o menu 2022

‘O Menu’: nossa dignidade é o prato do dia

Última atualização: 11/06/2023

Enquanto (re)via O Menu noite passada, me veio à memória uma frase de Marco Pierre White, chef mais jovem a ganhar – e devolver – as três estrelas do Guia Michelin.

Uma vez que você aceita estar sendo julgado por pessoas que têm menos conhecimento do que você, qual o propósito de tudo isso?

Se essa frase soa arrogante para você, eu o invejo. Isso porque muito provavelmente você não trabalha no setor de serviços e, como resultado, não precisa lidar diretamente com clientes. Clientes que, via de regra, não sabem do que estão falando. Porém, são seus “donos”. Afinal, “estão pagando”.

É a resposta para esse sentimento de “qual o propósito?” que, fundamentalmente, leva o chef Julian Slowik (Ralph Fiennes, em uma das melhores atuações faciais que vi recentemente) à elaboração do menu que dá nome ao filme. Não há propósito. Porque também não há relações. Clientes não conseguem apreciar as sutilezas que tornam o seu trabalho único. Críticos, que teriam essa capacidade, preferem usar suas colunas de 500 palavras para destacar o 0,01 perdido em uma experiência nota 9,99. Para o profissional, resta o ofício em si. Porém, não importa como ele é feito, pois chegará a ouvidos surdos, ignorantes e insensíveis, mais preocupados com o status que a experiência traz do que com a experiência em si.

o menu 2022 ralph fiennes

Repetida diariamente, esta dinâmica faz aquela que um dia foi sua paixão se tornar sua prisão. É o Mito de Sísifo moderno: por mais que levemos nossas “pedras” ao topo da montanha, elas amanhecerão ao nível do mar no dia seguinte.

A melhor escolha narrativa de O Menu

Estou tentando ao máximo não dar spoilers do filme, pois ele já se encontra disponível no streaming. Porém, há uma pequena revelação sobre a trama que merece nota aqui. Ela não estragará sua experiência ao ver o filme, pode continuar a leitura sem medo.

Completamente focado em oferecer uma obra-prima em seu menu, Slowik tenta, ao longo do filme, encaixar Margot (Anya Taylor-Joy) em um papel, sem saber se ela é uma das que “dá” ou das que “toma”. Em uma conversa a sós em seu escritório, Slowik corta a fachada de Margot como faca quente na manteiga para dizer que não foi difícil identificá-la como “uma colega prestadora de serviços”.

o menu 2022 ralph fiennes anya taylor-joy

Acompanhante de luxo, Margot representa mais do que o olhar do espectador dentro da história. Sua profissão, conhecida como “a mais antiga do mundo”, está precisamente na zona cinzenta entre os que dão e os que tomam (sem trocadilhos).

Ao mesmo tempo em que depende das relações superficiais para viver, Margot oferece a relação íntima definitiva. A prostituição, que pode ser lida como “sexo por dinheiro”, também é “carinho e atenção por demanda”. Muitas pessoas procuram em uma acompanhante um par de ouvidos que ouçam os mais desesperados apelos de suas almas. A grande ironia está no fato destes ouvidos somente estarem disponíveis mediante pagamento, assim como uma experiência gastronômica (seja ela tão extrema quanto possível, como Slowik deixa claro antes de servir a sobremesa) tem uma conta a ser paga no final do serviço.

Há salvação para nós?

Contudo, o grande questionamento é este: mesmo que totalmente baseadas no dinheiro e potencialmente superficiais, tais relações são, de fato, superficiais?

A resposta, apesar de decepcionante, é honesta: pode ser que sim, mas não necessariamente. E é exatamente esta dinâmica ambígua a responsável por selar o destino de Margot. Quando ilusão e realidade estão próximas demais para que sejamos capazes, sem dúvida, de afirmar qual é qual, cabe a nós a decisão. É um ato de fé. Ainda melhor: de restauração (ou completa destruição) da fé.

o menu 2022 anya taylor-joy

Ao início de cada dia, nossa pedra voltará ao pé da montanha. E decidir se vamos erguê-la novamente ou jogar uma bomba atômica na montanha é a difícil decisão que precisamos tomar, de novo e mais uma vez.


Ficha Técnica
o menu 2022 poster
The Menu (2022) – Estados Unidos
Direção: Mark Mylod
Roteiro: Seth Reiss & Will Tracy
Edição: Christopher Tellefsen
Fotografia: Peter Deming
Design de Produção: Ethan Tobman
Trilha Sonora: Colin Stetson
Elenco: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Hong Chau

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