Creed III
Quando Creed – Nascido para lutar foi lançado em 2015, toda a atenção dada ao filme o tratava como uma sequência da franquia Rocky. Críticos observavam com surpresa que o filme funcionava muito bem sozinho, mas isso era eclipsado pelo peso de décadas da franquia. Em 2019, muitos disseram que Creed II era uma espécie de sequência espiritual de Rocky IV. E agora, em 2023 já há aqueles que dizem que há ecos de um outro filme pregresso da franquia guiando a linha narrativa de Creed III.
Com absoluto respeito, mas com provocação é preciso dizer: Vamos crescer? Evidente que a franquia Creed tem seus ecos na franquia anterior do garanhão italiano, mas já é tempo de parar de tratar os dramas únicos dessa nova história como apêndices da nostalgia. E mesmo os bastidores demonstram isso, com o rompimento de Silvester Stallone com a produção desse filme um cordão umbilical criativo, já há muito cortado, deixou de ser guardado em uma caixinha de madeira no fundo do armário.
Um duelo de irmãos
Na trama do novo filme, Adonis prospera em sua carreira e vida familiar, mas quando Damian Anderson (Jonathan Majors) um amigo de infância e ex-prodígio do boxe ressurge após passar duas décadas na prisão, o confronto é mais do que apenas uma luta. A trama avança para falar de abuso, rancor, culpa e responsabilidade.
Isso por que as razões que levaram Damian à prisão, embora sejam guardados em detalhes para os momentos de virada do filme, desde o princípio parecem nublar os pensamentos de Adonis que se vê mais uma vez vulnerável, depois de ter conquistado tudo aquilo que poderia sonhar.
Trabalhando um conflito muito íntimo e emocional, a direção de Jordan é consistente durante toda a produção. Na sua estreia como diretor, temos várias homenagens durante as sequências de boxe inspiradas em sequências reconhecíveis de animes. Na luta final, entre sequências inspiradas e oníricas, temos também um uso de câmera lenta épica, socos no estilo Dragonball Z e algumas imagens impressionantemente estilizadas . É preciso dizer que em um mundo de cinema cada vez mais quadrado, este mix de influências é uma ótima pedida.
Violência e masculinidade
Mas não apenas de boas cenas de pancadaria vive o filme. Em dado momento do filme, em uma discussão entre Adonis (Michael B. Jordan) e Bianca (Tessa Thompson), ela diz que brigar nem sempre resolve os problemas, ao que o protagonista concorda fazendo a ressalva: “Mas algumas vezes funciona.” Temos aqui uma boa chave de leitura, Creed III fala sempre sobre uma busca por uma vida digna e em paz, depois que a vida te atinge com vários golpes. É um filme familiar que trabalha um novo lado para essa franquia.
Temos agora bastante foco na filha surda do Creed, Amara (Mila Davis-Kent), o que apresenta em tela uma dinâmica familiar doce, mas sem exageros. Nos excelentes momentos em Thompson surge parceira e guia do personagem título no filme somos colocados diante das lições, boas ou ruins, que Amara está aprendendo com seu pai, especialmente quando se trata da violência.
Mudanças no cinema brucutu
Toda essa discussão passa longe da proposta de desconstruir qualquer coisa, e o filme sabe que não precisa ir por este caminho. Falamos aqui uma história que avança oferecendo novos olhares sobre um modelo do cinema brucutu já ultrapassado, que precisa se firmar em mais do na visão envelhecida de masculinidade, mas que ainda precisa se firmar e marcar posição.
Fato é que o filme o faz de maneira brilhante, abrindo o caminho com violência se preciso, para se colocar como uma das mais consistentes franquias da década.
Direção: Michael B. Jordan
Roteiro: Ryan Coogler, Zack Baylin e Keena Coogler
Edição: Jessica Baclesse, Tyler Nelson
Fotografia: Kramer Morgenthau
Design de Produção: Jahmin Assa
Trilha Sonora: Joseph Shirley
Elenco: Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Jonathan Majors, Mila Davis-Kent e Phylicia Rashad