‘O Som do Silêncio’ e o som do metal
Última atualização: 03/04/2021
Na verdade, o título original desse indicado ao Oscar não se traduz como O Som do Silêncio. O original é Sound of Metal, que significa Som do Metal. Pode ser que o “metal” do título original se refira ao gênero da música tocada pelo protagonista. Ou, sei lá, pode ser que o “metal” seja o material mesmo, especialmente o que compõe a bateria (de novo, tocada pelo protagonista). Seja qual for a interpretação que você escolha, é certo que “metal” e “silêncio” são coisas bem diferentes. E explorar essas diferenças pode nos ensinar uma coisinha ou outra sobre o filme de Darius Marder. Vamos, então, discutir essas palavras. Primeiro, o silêncio.
O Som do Silêncio: a música
O Som do Silêncio é também o título de uma música de Simon & Garfunkel. Desta vez, o título em português corresponde exatamente ao original: The Sound of Silence. É uma tradução perfeita, com artigo e tudo. Menos perfeita (se é que perfeição é um conceito que admita menos) é qualquer tradução da música em si, que tem seu ritmo, sua musicalidade e suas palavras ligadas à língua em que ela foi criada: o inglês.
Se não dá para fazer uma tradução exata, dá pelo menos para trazer uma interpretação; uma, dentre várias possíveis, que não se anulam. Simon & Garfunkel cantam sob a perspectiva de alguém que, após uma espécie de epifânia (Because a vision softly creeping / Left its seeds while I was sleeping), passa a enxergar o mundo de uma forma diferente. Aliás, não o mundo, ele é muito vasto; a comunicação.
A letra fala sobre as dificuldades de comunicação (People talking without speaking, People hearing without listening), a solidão (In restless dreams I walked alone / Narrow streets of cobblestone) e, mais que qualquer coisa, sobre o silêncio (But my words like silent raindrops fell / And echoed in the wells of silence). Pelo último trecho reproduzido, dá para perceber que os cantores consideram que o silêncio é o destino das palavras. Ou, melhor dizendo, o destino das palavras não ouvidas. Mas, por mais bonita que a música seja, talvez uma canção não seja a melhor forma de falar do silêncio. Talvez, e só talvez, o filme tenha sido mais preciso.
O Som do Silêncio: o filme
Em uma entrevista, Riz Ahmed (ator que interpreta Ruben, o protagonista do filme) explicou que um dos própositos do filme é “apresentar a surdez como uma cultura, uma comunidade, e não uma deficiência“. Falar de uma coisa como uma “deficiência” significa definir essa coisa pela falta, pela ausência. Por outro lado, falar de cultura ou de comunidade significa exatamente o oposto: definir um movimento pelas coisas que ele tem; pelas características que estão presentes.
A palavra “silêncio” pode ser entendida como algo que não é ouvido. Na música de Simon & Garfunkel, vimos que o silêncio é o destino das palavras ignoradas. Das palavras que deveriam ser ouvidas, mas não são. É uma palavra que, por si só, indica ausência: de barulho, de música, de comunicação. O silêncio está ligado ao sentido da audição, que, na surdez, seria justamente a deficiência. Mas não é. Porque há outra forma de olhar para a surdez.
Pela perspectiva do metal. Metal é uma palavra com textura. Pensamos em um material frio, rígido, que pode até levar um soco, mas vai fazer doer a mão de quem tiver essa coragem. Se o silêncio mora na audição, não tenho dúvidas de que o metal mora no tato. E essa mudança de perspectiva, da audição para o tato, diz muito sobre o filme O Som do Silêncio, que deveria se traduzir como O Som do Metal. Um título fiel ao original e ao seu propósito.
O Som do Metal
Porque O Som do Metal não é sobre a surdez como uma ausência, um som que não se ouve. Ele é sobre a surdez da presença, do tato, da comunicação gestual, da linguagem. O foco não está no que falta (a dita deficiênica), mas no que está presente (a comunidade). Não se preocupe, não vou estragar a sua experiência contando o final do filme. Mas vou dizer que, se você assistir à obra com essa perspectiva em mente, vai achar o final um pouco mais libertador. Porque é esta a trajetória de Ruben: migrar da ausência para a presença.
Para Simon & Garfunkel, o silêncio é um poço que abriga as palavras que deveriam ser ouvidas, mas não são. Não digo com isso que os cantores enxergam o silêncio como algo ruim; não é bem assim. É só que, na música, o silêncio deveria ser ouvido, mas não é. Em outras palavras, ele deveria deixar de ser silêncio. Para Ruben, a coisa é muito diferente. Porque, para ele, não se trata de ouvir o silêncio. Se trata, na verdade, de aceitá-lo. De entender que o silêncio não é necessariamente uma ausência, uma falta de som. Entender que há presença no silêncio. E há, também, libertação.
Direção: Darius Marder
Roteiro: Darius & Abraham Marder
Edição: Mikkel E.G. Nielsen
Fotografia: Daniel Bouquet
Design de Produção: Jeremy Woodward
Trilha Sonora: Nicolas Becker & Abraham Marder
Elenco: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Lauren Ridloff, Mathieu Amalric, Domenico Toledo