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Adolescence. Stephen Graham as Eddie Miller in Adolescence. Cr. Courtesy of Netflix © 2024

Adolescência: Stephen Graham e elenco batem papo sobre a produção da minissérie

Última atualização: 27/3/2025

Há alguns dias foi realizada uma conferência de imprensa virtual com Stephen Graham, criador da série de sucesso da Netflix, Adolescência, mediada pelo jornalista e escritor Joe Utichi. Participaram também da coletiva Owen Cooper (Jamie Miller), Erin Doherty (Briony Ariston) e Ashley Walters (Luke Bascombe).

prisão Jamie

Desenvolvendo a série

Ponto de partida

Joe Utichi: Stephen, conte-nos um pouco sobre o contexto de criação da série. Como essa ideia surgiu e o que te motivou a investigar essas questões?

[…] é como dizem: “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. Então, a questão seria analisar a responsabilidade e motivo pelo qual um jovem faria algo tão horrível. (Stephen Graham)

Stephen Graham: Fomos abordados, quer dizer, Phil [Philip Barantini, diretor] foi abordado para fazer uma série. Há alguns anos fizemos um filme chamado O Chef, que foi filmado em um único plano-sequência e foi muito bem recebido. Em seguida, pediram para fazermos uma série de TV. Imediatamente, eu tive a ideia de criar algo assim, afinal, um tempo antes, eu li no jornal sobre um incidente em que um menino esfaqueou uma menina até a morte. Alguns meses depois, outro caso parecido, em outra parte do país. Sinceramente, isso partiu meu coração, e eu pensei: o que está acontecendo na nossa sociedade? Como isso e não é um incidente isolado? Parecia haver vários casos assim pelo país. Achei que seria uma história interessante para contar e conscientizar sobre.

Adolescência não é um suspense de “quem matou”, mas sim do “por quê”. Por que ele fez isso? Já disse antes, mas é como dizem: “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. Então, a questão seria analisar a responsabilidade e motivo pelo qual um jovem faria algo tão horrível.

Saindo do convencional

JU: Stephen, é um personagem tão intrigante. Tão bem interpretado que, como você disse, não é sobre “quem fez”, mas você quase torce para não ser verdade. E isso é mérito da atuação do Owen, do roteiro também. Como foi esse processo criativo com o Jack.

SG: Foi um processo fascinante. Eu tive um estalo, conversei com o Phil – a gente estava no carro, nem lembro pra onde íamos, numa viagem de uma hora. Do nada eu disse: “Acho que pode ser isso”. E comecei a descrever o primeiro episódio. Queríamos fazer um drama policial fora do convencional: em vez da perspectiva da família da vítima (que é importante, claro), mostramos o lado do adolescente que cometeu o crime. E eliminamos os clichês: o pai não era violento, a mãe não era alcoólatra, não houve abuso físico ou sexual. Queríamos explorar outras razões. O Jack mergulhou fundo nisso, pesquisou o lado sombrio das redes sociais – daí veio toda essa construção sobre a cultura incel.

adolescência adam e seu pai

Sobre as personagens de Adolescência

Como foi para Owen Cooper debutar em um papel tão profundo

JU: Owen, este foi seu primeiro trabalho. Qual foram suas reações em participar? Empolgado? Nervoso?

Owen Cooper: No começo, nas audições, eu estava muito nervoso mesmo. Mas, fui bem acolhido pelo Phil e pela Jo Johnson [a produtora]. E, sinceramente, não poderia ter sido melhor. Então, sim, foi assustador no início, ainda mais sabendo do plano sequência, mas, sabe, não teria conseguido sem a Erin, o Ashley e o Stephen. Então, dou o crédito é todo a eles.

JU: Adolescência é marcada por momentos de profunda vulnerabilidade e autodescoberta. Teve alguma cena ou momento emocional que você achou mais desafiador? O que você aprendeu sobre si mesmo no processo?

