megalopolis adam driver

Divulgação/IMDb

Megalopolis

Última atualização: 01/12/2024

Uma das lendas do cinema diz que nas primeiras exibições de A chegada do trem na estação (1896), dos Irmãos Lumiére, o público se assustou achando que seria atingido pela locomotiva projetada na tela. O cinema ainda era algo muito novo e as pessoas não estavam acostumadas a verem imagens em movimento, logo, essa foi a reação mais lógica que tiveram. Anos depois, com o cinema já estabelecido como indústria, com locais de crítica e discussão, era lançado Blade Runner – O Caçador de Androides (1982), de Ridley Scott.

A reação do público e dos críticos foi dividida, pois parecia que ambos não tinham entendido muito bem o que viam em tela. Atualmente, depois de um tempo de amadurecimento, o filme é reverenciado como um dos clássicos do cinema, principalmente da ficção científica. Foi uma sensação provavelmente parecida com esses dois exemplos que eu tive ao assistir Megalópolis (2024), de Francis Ford Coppola.

Megalopolis Clodio Shia

Dinheiro, poder e intrigas familiares

Na produção acompanhamos os conflitos de interesse dos poderosos e ambiciosos personagens de Nova Roma. O principal conflito ocorre entre o prefeito da cidade Cícero (Giancarlo Esposito) e o arquiteto Cesar Catilina (Adam Driver), que quer construir a cidade utópica de Megalopolis. No meio do conflito temos banqueiros, sobrinhos e filhos mimados esbanjando dinheiro dos parentes, jornalistas gananciosos e bilionários. Isso tudo, construído em cima de referências à Roma antiga, desde os nomes dos personagens até as locações e figurinos. Um dos personagens mais interessantes é Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), um riquinho que passou a vida inteira competindo com seu primo Cesar.

Como consequência, acontece uma busca para ser melhor que seu parente, o que faz Clodio se movimentar por diferentes caminhos. Dessa maneira, ele aproveita do fato de ter uma fortuna – e todas as vantagens que ele pode ter a seu favor -, bem como usar da política para agitar as massas. Isso é complementado pela própria figura do ator que, no mundo real, está sempre envolvido em polêmicas, assim como o personagem. Clodio é uma persona capaz de cometer as maiores trapaças para derrubar seu primo, com direito a um figurino que performa feminilidade (usando um vestido).

A coragem de realizar um sonho

Mas, o que gostaria de trazer para discussão é que, apesar de Megalopolis ser um filme imperfeito que, assim como Blade Runner deixou as pessoas divididas, Coppola traz ao cinema uma coisa que estava em falta há bastante tempo: coragem e a vontade de fazer algo diferente. Depois de 40 anos planejando seu lançamento, como o próprio diz em entrevistas, ele conseguiu lançar na tela grande, um filme tão ousado quanto esse. Coisa que outros cineastas como Martin Scorsese, tiveram dificuldade de fazer e culminou, por exemplo, no lançamento em streaming de O Irlandês (2019).

Megalopolis busca inovação na forma de contar a história, tanto no quesito de narrativa. Os diálogos remetem ao teatro, com citações de pensadores antigos, reforçadas por meio de recursos visuais. Vemos, por exemplo, grandes sombras refletidas em prédios retratando a evolução do macaco em homem ou estátuas que representam a justiça se movendo e saindo da sua pose imponente para uma de derrota, para refletir a falta de justiça em lugares mais pobres.

Coppola construiu um triplex na minha Megalopolis

Ao sair da sessão, que estava praticamente vazia, em conversava com alguns amigos por mensagens, imediamente fui questionado se tinha gostado ou não do filme. Não soube responder de imediato. Refletindo mais um pouco, acredito que Megalopolis não é um filme que se adeque a dualidade de ser definido por palavras como gostei ou não. Assim como a cidade utópica da produção, ele ainda se encontra em construção.

Entretanto, em tempos em que a indústria cinematográfica investe cada vez mais em produtos minimamente arriscados, fazendo mais do mesmo, Coppola quer fazer arte. Seu objetivo aqui parece ser fazer cinema experimental dentro da indústria Hollywoodiana. Coisa que somente um gigante como ele que tem O Poderoso Chefão (1972), A Conversação (1974), Apocalypse Now (1979) e diversos outros grandes títulos em seu currículo teria a chance de fazer.

Por isso, acredito que devemos olhar para a sua nova produção com um pouco mais de atenção e menos imediatismo, pelo bem do próprio cinema. Ademais, precisamos de mais ousadias do gênero que desafiem a ordem estabelecida, para nos lembrar que cinema é antes de qualquer coisa arte. E a arte e o artista, por sua vez, não devem se acomodar. Do contrário, estaremos apenas consumindo produtos enlatados, sem tesão e com o mesmo sabor diet.

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