Grande Sertão
Última atualização: 07/06/2024
Muitos talvez hoje não se recordam, mas a minissérie O Auto da Compadecida, do diretor Guel Arraes, não foi tão recebida na época como é hoje. À época, muitos diziam que a linguagem era muito próxima à da literatura e que não caberia em uma produção audiovisual. Fez escola. Agora chega aos cinemas Grande Sertão, adaptação do clássico literário de Guimarães Rosa, e novamente será por óbvio um filme divisivo.
Nada fora do esperado, uma vez que há aqui também outros elementos que tornam o projeto familiar à obra do diretor. Trata-se de uma obra prima da literatura brasileira, muito familiar por suas adaptações ao teatro e pela busca por tornar sua versão uma grande produção.
De fato, conhecidas pela linguagem poética de matizes regionais e com um texto rebuscado com altíssima qualidade gramatical, as obras de Rosa sempre foram tratadas como sendo de imensa dificuldade de tradução e adaptação. Difícil, claro, mas brilhante depois de compreendido. E é essa mesma sensação que temos com o filme.
Como acrescentar a um clássico?
Para levar toda essa complexidade ao cinema, Arraes arrisca e propõe uma nova complexidade, ao retirar o filme de sua lugar comum nos sertões de minas e lançá-lo sob um mundo sci-fi que bebe da fonte dos “favela movies” sem necessariamente se filiar a essa corrente cinematográfica.
Na trama, numa grande comunidade da periferia brasileira chamada “Grande Sertão”, a guerra entre policiais e bandidos revela os conflitos entre lealdade e traição, vida e morte, Deus e o diabo. Riobaldo entra para o crime por amor a Diadorim, um dos bandidos, mas nunca tem a coragem de revelar sua paixão.
Com as mudanças, Arraes e Jorge Furtado elaboram um roteiro que busca converter a guerra dos sertanejos, dos cangaceiros, contra os jagunços, em um conflito urbano, traçando um paralelo com a violência que atualmente ocorre nas grandes capitais metropolitanas do país. Mas mantém-se aqui o tom imaginário e fantástico de Rosa, mesmo que em meio a concreto e aço.
Um novo sertão, mas o mesmo sertão
Seja nos monólogos carregados do narrador Riobaldo, seja nas inúmeras menções ao diabo na trama, o protagonista vivido por Caio Blat é uma das melhores coisas de toda a obra. Com efeito, o ator, que já vive o personagem há anos no teatro, carrega com imensa naturalidade o peso da transformação que o personagem sofre com o tempo. Eduardo Sterblitch também surpreende como Hermógenes, o bandido que detesta a paz. Demonstrando novamente sua versatilidade, o ator oferece uma atuação impecável.
Contudo, é preciso dizer que mesmo que as atuações aqui sejam fantásticas, talvez sejam elas que causem o maior estranhamento. Muitos dirão que as falas gritadas não fazem parte da linguagem cinematográfica, ou que o exagero nas expressões remete também aos palcos. Estarão certos e errados ao mesmo tempo. Não há nada cravado em pedra que diga o que é cinema e o que é teatro em termos de linguagem.
Assim, Arraes, junto a todo o elenco, novamente torna tênues os limites dessas linguagens, construindo mais uma obra que deixa sua marca no cinema nacional. Se o tempo lhe fará jus novamente, é algo que temos que esperar para descobrir.
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, Jorge Furtado, Guimarães Rosa
Edição: Fábio Jordão
Fotografia: Gustavo Hadba
Trilha Sonora: Beto Villares
Elenco: Caio Blat, Luisa Arraes, Eduardo Sterblitch, Rodrigo Lombardi, Luís Miranda