O Telefone Preto
Última atualização: 21/07/2022
Baseado em conto do John Hill, O Telefone Preto pode ser classificado com um filme ‘redondinho’. Sem pontas soltas, a produção dirigida por Scott Derrickson e estrelada por Ethan Hawke possui em sua estrutura o que há de melhor no cinema de gênero.
A história se passa no fim da década de 1970, em uma pacata cidade americana. Nela, Finney (Mason Thales), um garoto de 13 anos, é abduzido por um sequestrador em série (Hawke) e mantido em cativeiro. Entretanto, o jovem não é a primeira vítima, logo por entender que seu futuro pode ser semelhante ao das outras crianças desaparecidas, percebe que precisa tentar fugir daquele lugar.
Violências nos ambientes de segurança
“Quem herda, não furta”, diz o ditado popular, e Joe Hill vem nos provar que a frase está correta. O autor, filho do também escritor Stephen King, assina o conto que serviu de base para o filme. Como em algumas obras de seu pai, a história se passa em um bairro de uma típica cidade estadunidense. Envolvendo crianças, seu cotidiano escolar e familiar, Hill transita por questões que são recorrentes nos textos de seu pai, como o bullying.
Finney é o saco de pancadas da escola. Desde o início do filme, vemos como ele é perseguido, acuado e espancado por colegas de classe. Em contrapartida, seu melhor amigo Robin (Miguel Cazarez Mora) possui a ação que Finn não tem. Diante do ataque – ataque este que inclui ofensas xenofóbicas, pois Robin tem origem mexicana – Robin contra-ataca com a maior intensidade. Dessa maneira, não vemos no filme uma tentativa de esconder o ambiente violento que está atrás de cada parede ou das esquinas daquela cidade.
Por exemplo, na casa do protagonista, há uma relação complicada na qual os papeis do pai e do filho e filha funcionam de maneira invertida. O senhor Shaw (Jeremy Davies) é um viúvo, veterano de guerra, alcoolista e violento. São os filhos que cuidam do pai e de si, pois na dinâmica familiar não existem adultos ativos.
Fantasmas reais em O Telefone Preto
Essa estrutura familiar, somada ao período em que o filme é ambientado, me fez pensar nas reclamações constantes do público de Stranger Things, que acha absurdo as crianças da série saírem de casa sem avisar aos pais ou darem notícias. Ao ver tais reclamações, só penso nas dinâmicas familiares presentes em favelas, periferias, cidades urbanas descentralizadas das regiões de capital ou cidades rurais, em que há tanto a liberdade de se circular com certa tranquilidade, quanto o efeito direto de quadros culturais ou sociais impactando a criação das crianças. Pais e mães com rotina de trabalho que tomam muito tempo e os distanciam de casa por muito tempo, bem como a falta de acesso à educação integral, entre outras situações, acabam sendo desconsideradas ao buscar entender o motivo de tal escolha do roteiro.
Enfim, após a digressão acima, para mim faz sentido um filme de gênero, bem como a literatura, mesclar temores reais aos sobrenaturais como O Telefone Preto faz.
Construção gradativa da tensão
Antes de escrever esta crítica, li e ouvi por alto inúmeros comentários tanto elogiando quanto reclamando da produção. Os que elogiavam, em sua maior parte, apontavam que o filme era bem construído e até elegante. Já os que reclamavam diziam que ele era muito simples, que a audiência que gostou estava emocionada e até mesmo que o filme não apresentava nada de interessante.
Por coincidência, neste fim de semana revi a franquia Pânico e me deparei com uma fala do personagem Randy Meeks (Jamie Kennedy), no segundo filme, em que diz que um filme de terror pode cometer um erro ao conter muitos elementos na tentativa de criar a tensão. Pois bem, O Telefone Preto alcança o que a de melhor justamente nesta simplicidade.
Uma vez que não existe a intenção de plots mirabolantes, com jumpscares bem situados, misturando o real e o sobrenatural caminhando em uma mesma direção, Scott Derrickson oferece terror de qualidade a partir da simplicidade.
Em meio a conceitos como o de pós-horror, aos filmes de horror elevado que parecem estar reinventando a roda, Telefone é um respiro, sobretudo ao demonstar que uma linha de tempo tradicional, reviravoltas previsíveis e tensão em escala crescente podem ser elementos tão apetitosos quanto o tradicional arroz, feijão e bife para saciar que precisa nutrir seu prazer pelo medo, quando a pessoa que tem a criação em mãos sabe adicionar os temperos corretos.
Sobre uma possível sequência de O Telefone Preto
Deste ponto em diante o texto contém spoilers. Scott Derrickson disse que tem planos pra uma sequencia de Telefone. Ao fim do filme, e tudo se completa tão bem que percebo que só resta uma opção de argumento pra uma sequência, uma prequela sobre a origem do vilão. Digo isso porque temos algumas pistas deixadas ao longo da trama.
Uma delas, por exemplo, está quando o Sequestrador diz ao garoto que o telefone toca desde que ele é criança, mas não funciona. Em seguida Mason percebe que o telefone está com o fio cortado. Entretanto, ao atendê-lo, ouve de um dos fantasmas que o homem também ouve o toque, mas prefere não acreditar nele.
Outra pista que pode vir a ser desenvolvida é a personalidade do criminoso, que se altera de acordo com a máscara que ele usa. O fato dela ser inteira, ou usada pela metade, ou até mesmo qual metade está sendo usada afetam a forma de falar e de se posicionar do homem. Seriam esse traços de situações que ele viveu ou presenciou naquele porão e naquela casa quando mais jovem?
Assim sendo, aguardarei uma possível sequência. Provavelmente vítima de abuso, atormentado pelo telefone e quem sabe a descoberta de esqueletos de outras crianças enterrados anos antes. Não posso afirmar que não vou gostar, afinal isto é apenas uma suposição. Mas, parafraseando novamente Randy Meeks, de Pânico, sequências e filmes que justificam o mal costumam não ser tão interessantes assim.
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Joe Hill, Scott Derrickson, C. Robert Cargill
Edição: Frédéric Thoraval
Fotografia: Brett Jutkiewicz
Design de Produção: Patti Podesta
Trilha Sonora: Mark Korven
Elenco: Mason Thames, Madeleine McGraw, Ethan Hawke, Jeremy Davies, E. Roger Mitchell, Troy Rudeseal, James Ransone, Miguel Cazarez Mora
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