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Mank

Última atualização: 29/03/2021

Quando pensamos em Cidadão Kane, um nome vem à nossa mente: Orson Welles. E o que diz David Fincher em Mank? “OK, esse cara é importante e ninguém duvida disso. Mas vamos ver este outro cara aqui? Ele é importante também.”

O “outro cara”, Herman Mankiewicz, o “Mank”, é quem todos esquecem de citar quando falam de Cidadão Kane. Compreensível, posto que o diretor é universalmente visto como o “dono” de um filme. O roteirista é visto, principalmente, como o criador de um elemento de pré-produção que pode ser editado, refeito ou descartado pelo diretor. Em outras palavras, o próprio roteirista é descartável.

Mas aonde um diretor brilhante poderia chegar sem um roteiro à altura?

Mank é a história antes da história

É difícil dizer o ponto principal de um processo criativo, não só porque processos criativos envolvem muitas pessoas, mas também porque uma boa ideia pode inspirar uma ideia brilhante, muito mais atraente, mas que não existiria sem a ideia original.

Welles queria fazer um filme sobre William Randolph Hearst, magnata da comunicação com aspirações políticas. Não cabe neste texto fazer uma análise paralela do brilhantismo de Cidadão Kane. O filme tem esforços intencionais com o fim de transmitir a sua mensagem em praticadamento todos os quadros. Ele não seria exemplo nas faculdades de Cinema até hoje à toa.

Superando a discussão se Welles era genial (era), a pergunta que Fincher faz, ainda que de forma indireta, é: “Welles seria capaz de fazer Kane sem a colaboração de Mank?”

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Porque Mank (Gary Oldman) teve contato com Hearst (Charles Dance) e viu em primeira mão do que ele era capaz para atingir seus objetivos. Também foi um amigo/confidente de Marion Davies (Amanda Seyfried), esposa de Hearst que aparecia para o mundo um troféu, mas era muito mais astuta do que as pessoas lhe davam crédito. Foi testemunha do que a fusão mal intencionada de jornalismo e cinema pode fazer com a democracia.

Welles poderia ter o domínio da técnica para contar uma história, mas Mank tinha a história antes da história.

Histórias são círculos

Uma das melhores metáforas de Mank ocorre quando o protagonista diz que “histórias não são linhas retas buscando a saída mais próxima”. Elas são, contudo, “círculos, como uma rosquinha”.

O texto e a interpretação de Oldman são leves, mas a análise do conteúdo da cena traz um significado que se aplica à história de Cidadão Kane, Mank e da própria Civilização.

A ideia de história circular significa que, com o tempo, voltamos ao mesmo lugar. É um ciclo eterno, em que a jornada nos transforma, mas o caminho é sempre o mesmo. Repito: veja Cidadão Kane! Mas a saga do protagonista, como Mank escreveu, percorre um círculo perfeito, se encerrando onde começou. O mesmo acontece com Mank, que vê sua própria história se repetindo uma década depois.

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E acontece no mundo, que parece sempre querer repetir os velhos erros. Sem dar spoilers, deixo duas palavras para quem ainda não viu: fake news. Essa ideia de que o novo é uma repetição do velho fica mais forte com duas escolhas de David Fincher. A primeira é em rodar o filme em preto-e-branco, como era na época. A segunda é usar a proporção de tela 21:9, o ultra widescreen, atual e muito diferente das antigas telas 4:3.

Mank é a história fora da história

Há muito na produção de um filme que não se vê sentado no cinema. Temos a tendência de simplificar, juntando méritos em uma só pessoa e relegando outras ao ostracismo.

Mank é brilhante e ousado por buscar uma “reparação histórica” para esses profissionais. Seu quase anti-herói, interpretado por Oldman com uma verdade que salta aos olhos, cativa e deprime. Apesar de ser praticamente impossível encontrar a redenção, ele é, ao mesmo tempo, o condutor deste grande feito e um idealista. Talvez provavelmente por isso mesmo ele seja também uma figura que crie compaixão e admiração em igual medida.

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E tudo isso ganha uma camada extra de beleza e significado quando lemos o crédito de roteirista de Mank: Jack Fincher, pai de David, morto em 2003. Não sei vocês, mas eu tenho certeza que David não via seu pai como descartável.


Ficha Técnica
mank david fincher gary oldman
Mank (2020) – Estados Unidos
Direção: David Fincher
Roteiro: Jack Fincher
Edição: Kirk Baxter
Fotografia: Erik Messerschmidt
Design de Produção: Donald Graham Burt
Trilha Sonora: Trent Reznor & Atticus Ross
Elenco: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Tuppence Middleton, Monika Grossmann, Tom Pelphrey, Tom Burke & Charles Dance

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