Não Fale o Mal

O cinema é uma arte que nos possibilita contar diversas histórias de formas diferentes. Por isso, alguns realizadores também sentem vontade de adaptar trabalhos que já foram feitos anteriormente. Esse é o caso de Não Fale o Mal, de James Watkins. Isso sempre fez parte da arte, possibilitando nos mostrar pontos de vista diferentes. Mas pode também haver rumos diferentes, transformações de personagens, e por aí vai. Isso tudo me agrada, já que fazer um remake para contar a mesma história, com as mesmas resoluções, me soa desnecessário.

Mas é importante pontuar aqui que cada vez mais a indústria encomenda mais e mais remakes como produtos. Reconheço uma crise criativa que não me parece estar perto do fim. Em função disso, esses remakes estão cada vez mais precoces. Isso mostra que a indústria está desesperada por novas histórias, ou de novas formas de nos vender cinema. E, para a sorte de Hollywood, a nova versão de Não Fale o Mal traz coisas interessantes em sua linguagem.

Não Fale o Mal é uma refilmagem do filme dinamarquês/holandês homônimo. Uma família americana é convidada para passar o fim de semana na idílica propriedade rural de uma charmosa família britânica com quem fizeram amizade nas férias. Entretanto, o que começa como férias dos sonhos logo se transforma em um pesadelo psicótico.

Uma inversão sobre o filme original

É interessante como o filme começa com um plano dentro de um carro, cujo reflexo do retrovisor mostra o rosto de uma criança, enquanto o carro segue por uma estrada escura. Veremos esta criança, o pequeno Ant (Dan Hough), mais à frente, como filho de um casal britânico, Paddy (James McAvoy) e Clara (Aisling Franciosi). Ou seja, o filme já queria deixar clara essa informação, mas, antes de mostrar o casal, ele foca em Ant, salientando sua importância. Após isso, temos um corte e seguimos para outro plano, que mostra Agnes (Alix West Lefler), criando uma ligação de imediato entre ela e Ant, e consolidando assim que ambos são o principal interesse da câmera.

Não fale o mal

 

Também somos apresentados aos pais de Agnes, os americanos Louise (Mackenzie Davis) e Ben (Scoot McNairy). Imediatamente, nos vemos em uma dinâmica entre as duas famílias de férias na Itália, hospedadas na mesma pousada. O filme segue bem parecido com o original, sendo bem direto ao ponto, criando uma ligação divertida entre eles, mas sempre mostrando o pequeno Ant introspectivo, evitando olhar as pessoas nos olhos, e sem conseguir falar por conta de uma doença que impossibilitou o desenvolvimento de sua língua. Em certo momento, o filme até brinca com um casal de holandeses, que aparecem como chatos e evitáveis, referenciando, numa inversão, o casal do filme original, que aqui no remake são os britânicos.

Um ator que vale o filme

Mesmo fazendo essas referências e mostrando situações semelhantes ao seu irmão mais velho de 2022, Não Fale o Mal se destaca por ser menos dependente de situações convenientes do roteiro. Igualmente, depende menos ainda da estupidez dos personagens, que abusam disso na versão dinamarquesa. Dessa forma, é mais agradável acompanhar e se importar com os personagens parecendo pessoas de verdade, menos robotizados, mais ativos dentro da narrativa, tomando decisões mais condizentes com as situações. É um filme mais coerente com sua própria proposta, eu diria. 

O grande destaque desse filme é de longe a atuação de James McAvoy, que dá vida a um personagem absolutamente perturbado e amedrontador, empregando sua fisicalidade para se projetar na câmera, usando um olhar de um lunático medicado, até se entregar ao exagero no clímax. Mas não falo isso como algo negativo: acho que o exagero cabe bem, no que se refere à reação de Louise e Ben diante da situação. 

Não fale o mal

Não Fale o Mal não é um filme brilhante, longe disso. Mas é coerente com a sua própria estrutura e consegue ser mais palatável que o original. Do mesmo modo, não usa o choque gratuito como muleta, e investe muito mais em seus personagens. É aí que o filme encontra sua força. Até mesmo a resolução clichê dessa nova versão é menos boba. E, acima de tudo, vale muito por James McAvoy.


Ficha Técnica
Speak No Evil (2024) – Estados Unidos
Direção: James Watkins
Roteiro: James Watkins, Christian Tafdrup, Mads Tafdrup
Edição: Jon Harris
Fotografia: Tim Maurice-Jones
Design de Produção: Stuart Ewen
Trilha Sonora: Danny Bensi, Saunder Juriaans
Elenco: James McAvoy, Mackenzie Davis, Scoot McNairy, Aisling Franciosi, Dan Hough, Alix West Lefler

 

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