Furiosa: Uma saga Mad Max
Última atualização: 23/05/2024
O que mais gosto em George Miller é a sua facilidade em criar atmosferas. Sejam elas épicas e grandiosas, como na sua série Mad Max, Ou algo mais “imaturo”, fofo, divertido, como em seu Babe – O Porquinho Atrapalhado na Cidade. Miller tem uma facilidade em te fazer ficar envolvido, te prende à trama através de seus visuais fantasiosos e narrativas dinâmicas com histórias simples. Ele nos provoca através da simplicidade e consegue transmitir todo o seu carisma dentro da narrativa. Contudo, isso é algo muito complexo de fazer, já que carisma é algo volátil. Por sua vez, Furiosa: Uma Saga Mad Max traz outras qualidades.
O filme é como um pequeno liquidificador em que Miller brinca em transformar suas atmosferas diferentes em algo sólido, em uma só narrativa. Assim, acabou transformando todas as minhas expectativas em curiosidade. Curiosidade para entender mais do universo que nos foi reapresentado em Mad Max: Estrada da Fúria, entender como Furiosa chegou à posição em que a encontramos no filme antecessor.
Conexões com Estrada da fúria
O filme se inicia com uma breve recapitulação, com uma narração em off, algo parecido com o início de Estrada da Fúria. Logo depois, uma jovem Furiosa (Alyla Browne) aparece colhendo um fruto, junto de sua companheira, que parece estar mais apreensiva do que ela. Entretanto, após as jovens notarem alguns motoqueiros que estavam distraídos após o abate de um cavalo, enquanto estavam estocando sua carne, Furiosa silenciosamente vai até um dos veículos e os sabota, até ser notada e sequestrada pelo bando.
Em seguida, temos, já no início do filme, uma de suas melhores sequências, em que a Mãe de Furiosa a segue em uma perseguição longa e paciente. Miller usa de muitos planos abertos para transparecer a imensidão do deserto, colocando a câmera na lupa da arma da personagem para imergir junto com ela. É praticamente como se Miller colocasse a arma em nossas mãos e ajudássemos Furiosa. Assim, o longa, aos poucos, vai criando uma atmosfera de um filme western, com uma música intimista assinada por Tom Holkenborg.
A mitologia de George Miller sempre presente
E a partir disso, adentramos ainda mais na mitologia que George Miller criou. Todo um arco de vingança vai sendo desenvolvido, e Furiosa vai se mostrando uma personagem rebelde, que não aceita sua prisão. O diretor não tem tanta pressa para desenvolver sua personagem. Diferente de Estrada da Fúria, aqui, Miller deixa o filme respirar, usa do humor para criar caricaturas vilanescas, deixa as imagens falarem pela personagem.
A câmera sempre procura os olhos de Furiosa (Anya Taylor-Joy), a atriz tem olhos marcantes, quase como uma caricatura. Anya entende o que o diretor queria tirar de seus closes, sabe que as expressões com olhos rígidos são quase como se estivesse confrontando o ódio a todo momento.
Além disso, Chris Hemsworth convence como o vilão Dementus. Miller o usa em sua narrativa para colocar humor em certos momentos, inclusive em suas perseguições elaboradas e inventivas. Ele é quase uma serpente que apareceu na vida da protagonista apenas para puni-la. Com efeito, é interessante que Furiosa aprenda a ser impiedosa ao conviver com Dementus, não por ela o admirar, mas por fazê-la entender que só assim ela vai conseguir alcançar sua vingança.
Nesse sentido, a ação de Miller segue com sua identidade narrativa afiada. Há muitos frames acelerados, grandes sequências de ação que empolgam, bem filmadas e ritmadas pela trilha sonora que vai amadurecendo durante a história. Eu gosto como, no meio da ação frenética, que aqui é pontual, abre-se espaço para um desenvolvimento mais íntimo. Também se abre margem para um pouco de melodrama, mesmo que muito pouco no filme. Dessa forma, Miller mostra mais uma vez sua habilidade em brincar com as atmosferas.
Uma rede de histórias e mitos
Eu enxergo Furiosa como um episódio desse mundo utópico criado pelo Miller, que usa uma alegoria sobre o jardim do Éden. Furiosa viola o fruto de sua árvore, perde seu paraíso e é jogada no inferno para lutar por sua alma. Dementus é a personificação de sua punição, que a faz crer em um pecado que ela jamais cometeu. Furiosa é jogada na imundice da dor e a faz aceitar como parte dela.
De fato, esse western de vingança alcança sua simbologia máxima quando entendemos que Furiosa revidou, jogando Dementus para um destino pior que a morte: a dor, a espera, e seu corpo foi usado para dar vida à mesma árvore cujo fruto Furiosa colheu. Dessa maneira, a mesma semente que fez Furiosa ser punida pelo pecado foi plantada por ela mesma para punir o próprio mal encarnado.
Por isso, Dementus, em certo momento da história, questiona se Furiosa seria capaz de, além de se vingar, tornar sua jornada épica. O personagem é quase como um demônio que a desafia a ser o mais cruel possível, fazendo-a sacrificar seu próprio corpo para subjugá-lo. É nesse ponto que entendemos por completo o tamanho da redenção que Furiosa buscaria no futuro.
Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Nico Lathouris
Edição: Eliot Knapman, Margaret Sixel
Fotografia: Simon Duggan
Design de Produção: Colin Gibson
Trilha Sonora: Tom Holkenborg
Elenco: Anya Taylor-Joy, Chris Hemsworth, Tom Burke, Tom Holkenborg