Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto | Dossiê Sidney Lumet

Antes que o diabo saiba que você está morto (Before the devil knows you are dead, 2007)

Roteiro: Kelly Masterson

Elenco: Ethan Hawke, Albert Finney, Phillip Seymour Hoffman, Marisa Tomei,

Apesar de ser o último filme da carreira desse lendário artista que foi Sidney Lumet, Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto ainda é bastante subestimado e até desconhecido pelo grande público, apesar de ter um elenco com grandes atores, incluindo Ethan Hawke, Marisa Tomei e os já falecidos Albert Finney e Philip Seymour Hoffman, e também ter sido considerado um dos melhores filmes do ano pelo AFI (American Film Institute) e conquistado duas indicações no Film Independent Spirit Awards.

O roteiro, escrito pelo estreante Kelly Masterson, é quase uma tragédia shakespeariana, por conta das relações e conflitos no âmbito pessoal/familiar, mas inseridas, porém, no contexto contemporâneo.

Não existe qualquer tipo de salvação para essa sociedade desalmada e dominada pela selvageria financeira que se esquece das coisas mais importantes e valiosas — principalmente a família, no caso específico da história.

Os flashbacks, em vez de serem deslocados e desnecessários, na verdade têm o objetivo de criar um certo mistério para a narrativa, e, ao mesmo tempo, expor a perspectiva de cada um dos principais indivíduos envolvidos naquela situação.

Existe uma crítica bem forte e contundente ao fato de que as personagens femininas no filme são pouco desenvolvidas (essa crítica que se estende para a própria filmografia do diretor), mas, aqui, como em várias outras obras dele, é um mundo completamente mergulhado na psique masculina, e o dinheiro e poder são os fios condutores para suas atitudes.

Não é à toa que, logo em no primeiro frame, vemos os personagens interpretados por Hoffman e Tomei transando na cama. Entretanto, no lugar de aparecer os dois corpos numa filmagem clássica e até mais romântica, praticamente só vemos o personagem de Hoffman, para que essa ideia de controle e domínio masculino já seja apresentada ao espectador nos primeiros segundos de duração.

E essa noção é reforçada quando o personagem de Hoffman não olha para a parceira, mas sim para o espelho ao seu lado, para visualizar seu desempenho sexual. Essa é uma resposta cênica para simbolizar não só o egoísmo, mas também a dinâmica daquele casal.

Com isso, através dessa economia imagética absurda e da ausência de diálogos, o tom do filme é estabelecido com grande eficiência em sua primeira cena. É um feito que poucos realizariam com tanta maestria e elegância.

Por isso, é impressionante como Lumet consegue modernizar sua linguagem narrativa (com mais de 80 anos!) para criar uma obra angustiante, melancólica e devastadora sobre as consequências dos nossos atos.

Mesmo que tenha começado a carreira no teatro, e isso ter ajudado bastante, até em seus filmes menos inspirados, a ter boas atuações, é espantoso que, com a idade que tem, o octogenário artista extraia uma das melhores performances já vistas, tanto de Hoffman, Hawke e o já pra lá de experiente Finney.

Além de encerrar sua história no cinema com chave de ouro (chega a ser poético saber que tanto seu primeiro e último filme fazem jus ao seu imenso talento), o cineasta nos faz até indagar sobre a capacidade dos artistas mais jovens dentro da indústria (principalmente em Hollywood), que provavelmente jamais alcançariam metade da excelência do que foi executado aqui.

Encontre os demais textos do Dossiê Sidney Lumet em nosso editorial.

Jonatas Rueda, capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin. Leia outros textos de Jonatas no Clube da Poltrona.