OC: O mais desafiador provavelmente foi no episódio três, com a Erin, aquela cena em que eu tinha que chegar bem perto do rosto dela e assustá-la. Porque, nos ensaios, eu não conseguia fazer isso. Estava um pouco fora da minha zona de conforto, pra ser sincero. Mas, na semana das gravações, depois de duas semanas de ensaio, me senti totalmente à vontade pra fazer, graças à ajuda do Phil e do time todo. Sem eles, não teria conseguido, sabe?

Nossa sociedade tá perdendo a conexão humana e isso me fez repensar como converso com meus filhos. A gente acha que tá fazendo tudo certo[…] mas quanto tempo a gente realmente senta pra entender o que se passa na cabeça deles? (Ashley Walters)

Construindo a imagem de uma psicóloga em meio a uma investigação

JU: Erin [Doherty], o episódio em que você aparece pode ser um dos mais intrigantes, pois apresenta um estilo de interrogatório calmo, porém revelador. Como você lidou com esse desafio único de atuação?

Erin Doherty: Fiquei muito nervosa quando entendi o que era exigido de mim, porque é basicamente uma armadilha pronta para cair. Era fácil escorregar no clichê do “sou psicóloga, sento aqui, faço perguntas”. Poderia ter ficado sem graça e muito raso. Assim sendo procurei uma terapeuta de verdade, para entender profundamente como era estar naquela sala no dia a dia. Mas, ao mesmo tempo, quis deixar isso de lado e simplesmente estar presente na cena. Meu desafio foi equilibrar o profissional com o humano – essa psicóloga que genuinamente se importa com a alma à sua frente. Foi isso que trouxe a nuance.

Briony e Jamie Adolescência

O impacto da série na relação do elenco com seus filhos

JU: Ashley e Stephen, vocês são pais. A série mudou como veem a criação de seus filhos?

Ashley Walters: Com certeza. antes de começar as gravações, participei até de uma [risos] operação policial como pesquisa. Na minha cabeça, era só sobre procedimentos, protocolo. Mas, quando começamos os ensaios, percebi que não era sobre ser policial.  Naquela hora, virou sobre ser pai, entende? Ele precisa entender o motivo, pois tem medo dos próprios filhos seguirem esse caminho. Todo pai que assistir vai se identificar. Nossa sociedade tá perdendo a conexão humana e isso me fez repensar como converso com meus filhos. A gente acha que tá fazendo tudo certo: trabalhar, pagar contas, jogar bola no fim de semana, mas quanto tempo a gente realmente senta pra entender o que se passa na cabeça deles? Foi emocionalmente desgastante, mas me fez conversar mais com eles. Espero que provoque essa reflexão em outros pais também.

SG: Exato! Desde o início, queríamos acabar com esse pensamento de “isso nunca aconteceria na minha família”. Não, esse poderia ser VOCÊ, sabe? Fizemos os Miller serem uma família comum de pais trabalhadores, decentes, amorosos justamente pra mostrar que podia ser na casa do seu vizinho. Ou sua própria casa. Como o Ashley disse tão bem, é sobre comunicação. Nosso objetivo era gerar esse diálogo em família. Porque por mais que a gente eduque, o mundo hoje é completamente diferente do mundo da nossa infância. Esses aparelhos estão educando (e até “criando”) nossas crianças tanto quanto nós, se não mais.

Desde o início, queríamos acabar com esse pensamento de “isso nunca aconteceria na minha família”. Não, esse poderia ser VOCÊ, sabe? (Stephen Graham)

Adolescência está propondo diálogos e não dando respostas

JU: Embora a série mostre os problemas da juventude atual, ela evita dar sermões ou soluções prontas. O que vocês acham que poderia ser feito para combater a infelicidade causada pela obsessão com redes sociais, especialmente nas crianças?

OC: Pra mim, que sou da mesma idade do Jamie e vivo nas redes sociais, muita coisa passa batido, mas vai abrir os olhos dos pais. Tipo, essa coisa dos emojis que o Ashley (Luke Bascombe) e o Amari (Adam Bascombe, incrível no episódio 2) mostram. Olha, até eu fiquei chocado com o que alguns símbolos significam hoje. E é assim que as redes sociais estão afetando minha geração, nossas mentes estão sendo corrompidas por essas plataformas.

