Life: Um Retrato de James Dean
Última atualização: 12/03/2021
Life – Um Retrato de James Dean faz um relato meio ficcional, meio documental sobre alguns dias do ator precocemente falecido (Dane DeHaan) na companhia do fotógrafo Dennis Stock (Robert Pattinson). Cobre o intervalo entre o lançamento do filme Vidas Amargas e o início das filmagens de Juventude Transviada, em 1955. Na vida “real”, o resultado desse encontro é um maravilhoso acervo fotográfico que ganha ainda mais significado quando assistimos ao filme.
Na primeira metade da projeção, DeHaan apresenta James Dean como um pós-adolescente entediado e preguiçoso. É evidente o seu desprezo, tanto pelo mundo de glamour que o rodeava quanto pelas pessoas que viviam nele. Mas tudo muda no encontro com Stock, que manifestou o desejo de realizar um ensaio fotográfico sobre ele para a Revista Life. Os dias que passaram juntos executando esse trabalho dão espaço a DeHaan para oferecer, na segunda metade do filme, um outro James Dean.
O que se vê na tela é uma pessoa afeita a sentimentos pessoais ternos e verdadeiros e a práticas simples de vida, como família, ações conjuntas e rotinas cotidianas, por exemplo. Em qualquer escolha de imagens que eu faça para ilustrar aqui o ensaio de Stock, serei injusta. Algumas fotografias que incluí neste texto dizem respeito a momentos do filme que me tocaram especialmente. Mas recomendo fortemente ao leitor/leitora que presenteie a si mesmo(a) buscando na rede as muitas outras imagens que compõem o acervo do trabalho artístico de Stock.
A desconstrução de James Dean
Life defende que a produção das fotos guarda por trás de si uma história de encontro entre duas pessoas. Elas são bastante diferentes, mas cultivam em comum a preocupação em atribuir sentidos verdadeiros para a Arte. Ver um Dean humanizado e distante da figura de rebelde imaturo e incompreendido que o Cinema dos anos cinquenta vendeu é uma festa para os olhos e para o coração.
É importante pontuar a distinção temática entre os personagens Dean e Stock. Ela interfere de forma constitutiva nas escolhas de atuação de DeHaan e Pattinson. James Dean é uma pessoa para a qual o mundo teceu, ao longo das décadas, uma imagem precisamente contornada. Já que sobre o lendário ator quase tudo já se disse, as pessoas que se interessarem por sua história precisam apenas coletar informações na internet, sem precisar elaborar muito sobre elas.
Observando o trabalho de DeHaan, vemos o empenho em desconstruir essa forte imagem. DeHaan, de início, entrega o que esperamos ver, que é o rebelde desatento às determinações e ameaças do estúdio. Esforça-se um pouco para apagar as evidências de seu indisfarçável descaso com Hollywood e sua desobediência aos patrões.
Duas facetas de um mesmo personagem
Em companhia de Stock, e principalmente, numa visita à sua cidade natal no interior de Indiana, DeHaan passa a encarnar um outro James Dean. Vê-se ali um homem ainda machucado pela perda da mãe, e ansioso pelo carinho dos parentes ainda vivos, com quem é extremamente delicado e atencioso.
Vale, nesse sentido, notar que, em ambas as metades do filme, o personagem está se mostrando – na primeira parte, para o universo de vaidades de Hollywood, só encontrando alívio junto à namorada, e, na segunda, para a câmera de Dennis Stock. Mas, das duas personas que se colocam diante do nosso olhar e opinião, a que realmente cativa, pela autenticidade pessoal que emana, é aquela que as fotos de Stock eternizaram.
A atuação sofisticada de DeHaan nos oferece uma leitura de James Dean como uma pessoa finamente inteligente. Sabia administrar a própria imagem a fim de transformar seu desejo de ser ator em algo que não o fizesse ser processado na máquina de fabricar e moer pessoas que Hollywood pode ser.
A construção de Dennis Stock
Descrever a interpretação de DeHaan em Life é fundamental para compreender o trabalho maiúsculo de Robert Pattinson. Sua proposta foi a de conduzir o personagem Dennis Stock como uma pessoa num percurso contrário ao do James Dean de DeHaan. O filme retrata um Dean que vai desconstruir os estereótipos que a História definiu para o ator. Com isso, Pattinson enfrenta a tarefa de construir uma pessoa, já que sobre ela não há registros de grande destaque fora do universo da fotografia.
Esse trabalho é bastante desafiador, porque inclui a obrigação de fazer com que a figura de Stock se torne tão poderosa quanto a de Dean. Ora, o ator está no imaginário cinéfilo há décadas, e por isso poderia facilmente engolir a tudo e a todos mais que estivessem no filme. A mágica da atuação de Pattinson está numa escolha, que também é a do diretor Anton Corbijn – ele também um fotógrafo, portanto sabedor do que significa estar por trás dos holofotes. E a escolha é a de atribuir não pelo discurso, mas pelos gestos de atuação, uma rica história de vida ao fotógrafo Dennis Stock.
