Pequenas Coisas como Estas
Por Cleiton Lopes
Última atualização: 12/03/2025
Apesar de muitos anos de pensamento filosófico, revoltas sociais e reflexão crítica, a sociedade ainda funciona presa a certas estruturas e instituições. Uma delas é a religião, que, mesmo de forma indireta, continua a ditar normas sociais. Em “Pequenas Coisas Como Estas” (2024), de Tim Mielants, vemos a teia que subjaz a essas normas se desenrolar através da perspectiva de um homem observador.
A história se passa em 1985, em uma pequena cidade irlandesa dominada pela Igreja Católica. Nas vésperas do Natal, o vendedor de carvão Bill Furlong (Cillian Murphy), durante uma de suas entregas, encontra uma mulher trancada no depósito de carvão. Ela está sendo punida pela instituição Lavanderia Madalena, um lugar onde a igreja aprisionava mulheres consideradas “fora do padrão”. Por consequência, a partir desse encontro, Bill começa a questionar os limites da instituição e onde está a humanidade de suas ações.
“Pequenas Coisas Como Estas” é sobre uma mente detalhista
“Pequenas Coisas Como Estas” é o típico filme em que aparentemente nada acontece, mas, ao mesmo tempo, tudo acontece. Assim, a cidade, vista pelos olhos de Bill, demonstra estranhos sinais de falta de humanidade, que passam despercebidos pelos demais. Nesse sentido, aos poucos, entendemos que a perspectiva singular do protagonista está ligada a eventos do seu passado. Apenas alguém que vivenciou atrocidades e traumas seria capaz de identificar algo semelhante.
Além disso, esses problemas estão intrinsecamente ligados à igreja, que exerce forte influência na comunidade local. Mesmo aqueles que percebem a situação preferem manter-se discretos e seguir com suas vidas. Afinal, a instituição está presente em diversas esferas da sociedade, incluindo a educação de crianças e jovens.
As expressões de Cillian Murphy se adequam perfeitamente ao papel. Embora não sejam extraordinárias, suas nuances de incredulidade e reflexão se encaixam muito bem às necessidades do personagem. Primordialmente, ele é alguém que percebe as coisas erradas ao seu redor e enfrenta o dilema de agir ou não, sabendo que isso pode afetar fortemente sua vida e a de seus familiares.
Em “Pequenas Coisas Como Estas”, grandes atores se antagonizam
Emily Watson, como a freira Mary, seu contraponto, também foi uma excelente escolha. Por exemplo, suas expressões severas são ideais para o papel da coordenadora da Lavanderia. Ela é a personagem que lida com as situações do local com mãos de ferro. Em contrapartida, ela consegue ser amável quando se dirige à comunidade em eventos públicos. Com efeito, sua atuação e personagem lembram bastante a da série Duna: A Profecia, em que ela também é uma das líderes de uma irmandade de mulheres, as Bene Gesserit.
E, falando em séries, o diretor Tim Mielants também dirigiu alguns episódios de Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalhas, uma das produções que tornou Cillian Murphy conhecido pelo grande público como Thomas Shelby.
O foco absoluto em Cillian Murphy
“Pequenas Coisas Como Estas” se concentra na perspectiva de Bill Furlong e, consequentemente, na atuação do vencedor do Oscar Cillian Murphy. Isso torna o filme pouco didático. Por exemplo, seu ritmo é lento, e o espectador precisa conectar sozinho os eventos do presente com o passado do protagonista. Em diversos momentos, essas conexões não são claras, o que pode cansar o espectador. A proposta de ser “um filme onde nada acontece, mas tudo acontece” pode se transformar em monotonia e gerar desinteresse.
É sempre bem-vinda a proposta de uma produção que estimule o espectador a pensar por si mesmo, que não subestime sua inteligência. Mas, para funcionar efetivamente, precisa fornecer algumas pistas para tornar a experiência mais interessante e fluida. Uma pequena atenção a esse detalhe transformaria o longa em algo mais atrativo e envolvente.
Ficha Técnica
Direção: Tim Mielants
Roteiro: Enda Walsh, Claire Keegan
Edição: Alain Dessauvage
Fotografia: Frank Van Den Eeden
Design de Produção: Paki Smith
Trilha Sonora: Senjan Jansen
Elenco: Cillian Murphy, Emily Watson, Eileen Walsh, Clare Dunne, Patrick Ryan
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