SG: E você tá certo. Não estamos apontando dedos nem dando respostas, pois não as temos. Mas podemos começar o debate, saca? Não inventamos um drama alienígena em Marte [risos]. Isso é A REALIDADE: jovens rapazes esfaqueando meninas. Acontece na nossa sociedade. Precisamos encarar isso como cultura.

No primeiro episódio terminamos TODOS destruídos na sala, chorando, aquela carga pesada. (Stephen Graham)

JU: O assustador é que, enquanto outros problemas têm soluções óbvias (“proíba isso”, “faça aquilo”), aqui não há resposta fácil, né?

ED: E essa é a coragem da série. Não cai na ilusão de dizer “façam X”. Ela reconhece a complexidade, mas ainda assim faz a pergunta. É raro uma obra de arte fazer isso. As melhores têm múltiplas respostas – e essa é uma delas.

Adolescence. Owen Cooper as Jamie Miller in Adolescence. Cr. Courtesy of Netflix © 2024

Como lidar com a emoção movida a cada cena gravada

JU: Owen, sua cena no episódio três foi uma verdadeira montanha-russa emocional. Como você, tão jovem, lidou com toda aquela raiva e dor, especialmente nos closes prolongados da câmera?

OC: No começo foi assustador, claro. Foi nosso primeiro episódio gravado. Conhecer a Erin foi incrível, mas, sabe… eu não via o Stephen como ator, e sim como meu pai. A Erin era a Briony de verdade pra mim, logo a raiva do Jamie é autêntica porque a Briony ficava me provocando por uma hora direto [risos]. Essas foram as melhores cenas pra filmar, foi… foi incrível.

Um jovem ator se destaca por seu profissionalismo

SG: E tem outra coisa: ele é o completo oposto do Jamie, saca? Ele é um dos garotos mais adoráveis – vou dizer mesmo – mais doces que você vai conhecer na vida. Os pais dele são uns amores, uma família maravilhosa, superprotetora e carinhosa. Então, é totalmente fora da realidade dele interpretar esse papel. Ele e o Phil trabalharam com um cuidado absurdo pra construir esse personagem e extrair essa performance. Essa dualidade que criamos no roteiro, e que ele trouxe pra vida, as complexidades do personagem. Às vezes vai além do intelectual, sabe? É puro instinto no momento.

‘Esses cinco vão participar do projeto, mesmo que não fiquem com o papel principal’. Todos toparam, e cada um tem um personagem marcante na série. Foi uma experiência linda – e vai ao encontro do que queríamos: criar oportunidades. (Stephen Graham)

No primeiro episódio terminamos TODOS destruídos na sala, chorando, aquela carga pesada. Aí você pensa “cadê o Owen?” e ele tá lá em cima jogando [risos], saca? A gente é como mergulhador de profundidade que precisa de horas pra descompressão. Ele não. Tá lá batendo bola [IMITA SOM DE TACADA] com o psicólogo infantil que acompanhava ele [risos]. E além desse talento bruto – essa capacidade de criar magia sem nem perceber, na idade dele – ele é um talento ÚNICO. Daqueles que aparecem uma vez numa geração.

cena final Adolescência

Garimpando talentos

JU: Mas isso nos leva a uma pergunta importante: como você encontra um talento desses, que aparece uma vez numa geração?

SG: Olha, você analisa 500 testes gravados, sabe? O Phil viu todos, e nossa incrível diretora de elenco, Shaheen Baig, vasculhou o norte do país. Lançamos uma rede bem ampla – vimos MUITOS testes mesmo. E no meio de todos esses talentos, essa joia apareceu. Mas teve um grupo final, né? Eram cinco garotos na lista final, e fizemos um workshop de um dia. O diferencial foi que, desde o começo, eu e o Phil decidimos com a Hannah, o Jack e a Jo Johnson: “Esses cinco vão participar do projeto, mesmo que não fiquem com o papel principal”. Todos toparam, e cada um tem um personagem marcante na série. Foi uma experiência linda – e vai ao encontro do que queríamos: criar oportunidades.

A série Adolescência está disponível no catálogo da Netflix.

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