Elvis
Última atualização: 14/07/2022
Baz Luhrmann possui um estilo muito particular impresso nas imagens que produziu para o cinema e não poderia ser diferente em Elvis. A cinebiografia sobre o homem que ganhou o título de “Rei do Rock” chega aos cinemas apresentando uma narrativa sobre glória, fama, ascensão e queda de uma estrela moldada pelo star system musical.
Nos primeiros minutos de projeção, nos deparamos com a logo da Warner envolta em uma estrutura de jóias que se assemelham aos famosos figurinos de Elvis Presley no período em que ele se apresentava em Vegas. Em seguida, a voz em off de Tom Hanks, dando vida ao Coronel Parker, nos prepara para o que está vindo: a história de Presley contada do ponto de vista de seu empresário.
Daí em diante somos levados por 2h39 de projeção em que Baz conta uma história que, apesar de já ter sido contada outras vezes, ele transformou em um conto de fadas dos mais interessantes. Em outras palavras, o diretor sabe como usar do drama e da dualidade tradicional de mocinhos e vilões para entregar um bom filme.
You’re the devil in disguise
Um golpista, um ilusionista, um coronel sem títulos, entretanto um visionário sem receio de manipular quem fosse necessário em busca de sua ascensão financeira. Tom Parker, no filme, age como Rumpelstiltskin, mas para infelicidade de Presley, seu nome não é descoberto.
Sob camadas de maquiagem e um tom de voz anasalado e por vezes irritante, Tom Hanks incorpora o criador do mito. Parker não se furta de mostrar que só se importa com o lucro, pois desde o início se apresenta como um ilusionista. Isto é dito para Elvis e o jovem se ludibria com a simpatia do Coronel e acredita que poderá ser como ele um dia. Entretanto, o que a o filme e os fatos nos contam são como o rapaz é tratado como um produto desde a sua descoberta até alcançar e se fixar no lugar de grande estrela.
Da mesma maneira que Elvis, nos sentimos embriagados pela maneira que a direção brinca de polícia e bandido durante a construção da relação do par, até que ambos estejam presos em uma mesma teia de enganações e controle emocional e psicológico. Tal jogo é tão bem elaborado e, principalmente, contado ao ponto de estar sempre explícito quem é a figura vilanesca e, ainda assim, ele ser atraente em cena.
Burning love
Entre espiadas furtivas nos bares de blues e idas aos templos batistas, em algum lugar do êxtase provocado pelas melodias que passaram a fazer parte de seu cotidiano, o jovem Elvis Aaron foi arrebatado. Em transe, o garoto de Memphis, nos centros da glória divina, aceita sua missão. Baz mostra esta parte do destino de Presley ora em uma cena da primeira fase do personagem, ora ao ser ovacionado por seus fãs.
Criado em uma região periférica, Elvis cresceu em meio à cultura negra. Suas canções possuem características que mesclam o country com o blues e o gospel. Assim sendo, suas principais características derivam da formação que o artista teve em sua infância. Sem dúvida, o rock existe porque exite Elvis, mas não podemos esquecer que Elvis só existe porque existe a música negra.
Return to sender
Desse modo, a proximidade à estrela da comunidade afroamericana ao longo de várias passagens do filme. Elvis frequenta os clubes de black music para ouvir as canções, bem como os conselhos de nomes importantes do estilo, como B. B. King (Kelvin Harrisson Jr.), Sister Rosetta Tharpe (Yola Quartey) e Little Richard (Alton Mason). Num futuro, sua volta aos palcos influenciada pela frustração que sente ao lidar com a crescente violência representada pelos assassinatos de Martin Luther King e John F. Kennedy.
