BBB 22: a gentrificação do reality show

Até que demorou. O BBB 22 é a terceira edição do reality show com a presença de famosos, mas a primeira a, de fato, proibir o jogo dos anônimos. É a gentrificação de um programa cujo objetivo, ironicamente, é dar fama e riqueza ao seu vencedor. Entretanto, o que se vê nos primeiros 14 dias dessa edição é uma imolação dos “jogadores” em nome de um “BBB do amor”. Esse movimento de antijogo é encabeçado por Tiago Abravanel, que conta com seus aliados Pedro Scooby e Douglas Silva para destruir qualquer chance de entretenimento na “casa mais vigiada do Brasil”.

Há quem diga que o Big Brother Brasil seja fútil e emburrecedor. Mas poucas experiências são tão reveladoras sobre a natureza humana do que confinar pessoas e colocá-las sob pressão oferecendo uma pequena fortuna ao vencedor. Portanto, meu mais sincero “dane-se” a quem desdenha do BBB. E, sim, a potencial pior edição do reality traz uma faceta cruel da vida em sociedade: a invasão de ricos a espaços ocupados originalmente por “pobres”.

Explico as aspas e mais alguns pontos abaixo.

O que é gentrificação

Gentrificação vem do inglês gentrification. O termo, por sua vez, vem do francês antigo genterise: “de origem gentil, nobre”. Dá nome ao processo de “revitalização” de espaços que, como consequência, aumenta o custo de vida e obriga os moradores originais a se mudarem para periferias. Outra característica da gentrificação é a pastiche, a imitação escancarada de um estilo pasteurizado, visando tornar a região, originalmente popular, em um polo turístico.

A gentrificação não só exclui a população original de um lugar, mas também elimina aquilo que fazia esse lugar único. Portanto, não é um absurdo dizer que Tiago está, sim, gentrificando o BBB 22 com sua proposta de menos jogo e mais “experiência”.

Mas ele não é o único culpado.

O elenco do BBB 22 não cumpre sua própria premissa

Divididos entre “camarotes” (famosos) e “pipocas” (anônimos), os participantes do BBB 22 não contrastam tanto quanto deveriam. A “pipoca” Bárbara, por exemplo, já contava com mais de 200 mil seguidores no Instagram antes de ser confirmada no programa. Eslovênia foi Miss Pernambuco em 2018 e também já possuía redes sociais turbinadas. Embora haja contrapontos no grupo Camarote, por exemplo Maria, atriz de novela das nove que não tinha dinheiro para pegar o ônibus e cortar o cabelo, e Linn da Quebrada, travesti que lida com toda sorte de violências apenas por existir, o participante médio do BBB 22 não é o brasileiro médio.

Isso não significa que não haja choque de realidades no programa. Na festa do dia 28, Jessilane, professora, disse que um tênis de R$150 era caro para ela. Inclusive, a participante comentou que metade da sua mala foi dada pela produção, porque ela não tem roupas o suficiente para passar três meses em confinamento.

A reação de dois dos participantes mais ricos do programa não surpreende, mas choca. Naiara Azevedo olha para Jessilane com uma expressão que grita “150 reais não é troco?” Tiago, por sua vez, vai além ao afirmar que, dentro de qualquer faixa orçamentária, “basta ser criativo”. Tiago é neto de Silvio Santos, um dos homens mais ricos do Brasil.

Vamos falar sobre a “criatividade” de Tiago Abravanel.

Não joga y não deixa jogar

Apesar de nenhum dos participantes do BBB 22 chegar aos pés de figuras como Sérgio Tacam, cabeleireiro angolano que participou da primeira edição do reality show da TV Globo estando no Brasil em situação irregular e quase foi deportado durante o programa, é inegável que o prêmio de um milhão e meio de reais pode mudar a vida de mais da metade da casa.

Não é o caso de figuras como Tiago, Scooby e Jade Picon. Esta, inclusive, já disse que, vencendo o programa, doará o prêmio a cinco instituições beneficentes. Scooby, do mesmo modo, deixou claro que, “se cair um milhão e meio na conta, do nada, ótimo”, mas que não vai fazer nenhum esforço pelo prêmio. Está evidente que, para eles e também para Douglas, a visibilidade do BBB 22 é o maior prêmio. Conscientes disso, eles se negam a dar a contrapartida, o tão falado “entretenimento”.

