Nathan for You: o amor, a verdade e a mentira
AVISO: este texto é sobre o último episódio de Nathan for You, mas não tem spoilers. Como a série (infelizmente) é bem desconhecida, escrevo mais para convidar quem não a conhece mesmo.
Na imaginação, que só ela tem a força do mal, apenas a visão engrandecida e transformada: sob ela a verdade impassível.
Mente-se e cai-se na verdade.(Clarice Lispector – Perto do Coração Selvagem)
Em Nathan for You, acompanhamos Nathan Fielder, um rapaz formado em administração que oferece ideias peculiares a empreendedores em crise. Quando eu digo ideias peculiares, estou falando de, por exemplo, adicionar um novo sabor ao cardápio de uma iogurteria: cocô (isso mesmo, com o circunflexo no segundo o). Ou investir em um novo nicho para corretores imobiliários: casas livres de fantasmas. Os episódios seguem um formato de documentário no mesmo estilo de Borat, o que significa que todos que interagem com Nathan acreditam que ele é mesmo um consultor de negócios. A pretensão de Nathan for You, além de te fazer rir, é turvar as fronteiras entre realidade e ficção; ou entre verdade e mentira.
Isso é feito de uma forma tão eficiente que algumas piadas da série deixaram de ser piadas, viraram notícias. O caso da paródia da Starbucks é o mais célebre, mas talvez o mais engraçado seja o do vídeo de um porquinho salvando um bode. Forjado por Nathan para turbinar a propaganda de um Zoológico, o vídeo chegou a ser divulgado por uma página de esportes como um exemplo da salvação do Palmeiras (é, você leu mesmo essa frase). De qualquer forma, em quase todos os episódios há uma pessoa que conhece a verdade por trás da peça: o espectador. A série é uma comédia anunciada, e quem a assiste sabe que não deve levar as ideias de Nathan a sério. Entretanto, há uma exceção para essa regra. Ela está no no último episódio, que traduzo como Procurando Frances (do original: Finding Frances).
Procurando Frances
Procurando Frances é uma história de amor. O Romeu da narrativa é Bill Heath, um senhor de 78 anos que aparece em um episódio anterior como um imitador de Bill Gates. A sua Julieta se chama Frances Gaddy, mulher com quem ele se relacionou na juventude. Passados cinquenta anos desde o último encontro dos dois, a única pista que Bill tem é o sobrenome de solteira de Frances, nada mais. Para encerrar a série, Nathan decide direcionar os recursos da produção para a busca de Bill — mesmo sem saber se encontrará um desfecho.
Esse último episódio, além de ser o mais longo, é o único que se apresenta ao espectador como um documentário, e não uma comédia. Depois de trinta episódios blefando com os empreendedores, clientes e veículos de notícia que cruzam o seu caminho, Nathan estende a cortina para a audiência. Em Procurando Frances, o público finalmente consegue ver o Nathan Fielder que todos os que participam de Nathan for You veem. Um Nathan indecifrável,que faz com que seja impossível distinguir onde termina o personagem e onde começa a pessoa.
Procurando Nathan
Além de diretor e ator principal, Nathan Fielder é também o objeto de estudo da série. A trajetória que está por trás dos episódios é a busca de Nathan por pertencimento. A busca por amigos, uma namorada, um lugar no mundo. Neste vídeo, de 2006, vemos um Nathan tímido, desajeitado, que acha mais fácil falar com uma câmera que com uma pessoa. Ou seja: 7 anos antes do primeiro episódio da série, Nathan for You já se anunciava. Não posso dizer quanto há de atuação e quanto há da real personalidade de Nathan Fielder nesse vídeo (ou na série). Entretanto, uma coisa é certa. Se Nathan é um personagem, ele foi construído por muito tempo, e com muito cuidado. Se não fosse assim, a série jamais teria um último episódio tão eficiente.