As relações do astro com a população negra também são apresentadas de outras maneiras. Ao longo do filme em ações do personagem, bem como em diálogos dele com outros as questões relacionadas ao período de segregação racial são expostos. Por exemplo, o incomodo dos censores com o rebolado de Elvis, suas relações de proximidade com pessoas negras que eram mal vistas, além de fatos históricos diretamente ligados a políticas e culturas segregacionistas
Baz também usa dessa proximidade com os ritmos negros com a finalidade de atrair a juventude. Acima de tudo, ao repetir o que sabe fazer de melhor na organização de sua trilha, que é misturar canções antigas e artistas contemporâneos. Desse modo, a trilha do filme conta com canções interpretadas por Austin – todas da fase jovem do cantor – e outras em que sua voz foi sobreposta à de Elvis – as da vida adulta. Além disso. outros interpretes estão presentes na trilha e nas canções presentes no filme.
It’s now or never
Luhrmann abusa dos efeitos visuais em uma montagem que mescla elementos de histórias em quadrinhos com publicidade para narrar o caminho de Elvis ao estrelato. O garoto que acreditava ter super poderes como Capitão Marvel (Shazam) corre em encontro à sua mudança de vida, do jovem tímido a uma estrela. Todos esses fatos montados como manchetes de jornais, registros jornalísticos e televisivos, ou mesmo a estética de videoclipes, recorrente em Moulin Rouge.
E assim, envolto na ilusão das mídias e do possível sucesso, o pobre garoto de Memphis tem chance de tirar a família da situação precária. Ainda que coadjuvantes, a relação familiar de Elvis com os pais, no primeiro terço do filme, aborda o que seria sua relação com a mãe. Seu pai e alguns outros familiares, mostrados por mais tempo, acabam se perdendo na trama. Passsam a ser citados vezes ou outras como exploradores, fazendo mais o papel de estorvos do que de pessoas importantes.
Mesmo com a entrada de Priscilla na vida de Elvis, tudo gira entre ele e Parker, pois o senhor possui voz ativa nas decisões que o artista toma. O showman consegue se sobrepor à maior parte das escolhas de Presley, até mesmo quando há um afastamento entre os dois.
Always on my mind
Na tentativa de retomar sua imagem após se casar e ser pai, o cantor buscou ajuda de outros produtores. É muito interessante entender que, em um dado momento, a rebeldia dele foi sobreposta pelas novas gerações de artistas. Da mesma forma, seu público também envelheceu e se tornou saudosista. Elvis tinha se tornado um adulto, mas não foi ensinado a ser assim.
Preso em sua idealização de vida perfeita que sempre foi, nada mais, nada menos, que os desejos de Coronel Tom, os últimos anos de Elvis são sem brilho, até mesmo para um filme de Baz. O ambiente se torna cada vez mais opressivo, o personagem mais letárgico e o mundo ao seu redor opaco. Mas não opaco por falta da luz das estrelas que ele alcançou, mas pelo excesso de holofotes dado a suas mudanças, bem como pelas paranoias adquiridas em um processo de depressão. Seus sonhos se realizaram, mas sem tomar a forma que ele queria. No fim, o garoto sonhador não se realizou como um super-herói.
Elvis exemplifica o custo da fama tão desejada e os meandros das relações empresariais entre uma pessoa leiga e um astucioso showman. No fim, alguém sempre vai se dar mal, porém não será o espectador, pois o filme vale cada minuto.
Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce, Jeremy Doner
Edição: Jonathan Redmond, Matt Villa
Fotografia: Mandy Walker
Design de Produção: Catherine Martin, Karen Murphy
Trilha Sonora: Elliott Wheeler
Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., David Wenham, Kodi Smit-McPhee, Dacre Montgomery, Yola Quartey
Que fantástica resenha e complemento do filme ,se eu já estava com vontade de assistir agora se intensificou mais , até por abordar fatos antes não analisados por mim ,sem dúvida ele foi e é um ícone do gênero musical que deixou um legado . Parabéns pela análise 👏👏👏 .
Muito obrigada, querida. Espero que t3nha se divertido assistindo ao filme. Abraços.