Meu Nome É Greta
Última atualização: 09/08/2021
A imagem da criança isolada e frágil em um mar revolto que abre Meu Nome É Greta é, sem dúvida, um dos símbolos mais fortes de nosso tempo. Ela captura não só o estado de espírito da ativista ambiental sueca Greta Thunberg, mas também de toda uma geração à beira do colapso. Greta teve, assim como você e eu tivemos, o azar de viver em um mundo liderado por negacionistas truculentos no pior momento possível.
O que o diretor Nathan Grossman faz nos cem minutos seguintes é mostrar como uma criança, isolada e frágil, ouviu um chamado interno para fazer alguma coisa e decidiu ouvi-lo, apesar de ter apenas 15 anos, ser neurodiversa e, na prática, não poder mudar coisa nenhuma. Como a fama inspirou um movimento mundial mas, por outro lado, trouxe ódio e ameaças da extrema-direita. Ainda mais, Grossman mostra como o fardo é muito pesado para a jovem Greta e seu pai, mas eles o seguem carregando.
“Meu nome é Greta e eu tenho Asperger”
A Síndrome de Asperger é um transtorno de desenvolvimento que afeta a capacidade de socialização e de comunicação. Há um debate técnico sobre o nome ser ou não adequado, mas não quero falar dele. Se você é da área e não gosta do termo Asperger, me desculpe. A própria Greta se identifica assim e eu sou crítico de Arte, não psicoterapeuta.
No entanto, é impossível ignorar a neurodiversidade de Greta no desenrolar de sua vida. Uma das características que podem se manifestar em pessoas dentro do espectro do autismo é o hiperfoco. E Greta tem na questão ambiental o seu hiperfoco. Estudar sobre o tema é, ao mesmo tempo, a maneira como ela se tranquiliza, mas também a fonte de sua maior crise existencial. Se a Ciência demonstra como, sem mudanças imediatas, o mundo está condenado, por que não estamos fazendo nada?
Meu Nome É Greta conta a história de uma criança que decidiu fazer alguma coisa. E o que parece loucura para nós é óbvio para ela: seguir uma vida normal e torcer para o melhor acontecer, ainda que seja mais confortável, é inútil. E Greta, Asperger, só tem uma forma de lidar com o problema, que é lutar para resolvê-lo.
Se só isso já deixou você ansioso, espere. Piora.
Ativismo coerente e extrema-direita
Greta diz, quando perguntada sobre ir de barco para a Cúpula do Clima da ONU em Nova York, que a viagem demonstraria como ter uma vida neutra em emissões de carbono é praticamente impossível. Sua coerência entre discurso e rotina, que se manifesta, por exemplo, no uso de transportes coletivos e na dieta vegana, é desgastante. Quando recebeu o primeiro convite para palestrar na ONU, na Conferência do Clima de 2018, Greta voltou suas atenções para as aulas que iria perder, bem como para as despesas com hospedagem e quanto macarrão e feijão precisaria levar para passar os dias fora.
Em nenhum momento, vemos uma criança deslumbrada com o novo mundo se abrindo para ela, do mesmo modo que nenhum convite para conhecer cidades ou líderes mundiais (como o encontro com Emmanuel Macron) lhe traz prazer. Meu Nome É Greta mostra uma protagonista, pelo contrário, cada vez mais triste com a ausência de mudanças. O filme é muito eficiente para mostrar esse fardo lentamente arqueando as costas da jovem. Nos discursos, nos olhares, na relação com o pai.
É visível a crescente apreensão de Svante Thunberg, principalmente quando a segurança da filha fica em risco. Quando ele recebe instruções de um especialista em atendimentos de emergência, explicando como Svante deveria agir em caso de apedrejamento, facada ou parada cardíaca, foi quando parei para respirar e refletir sobre o que assistia.
Existe uma forçação de barra na grande imprensa, não só do Brasil, mas também do mundo, para falar em “radicalização” e “polarização”. Mas só um dos lados coloca a vida de crianças em risco. Só figuras como Trump e Bolsonaro inflamam seus seguidores contra elas. E são comentaristas de canais “conservadores” (puro suco de reacionarismo) que usam termos como “doente mental” e “merdinha” (!) para se referirem a uma criança.
Uma história com final aberto
Greta segue sua luta. Ainda faz greves todas as sextas para alertar sobre a emergência ambiental. Mas o mundo ainda não mudou, ao passo que líderes mundiais, no limite, fazem apenas promessas. No Brasil, o desmatamento, no momento em que escrevo este texto, segue batendo recordes históricos.
Mas sua luta também inspirou milhões pelo mundo, que agora lutam ao seu lado exigindo as mudanças que ainda não vieram. Isso é um final feliz? Triste? Na verdade, o final é aberto, pois ainda não acabou.
E Meu Nome É Greta, assim como sua protagonista, não nos permite sair desta história sentindo que tudo vai ficar bem, porque não vai. Mas pode ficar, desde que façamos alguma coisa. Depende de nós. O futuro é agora.
Meu Nome É Greta está disponível no Disney+.
Direção: Nathan Grossman
Roteiro: Hanna Lejonqvist, Per K. Kirkegaard
Edição: Charlotte Landelius, Hanna Lejonqvist
Fotografia: Nathan Grossman
Design de Produção: Rob Slychuk (diretor de arte)
Trilha Sonora: Jon Ekstrand, Rebekka Karijord
Elenco: Greta Thunberg, Svante Thunberg, Anuna De Wever, Emmanuel Macron, António Guterres, Arnold Schwarzenegger, Malena Ernman
Que legal! Vou assistir hoje! Parabpens pelo seu trabalho Gustavo.