Marshall
Trilha Sonora: London Contemporary Orchestra
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Rupert Grint
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