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O Instinto | Fantaspoa 2025

Última atualização: 17/04/2025

Começando esse balanço inicial dos filmes assistidos nos primeiros dias de Fantaspoa, sem dúvidas o longa espanhol O Instinto (2024), do jovem diretor Juan Albarracín foi o que mais me saltou aos olhos. Em uma trama na qual acompanhamos Abel (Nicolas Edo), um arquiteto que tenta se curar da agorafobia, a tentativa de lidar com angústias do passado se torna um pesadelo da vida real. Ao mesmo tempo que Abel lida com seu adoecimento, seu relacionamento amoroso com Sonia (Eva Llorach) está ruindo. Da mesma forma, seu emprego está próximo de ser perdido.

Após a fuga do cão de Sonia, que culmina na morte do animal, Abel conhece Jose (Fernando Caio, o Coronel Tamayo da série La Casa de Papel), um adestrador de cães com o qual estabelece uma certa amizade. Enquanto a namorada se muda para Barcelona, em busca de uma nova oportunidade profissional, Abel se vê preso em casa e em sua mente perturbada por traumas do passado. Além de precisar lidar com seus conflitos internos, o homem também deve se mudar com urgência para Barcelona, pois sua carreira depende disso. Assim sendo, até mesmo a oferta mais absurda pode parecer aceitável diante do desespero que a personagem vive.

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Cinema de ansiedade

Antes de tudo, O Instinto é um filme sobre conviver com os efeitos extremos da ansiedade e Juan transcreve essa sensação para tela de forma magistral. O cineasta usa recursos simples e eficazes para construir de maneira gradativa a tensão vivida por sua personagem. A câmera constantemente instável nos coloca no lugar dessa pessoa também instável, ou seja, o filme não parte de um lugar confortável. Logo no início, quando o border collie de Sonia foge e acompanhamos o deslocamento de Abel na tentativa de descobrir para onde o cachorro poderia ter ido, somos apresentados a primeira crise da personagem. A câmera treme, a montagem faz cortes rápidos, o enquadramento mescla planos muito próximos do rosto do ator com planos de seu corpo semi desfalecido.

O som também é usado a favor desse tensionamento, sem jumpscares desnecessários, apenas sons comuns. Sejam de passos em uma escada, do motor de um carro estacionando ou dos sons ambientes se tornando mais ou menos nítidos a medida que Abel busca controlar seu corpo e mente. Juan, com sua condução precisa deixa sempre no ar a sensação de “vai dar merda” pairando. E essa sensação é bem sustentada até o terço final do filme, pois, a princípio, o adestramento mostra pequenos resultados. Penso que talvez seja esse falso conforto que nos tapeia sem tapear, colocando o espectador em um longo “pisar em ovos”. Se no início o tratamento provoca efeitos que melhoram a rotina da personagem, não tem porque esperarmos pelo pior. Ou tem?

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O monstro de cada dia

O Instinto é um filme sobre violência de gênero. Entretanto é um dos que não coloca a mulher no centro da violência, como é comum na maioria dos filmes de terror. As sequencias em que acessamos a memória de Abel nos permite entender que seu trauma está vinculado a sua relação com seu pai. O homem que aparecem em takes rápidos e sem ordem lógica demonstra comportamentos agressivos, bem como, desinteresse na família. Mas sua imagem sempre está atrelada às crises de pânico de Abel.

Personagens femininas

Assim como Sonia, a mãe é uma personagem que aparece vez ou outra. Porém diferente da namorada, ela não tem proximidade com Abel. E por falar em Sonia, é interessante como a personagem tem certo destaque no início do filme, como um gatilho positivo da tentativa de mudança de Abel. Mas, ao mesmo tempo há entre os dois uma forte relação de poder na qual ele é a parte submissa. Além disso, após sua mudança para Barcelona, passamos uma longa parte do filme lembrando de sua existência apenas quando ouvimos o homem ligando para ela, dando satisfações sobre seu avanço no projeto arquitetônico ou em sua redomesticação.

Quando Jose coloca os pés dentro da casa ele passa a ser a parte dominante e Abel, seu novo pet. Este é outro ponto profundamente positivo do filme, afinal ficamos por cerca de 1h40min inseridos na dinâmica de uma relação tóxica. Quem tem sensibilidade o bastante e consegue fazer inferências e ligações entre ficção e realidade, conseguirá, ao assistir O Instinto, traçar o passo-a-passo de um relacionamento abusivo. As violências não surgem do nada, elas começam como gestos de afeto e cuidado que escalam para um sistema de dependência e dominação, física, emocional e psicológica. Sem dúvidas um recondicionamento mental, tal qual o adestramento de um cão servil a quem aparenta ter mais poder que ele.

Para mais informações sobre a programação do Fantaspoa visite o site oficial https://fantaspoa.com/.

Acompanhe a cobertura do festival em nosso post âncora, neste link aqui.

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