Pattinson confere a seu personagem uma complexidade pessoal análoga à de Dean. Além disso, justifica em plenitude o fato de Stock batalhar com determinação pela concordância do arredio ator em ser fotografado. Essa justificativa é importante porque, nessa batalha, o fotógrafo chega a abrir mão de oportunidades de trabalho interessantes. E ainda quebra a promessa feita ao filho de estar com ele por alguns dias após longa ausência.
Menos é mais
Reitero que não são as falas do personagem que configuram sua história para nós, porque Life a resume a duas ocasiões: casamento e filho antes dos vinte anos. A ferida existencial que compõe o arco do personagem se articula a seus atos para nos delinear com precisão que tipo de pessoa é Dennis Stock. Com isso, mostra por que ele merece ter sua história ligada à de uma figura gigante e icônica como Dean. Isso se manifesta quase exclusivamente no registro delicado, dolorido, mas contido, da atuação de Pattinson.
Por isso, ao ouvirmos de sua boca que insistiu em seguir Dean para atender aos próprios instintos, sabemos que essa razão não é suficiente. Há por trás dela um desejo de construir-se como artista. E, com isso, assim como o reconhecidamente talentoso ator, singularizar-se em algo que representasse criação verdadeira, representasse um fazer acontecer. O que Pattinson entrega de profundidade pessoal a Dennis Stock torna o personagem à altura de Dean, mesmo que este traga a carga histórica que já nos faz compreender sua grandeza antes mesmo de começarmos a assistir ao filme.
Como trazer para a frente das câmeras quem sempre esteve atrás delas
Pattinson deixa evidente que duas coisas fundamentais para Stock naquele momento eram reconhecer-se e ser reconhecido, sendo que uma coisa era intrinsecamente dependente da outra. A profunda angústia que sente em estar na casa da família de Dean e ver tudo aquilo que ainda não pôde ter nem oferecer se manifesta no expressivo rosto de Pattinson. Isso dá um novo sentido ao ato de fotografar seu objeto de criação. Ao capturá-lo em sua câmera, busca capturar um modo de construir uma pessoa que ele próprio deseja ser um dia. Não ser famoso, porque não é esse o caso, mas constituído, autoconfiante e pleno.
A riqueza existencial que Pattinson confere ao personagem o melhora, ratificando assim seu lugar de protagonismo em Life. Muito provavelmente, nas mãos de outro ator, esse personagem, como massa de modelagem, não teria a importância e complexidade que recebeu no filme. Um ator com menos recursos poderia não ter conferido ao personagem a memória sofrida, repleta de marcas de decisões equivocadas, que Pattinson nos leva a reconhecer com um olhar sempre melancólico, cansado e magoado, porém ansioso diante da oportunidade de se permitir uma segunda chance. Um ator com menos recursos transformaria Dennis Stock em mera escada para um momento-chave da história de James Dean.
A vida é um percurso
As atuações de Pattinson e de DeHaan são cruciais para estruturar o filme como a narrativa de duas vidas que estão seguindo num mesmo percurso mas em direções diferentes. Isso permite ser recortado o exato momento em que elas se encontram. Uma dessas vidas já está pronta e consagrada, sem preocupação com a opinião alheia. Mas se debate contra as consequências funestas que a fama e a louvação trazem.
A outra vida ainda está em construção. Busca o reconhecimento do mundo, mas também procura pelo próprio reconhecimento de si como uma pessoa cuja existência vale a pena, vale ser notada, e cujo trabalho vale ser elevado à condição de Arte.
A estrutura do filme se funda sobre duas vidas que em algum momento de seus trajetos se encontram – uma em desconstrução, outra em construção. Esse fato revela ainda a delicada, e talvez involuntária, polissemia do título em inglês. Life não é apenas a revista estadunidense que publicou as fotos de James Dean. Life (vida) é o grande percurso que permite a captura de duas pessoas num instantâneo que retrata o exato momento de seu encontro e reconhecimento.
O Cinema reconfigura e enriquece o “real”
Evidentemente, boa parte dessa precisão estrutural se deve ao roteirista Luke Davies, também responsável pela adaptação para Cinema de Lion: uma jornada para casa. E o mesmo se diz sobre a robusta atuação de Dane DeHaan como James Dean, que é o elemento a provocar o personagem Dennis Stock à autoavaliação.
Contudo, o trabalho cativante e emocionado que Robert Pattinson realiza na composição de seu personagem lhe confere uma verdade consistente. Constrói em nós uma crença no talento e na importância do trabalho de Dennis Stock. Passamos a torcer para que ele consiga encontrar-se como artista e pessoa, e tenha um futuro brilhante, o que de fato aconteceu.
Assista a Life clicando aqui.
Direção: Anton Corbijn
Roteiro: Luke Davies
Edição: Nick Fenton
Fotografia: Charlotte Bruus Christensen
Design de Produção: Anastasia Masaro
Trilha Sonora: Owen Pallett
Elenco: Robert Pattinson, Dane DeHaan, Lauren Gallagher, Alessandra Mastronardi & Peter Lucas