Essa é uma questão interessante por dois aspectos. Do lado do público, há uma expectativa por intrigas, conflitos e brigas. Do lado dos “rebeldes”, a ideia de que isso seja entretenimento lhes dá nojo. Curiosamente, nenhum dos dois lados está correto. Se há uma expectativa por brigas, as brigas não são orgânicas, mas atos de uma ficção estrelada por pessoas que são tudo, menos reais. Por outro lado, a ideia de que 20 desconhecidos podem conviver dentro de uma casa sem nenhum tipo de conflito é igualmente falsa. Experimente viajar com um grupo bem menor de amigos para passar o final de ano em uma cidade litorânea. Sem prêmios e nem câmeras, não é uma questão de se, mas de quando alguém vai se estressar com uma pia cheia de louça, um tapete sujo de areia ou qualquer outra coisa que leve a uma briga.

O BBB 22 é sobre o direito de pobres lutarem para sair da pobreza

O primeiro eliminado do BBB 22 foi Luciano, um personagem pitoresco cujo único objetivo no programa era ser famoso. Luciano não agregava em nada, não tinha carisma e sequer será lembrado. Mas não passou sem ter seu sonho estapafúrdio desprezado e até mesmo ridicularizado por Scooby e Douglas, que já possuem a fama tão desejada por ele.

bbb 22 rodrigo — Rodrigo: agente do caos psicótico

Líder da segunda semana, Tiago deve indicar Rodrigo, outro péssimo jogador dessa edição, para o paredão. Sua justificativa, em resumo, é de que Rodrigo joga demais e, por isso, perde “outras coisas” que o programa oferece. Assim sendo, a parte rica do BBB 22 está, em certa medida, “criminalizando” a própria essência do programa: vencer e mudar de vida. São pessoas realizadas profissionalmente e bem resolvidas financeiramente, descaracterizando um programa em nome de uma experiência individual tão falsa quanto seu discurso acolhedor (Tiago não escolheu nenhum “pipoca” para o seu VIP, com regalias financeiras e alimentares). Em troca? Nada, pois nenhum deles se importa com ninguém além de si mesmos.

O BBB se encaixa perfeitamente no gênero documentário. Centenas de horas de conteúdo registradas diariamente ganham sentido na edição: vilões, mocinhos, antagonismos, paixões e tramas paralelas são organizadas para contar uma história que não existe “ao vivo”, mas explica um estado de coisas.

Tiago sabe disso. Ao insistir que essa edição é sobre conflitos internos, está tentando ditar os rumos do programa, dando um caminho para a edição que, se adotado, lhe favorece. Ao sequestrar a narrativa, impede que pessoas abaixo dele na escada social sequer almejem subir alguns degraus. Afinal, isso seria “nojento”.

Cabe ao público definir os rumos do BBB 22

Não podemos negar que Rodrigo é problemático. Passou a primeira semana quase inteira criando situações com minorias em busca de um confronto para poder se fazer de vítima da “militância raivosa”. Vive em estado de paranoia. É primordialmente chato na maior parte do tempo.

Mas nem sempre cabe aos heróis o ato heroico. Rodrigo é o oposto de Tiago: alguém que abertamente deseja vencer o programa pelo prêmio em dinheiro. Nesse sentido (e, pelo menos para mim, apenas nesse), representa melhor o público do que o seu nêmesis paz-amor-e-terapia.

Caso Rodrigo realmente vá ao paredão, cabe ao público decidir se quer assistir a um BBB 22 em que sonhar com fama e riqueza é crime ou não. Se realmente desaprendemos a sonhar, talvez Tiago tenha razão e esse seja o estado de coisas. Mas, se ainda achamos normal que pessoas surtem diante da possibilidade de ganhar um milhão e meio de reais, Rodrigo deve vencer Tiago. Não defendo que ele vença o programa. Apenas Tiago. O entretenimento agradeceria muito.

NOTA IMPORTANTE: esse texto foi fechado na manhã do dia 30 de janeiro e, dependendo do que acontecer nas próximas horas do BBB 22, pode envelhecer como vinho ou como leite. Não me responsabilizo por leituras tardias e me reservo ao direito de poder mudar radicalmente de opinião.