O Lodo
Última atualização: 29/10/2023
Certamente, Helvécio Ratton é um dos cineastas brasileiros que mais busca experimentar em seu cinema, e O Lodo é mais uma prova disso. Quando se fala do diretor, irremediavelmente pensamos em Batismo de Sangue, e essa memória de um verdadeiro clássico do nosso cinema juntamente ao próprio desconhecimento da diversidade da produção nacional, nos leva a imaginar uma carreira estática. Longe disso, temos aqui um diretor que avança sobre diversos temas e formas de linguagem e que possui uma gama sofisticada de referências.
A boa construção simbólica da trama em O Lodo
A história acompanha Manfredo, um homem comum, funcionário de uma empresa de seguros, se sente deprimido e procura um psiquiatra, o Dr. Pink. O médico afirma que ele tem um verdadeiro lodaçal dentro de si e procura saber de seu passado para tratá-lo, mas há algo que Manfredo não deseja revelar e ele abandona o tratamento. Dr. Pink passa então a persegui-lo e a vida de Manfredo se transforma num verdadeiro inferno.
Desde o início do filme, é possível perceber os caminhos que Ratton e Lauro Escorel (o responsável pela fotografia) desejam trilhar. Assim sendo, produção cinematográfica é feita com muito capricho, longe da estética incidental e crua que poderia até se justificar pelo espírito da história. Na tela, tudo é muito bem pensado e filmado com cuidado, para que o texto se destaque em sua estranheza.
Baseada em um conto do escritor mineiro Murilo Rubião, o que temos aqui é um material base que é um expoente do realismo fantástico, repleto de cinismo e dubiedade, ou seja, perfeito para nossos tempos.
Como ocorre em todo filme com temas surrealistas, há muitos símbolos durante a história, mas aquela que se destaca é uma escultura no escritório do psiquiatra. As feridas que aparecem de repente nos mamilos de Manfredo podem ser uma maneira incomum de seu corpo expressar algo que ele não quer lidar ou superar.
Menos na forma, mais no conteúdo
Toda essa estrutura não aparece por acaso aqui. As estranhezas e a tensão que o filme escala vão, além das referências óbvias à escrita de Rubião, resvalar em sua referência. O mundo comum que descamba para algo insólito nos remete muito à Kafka. Freud aparece aqui e ali, hora como um objeto de respaldo para os comentários sobre psiquiatria e ora como uma crítica a patologização da mente.
O poster nos leva a pensar em body horror e o trailer, num thriller psicológico. O filme nos mostra que há um pouco de ambos e também uma grande abertura para a interpretação do expectador. Em suma, um filme rico, no fim da sessão, capaz de despertar sensações e instigar a mente cinéfila.
Direção: Helvécio Ratton
Roteiro: Helvécio Ratton e L.G. Bayão. Adaptação livre do conto “O Lodo”, de Murilo Rubião
Edição: Mair Tavares
Fotografia: Lauro Escorel
Design de Produção: Adrian Cooper
Trilha Sonora: Paulo Santos
Elenco: Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Teuda Bara, Renato Parara, Rodolfo Vaz, Fernanda Vianna, Maria Clara Strambi, Cláudio Márcio