
“Rede de Intrigas” e a tragédia que se renova | Dossiê Sidney Lumet
Rede de Intrigas (The Verdict, 1976)
Roteiro: Paddy Chayefsky
Elenco: Faye Dunaway, William Holden, Peter Finch
Tic, tac. Tic, tac. Tic, tac. “Rede de Intrigas” é uma contagem regressiva rumo ao inevitável. Quase 50 anos depois, o filme de Sidney Lumet é dolorosamente atual ao mostrar o que vai do descartável à oportunidade em questão de minutos, em um ambiente onde hard news viram entretenimento.
Quando o âncora Howard Beale (Peter Finch) diz ao vivo que irá se matar, um grande caos se instala nos bastidores da rede de TV UBS. Rodeada de homens, Diana Christensen (Faye Dunaway) toma decisões pouco ortodoxas ao ver no desespero de Beale a chance de aumentar a audiência.
Ela vê nele uma irresistível bomba-relógio pronta para fazer toda uma cadeia funcionar: do grito que ecoa por janelas e janelas, sai um programa de auditório que o brada como sendo o grito de um profeta de um país que liga a tevê e se depara com a Guerra do Vietnã, o sequestro de Patty Hearst e a tentativa de assassinato do presidente Gerald Ford.
“Rede de Intrigas” é um dos filmes-chave de uma Hollywood que tentava refletir de forma mais aberta o mundo. Junto a ele, títulos como “Todos os Homens do Presidente”, “O Franco-Atirador” e “Apocalypse Now” apontavam para uma geração questionadora, ainda que sucedida pelos blockbusters e pelos yuppies.
O que o filme de Lumet tinha de diferente, contudo, era sua co-protagonista. Uma mulher que era assumidamente casada com o trabalho e que sentia prazer ao sentir que tinha nas mãos uma história absurda o suficiente para virar um “filme da semana”. Nas mãos da Diana de Faye Dunaway, o business precisava do show.
O Lumet que veio da TV e que sabia se adaptar a qualquer texto teve nos diálogos de Paddy Chayefsky um playground. A história trágica que anunciava uma era de sangue (literal) ganhou um operário da sétima arte pronto para unir escolas diferentes, com os caçulas Dunaway e Robert Duvall perante Finch e William Holden – este, remanescente de uma Hollywood que já era passado.
Nem tanta coisa mudou. Menos de duas décadas depois, a protagonista de “Um Sonho Sem Limites”, de Gus Van Sant, dizia que alguém só era alguém “se estivesse na TV. A mesma TV que fazia o mundo parar e olhar para OJ Simpson fugindo da polícia, ou que, no Brasil, dissecava a vida de uma jovem que namorava o piloto de Fórmula 1 que acabara de morrer de forma trágica. Uma ópera que se renova, com Dianas se multiplicando para destruir novos Howard Beales.
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Camila Henriques é jornalista formada pelo Centro Universitário do Norte (Uninorte). Crítica de cinema integrante da Abraccine e votante do Globo de Ouro. Integra o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Escreveu para o site Cine Set. Co-fundadora do podcast Sábado sem Legenda e colaboradora do Feito Por Elas.