Jogo do Poder
Última atualização: 12/08/2021
O cinema de Costa-Gavras sempre foi político e denunciativo. Assim, não poderia ser diferente em Jogo do Poder, filme de 2019 que estreia nos cinemas agora, em agosto de 2021. Baseado no livro de Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças da Grécia, a produção mostra os bastidores da crise financeira do país, especificamente as negociações durante a gestão de Yanis.
Costa-Gavras é, sobretudo, um bom contador de histórias. Em sua obra, o que encontramos ao longo dos anos são denúncias às ditaduras e aos sistemas de opressão. Analogamente, o cineasta também mexeu em vespeiros ao descortinar o que acontece por trás dos panos de organizações políticas ou, até mesmo, religiosas.
Marionetes do sistema político e capitalista
Em O Capital, penúltimo filme de Costa-Gavras, o protagonista é um homem que assume a presidência de um grande branco e se sente manipulado por seus colegas de trabalho. O título do filme é referência direta ao livro de Karl Marx, pois a proposta do diretor é entender o funcionamento do capitalismo a partir daquele estabelecimento.
De maneira idêntica, Jogo do Poder retrata seus protagonistas como peças nesse “jogo”, no qual qualquer pessoa que ocupar aqueles cargos serão marionetes orientadas pelo interesse alheio. O livro do economista Yannis Varoufakis se atém ao seu mandato, no ano de 2015.
Antes de tudo, é preciso saber que, naquele período, a população grega elegeu como primeiro-ministro o esquerdista Aléxis Tsípras como resposta à indignação com a dívida crescente do país. Dessa maneira, o premiê se deparou com um elefante branco aparentemente sem solução. O desmonte financeiro de anos foi provocado por empréstimos excessivos que levaram o fundo monetário grego a um déficit insolúvel.
Com o fim de minimizar os danos e fazer jus às promessas feitas para seus eleitores, Yannis é nomeado ministro das finanças. Dessa forma, ele passa a ser a ponte entre o governo grego, o FMI e a União Europeia. Não precisa saber muito da história por trás do filme para entender, em seus primeiros minutos, que tudo o que o ministro deseja implementar não dará certo.
O jogo do poder dos adultos e o herói frustrado
Como disse acima, Costa-Gavras é um grande contador de histórias. Em princípio, narra a ascensão do economista ao poder colocando-o em cena como um herói bom samaritano. Alguém que pode modificar o triste fim de um país que, seis anos após os fatos, ainda se encontra em crise financeira e humanitária.
Yannis é o herói e sua jornada possui o que é necessário para o público se identificar com ele. Por mais que pareça impossível um filme no qual o ministro das finanças seja o ‘bonzinho’, Costa-Gavras constrói muito bem o heroísmo desse homem. Ele é impetuoso, domina a retórica e enfrenta os donos do poder. É amigo fiel do primeiro-ministro, sempre se posicionando a seu favor e atendendo ao seu chamado. Diante de alguns conflitos, pensa em negar aquela posição, mas como em todo bom plot heróico, volta atrás.
Dessa maneira, o desbravador atravessa todo o percurso de adversidades, tem dúvidas, se frustra e para por aí. Como consequência de ser apenas mais um personagem em um jogo maior, não há recompensa, renascimento. Certamente, o elixir deve ter deixado o gosto de bile na garganta de Yannis até hoje.
Câmera-olho
O que Costa-Gavras coloca na tela é sua visão do cotidiano nos bastidores da política, daquele ano de 2015. Ele abusa dos close-ups no par primeiro-ministro e ministro, sobrepondo suas faces como se eles fossem apenas um nessa odisseia pela recuperação da nação. Há cenas em que eles estão próximos como um casal romântico, com seus corpos próximos em sinal de quem compartilha a vida e os ideais.
Por exemplo, as primeiras reuniões da equipe presidencial contam com todos os integrantes sentados em uma longa mesa retangular. Entretanto, o líder, que deveria ocupar a cabeceira, está em outra posição, demonstrando assim a tentativa de coletividade das decisões.
O movimento da câmera, ao seguir o protagonista, torna o espectador parte deste, como que moscas testemunhando decisões importantes. A trilha de Alexander Desplat complementa a ação em cena, proporcionando em alguns momentos um suspense crescente. O diretor escolhe narrar Jogo do Poder quase como um suspense que, ao fim, alcança o status de terror, principalmente no seu terço final.
A sequência em que Alexis (Alexandro Bordoumis) se encaminha para o encontro em que decidirá assinar ou não o acordo favorável às novas medidas de austeridade, inegavelmente, é o caminho percorrido pela vítima indo de encontro ao seu malfeitor.
Por fim, Costa-Gavras insere um balé claustrofóbico e manipulativo que coage e captura o primeiro-ministro. Assim sendo, uma vez nas mãos dos titeriteiros, não há saída.
Dinâmico e atraente, Jogo do Poder toca em uma ferida que também é nossa.
Direção: Costa-Gavras
Roteiro: Yannis Varoufakis, Costa-Gavras
Edição: Lambis Haralambidis
Fotografia: Giorgos Arvanitis
Design de Produção: Phillipe Chiffre, Spyros Laskaris
Trilha Sonora: Alexander Desplat
Elenco: Christos Loulis, Alexandros Bordoumis, Ulrich Tukur, Daan Schuurmans, Valeria Golino