Porque, é, Procurando Frances é uma história de amor. Mas o que não revelei antes, e agora entrego, é que há duas histórias. Além de Bill e Frances, Nathan e Maci. Maci é uma acompanhante de luxo, originalmente procurada por Nathan para se encontrar com Bill. No entanto, Nathan se afeiçoa a ela, e acompanhamos vários dos seus encontros. Com isso, surge uma questão: como saber se a afeição de Maci, paga por esse afeto, é genuína? Por outro lado, como saber se Nathan, comandando um reality show, está mesmo se apaixonando?
Essas questões, que parecem não ter resposta, talvez não tenham mesmo. E ainda trazem outras: como saber se qualquer amor é genuíno? Amar envolve uma boa dose de confiança, em vários sentidos. Entre eles, o de acreditar na verdade do amor. Digo mais: em Nathan for You, sabemos que assistimos a uma série, dentro de uma tela; uma peça desempenhada para a audiência. Mas o que acontece quando a cortina não é visível?
Procurando Você
Nathan for You representa o público por meio de duas categorias: a de quem assiste e a de quem participa das piadas. A diferença entre as duas categorias é que, enquanto a primeira sabe que se trata de uma comédia, a segunda acredita estar em um documentário. Mas, ao contrário de Borat, Nathan for You não ridiculariza os desconhecidos. A comédia da série não está em nenhuma pessoa, nem mesmo no próprio Nathan. Ela está no absurdo das situações que se desenrolam. Na verdade, não vou nem chamar de absurdo. Vou chamar de inadequação.
Essa inadequação, característica definidora do Nathan de 2006 e do Nathan da série, é o alvo da piada. E é, também, a forma que Nathan encontrou de se encaixar. Porque, veja só, quando ele consegue incluir um ‘sabor cocô’ em uma lista de iogurtes, é porque essa ideia foi aceita. Nathan for You mostra que até a ideia mais bizarra pode ser aceita, e pela pessoa mais comum. Por mais que a inadequação esteja explícita no personagem de Nathan, a série mostra que ela é, em graus diferentes, onipresente. Quando os donos de negócios aceitam executar as ideias mais bizarras, eles estão aceitando sair da normalidade. Estão aceitando sair de um lugar de conforto e ir para um lugar distinto, pautado por uma coisa estranha, exótica, que não conhece regras. Vou chamar essa coisa de imaginação.
A Procura
No fim das contas, a distinção entre realidade e fantasia não é lá tão importante. Na verdade, dá até para discutir se ela existe mesmo. Sei que isso pode parecer um pouco anticlímatico, depois do tom investigativo deste texto. Mas, assim é a vida; e essa é outra das lições de Nathan for You. Nem sempre as coisas se concluem, nem sempre existe um clímax. E, por mais que você escolha interpretar Nathan Fielder como cem por cento personagem, ou cem por cento pessoa, o episódio Procurando Frances será sempre o mesmo. Com o mesmo desfecho.
Não se preocupe, não vou revelar o final. Primeiro, porque minha maior intenção com este texto é que você procure a série (por enquanto, ela só está no canal do Comedy Central, e infelizmente só em inglês). Segundo, porque… O final é difícil de revelar. Nathan for You é uma série difícil de definir, difícil de colocar em uma caixa. Porque ela é pautada pela imaginação do seu protagonista, diretor e objeto de estudo. É a imaginação de Nathan que dá forma à série. Suas ideias são colocadas em prática; o imaginado se torna real. O bizarro, o absurdo, o estranho, tudo isso acontece. Eu não sei te dizer se o amor entre Bill e Frances, ou Nathan e Maci, foi real. Não sei nem se Nathan Fielder é mesmo tão inadequado. Mas, uma coisa eu sei. Mente-se, e cai-se na verdade.
Direção: Nathan Fielder
Roteiro: Nathan Fielder & Michael Koman
Edição: Andrew Fitzgerald, Adam Locke-Norton & Eric Notarnicola
Fotografia: Marco Cordero
Design de Produção: Rosie Sanders
Trilha Sonora: Marchese Taylor
Elenco: Nathan Fielder, William Heath, Cornelius Ladd, June Coniff, Richard Ledbetter & Mary Hollis Inboden
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