Entrevista | “Do Sul, a Vingança” leva o faroeste para o coração do Brasil

Estreou no dia 15 de maio de 2025 nos cinemas brasileiros o filme Do Sul, a Vingança, o primeiro longa de ficção totalmente produzido no Mato Grosso do Sul a chegar ao circuito comercial nacional. 

Com distribuição da Kolbe Arte, o longa já teve exibições em São Paulo, Rio de Janeiro, Campo Grande, Curitiba e outras cidades, marcando o cinema a história do cinema do Centro-Oeste. Dirigido por Fábio Flecha e roteirizado por ele em parceria com Edson Pipoca, o filme conquistou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Independente no Los Angeles Film Awards 2025 (LAFA) e segue circulando por festivais internacionais.

Em entrevista ao Longa História, Fábio Flecha compartilhou os bastidores da produção, falou sobre as dificuldades de realizar cinema fora do eixo Rio-São Paulo e refletiu sobre o valor da cultura local na construção de narrativas de alcance global.

Fábio Flecha, no lançamento do filme. Foto: Luiz Figueiredo

Cinema de fronteira: entre o mito e a realidade

O diretor e roteirista abre a entrevista contando que a ideia de Do Sul, a Vingança nasceu há 12 anos, a partir de um incômodo recorrente entre os sul-mato-grossenses: o apagamento do “Sul” no nome do estado. “Participar de um evento e ouvirem só ‘Mato Grosso’ sem o Sul é comum. Isso incomoda. Queríamos falar disso de forma debochada”, conta Flecha.

O projeto cresceu e se transformou em uma reflexão lúdica sobre a “mitologia de fronteira”, abordando o contrabando, o tráfico e os conflitos invisíveis da divisa entre Brasil, Paraguai e Bolívia. Apesar do tom cômico e do uso de elementos de ação, Flecha destaca que o filme carrega “grandes verdades sobre a fronteira”, ao mesmo tempo em que provoca o espectador com uma linguagem híbrida que mistura o faroeste, a telenovela e o cinema de autor.

Gravado inicialmente em 2018, o filme enfrentou entraves com mudanças de governo, falta de recursos e a pandemia. Somente em 2024 a produção foi retomada — com um novo olhar e um novo tratamento de roteiro que aproveitou parte do material anterior. “O filme conta uma história dentro de outra. Isso que parecia um problema virou uma vantagem”, explica o diretor. Com um orçamento modesto e parte do valor vindo do próprio bolso da equipe, a produção contou com apoio técnico e artístico local. Flecha ressalta que o que faltou em dinheiro foi compensado com dedicação:

“Fazer cinema no Brasil já é difícil. Fora dos grandes centros, é quase impossível. Mas o que a gente não tinha de orçamento, a gente tinha de vontade. Distribuidoras grandes não apostam em quem está longe. Muitas pedem R$ 400 mil ou mais só para colocar o filme no circuito. 

Mesmo com salas cheias e público interessado, o filme ainda enfrenta obstáculos para manter-se em cartaz. Em Belo Horizonte, por exemplo, o lançamento foi adiado por falta de espaço, disputado por produções de grandes estúdios.

Aposta no cinema de gênero com sotaque local

Flecha aponta que a aposta em um filme de gênero, ação e comédia,  foi estratégica para ganhar espaço fora do Brasil. “No Brasil, filmes de gênero quase não têm espaço nos festivais. Lá fora, tivemos reconhecimento imediato. Você faz um filme de gênero que o público reconhece, mas ambientado em um lugar que o mundo não conhece. Isso cria um filme global com identidade local”, define. Ao comentar o equilíbrio entre cenas caricatas e momentos dramáticos intensos, o diretor reconhece a influência de nomes como Robert Rodriguez, mas sublinha que a chave está na adaptação cultural:

Não dá para simplesmente copiar um gênero americano. A gente precisa traduzir isso para a nossa realidade. Quando você faz isso, o gênero ganha outra camada.”

Um dos exemplos mais comentados é a sequência do “vestido de sangue”, carregada de simbolismo. “Ela nasceu da ideia de mostrar como o poder e a violência andam juntos no submundo da fronteira. A cena parece deslocada do filme, mas funciona porque provoca.”

Ao final da entrevista, Flecha deixou uma mensagem importante para quem deseja fazer cinema longe dos centros consolidados: Não espere pela condição ideal. Faça. Aprenda várias funções técnicas, trabalhe em outros sets e, principalmente, invista no roteiro. Um bom roteiro resolve problemas de orçamento e pode ser escrito com pouco dinheiro, mas muito tempo e dedicação.”

Serviço: Onde assistir?

Do Sul, a Vingança segue em cartaz em sessões limitadas. Em São Paulo, está em exibição no Espaço Itaú Frei Caneca. No Rio de Janeiro, o filme pode ser visto no Parque Sulacap. Flecha avisa: os horários são difíceis, mas vale a pena conferir.

Acompanhe Longa História para mais entrevistas exclusivas e críticas aprofundadas. E se Do Sul, a Vingança estiver em cartaz na sua cidade, não perca!

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