
Prédio Vazio
Em “Prédio Vazio” (2025), sua primeira exploração do terror urbano, Rodrigo Aragão nos oferece mais uma prova de que seu trabalho não é mera repetição artesanal dos tropos norte-americanos.
Há quem veja na estética ecos de Dario Argento e George A. Romero — referências que, de fato, estão ali, seja na paleta febril de cores ou nos fantasmas decadentes. No entanto, limitar-se a essa genealogia é ignorar que, acima de tudo, Rodrigo Aragão é o herdeiro direto de José Mojica Marins, Zé do Caixão. E isso muda completamente a forma como compreendemos o que se vê em tela.
Um cinema de identidade: entre o carnaval e crítica social
Na trama, Luna (Lorena Corrêa) procura pela mãe, desaparecida no último dia de Carnaval em Guarapari. Suas buscas a levam a um antigo apartamento, em um prédio habitado por almas atormentada. Da maquiagem artesanal ao roteiro que abraça o delírio, do excesso como estética à precariedade como linguagem, não se trata de esconder a falta de recursos, mas de assumi-la como forma crítica e poética. O filme revela um país onde o abandono urbano e o abandono emocional são duas faces da mesma moeda.
Retratando o lugar em que vive e conhece tão bem, Aragão lança um olhar particular sobre o litoral brasileiro, onde prédios inteiros são ocupados por poucos dias ao ano e depois apodrecem lentamente — como os fantasmas que os habitam. A leitura pode ser social, simbólica ou espiritual. Mas, acima de tudo, “Prédio Vazio” é um olhar direto e local para aquilo que as metrópoles se recusam a enxergar.
Os protagonistas Luna e Fábio (Caio Macedo), com diálogos que por vezes beiram o artificial, somados a uma direção descompassada, constroem um cinema performativo, em oposição à lógica do realismo. Aragão aposta, como sempre, no exagero como linguagem. Dessa forma, temos pausas que constrangem, silêncios deslocados depois de uma imagem assustadora, e um estranhamento estético que lembra o melhor do cinema de horror japonês — outra influência presente, mas nunca copiada.
Horror sem concessões: o grotesco como estética e política
É verdade que Prédio Vazio não se encaixa nas lógicas do chamado “pós-terror”, que dominou o cinema de horror da última década. Não há aqui uma tentativa de elevar o gênero por meio de um verniz do “cinema de arte”. Por outro lado, o que temos é um cinema elevado por si, por sua técnica e por seu diálogo profundo com outras correntes cinematográficas marginais. Quem buscar aqui encontrar a coesão dramática de Hereditário ou o minimalismo estético de Midsommar estará, no mínimo, usando lentes colonizadas sobre uma obra que tem, em sua brasilidade, sua maior força.
O filme, como outros do diretor, é uma carta de amor ao gênero do horror. Não à toa, o sangue jorra com prazer. A maquiagem é visivelmente artesanal e o nonsense muitas vezes se impõe como atmosfera, mas sem nunca suprimir o grotesco. E não há esforço para parecer realista: “Prédio Vazio” convida o espectador a desligar o senso comum e mergulhar no absurdo — como crítica e como forma. Isso não é falha: é estrutura.
E o resultado é, sim, um terror refinado — mas não da forma como o cinema hollywoodiano tenta nos ensinar a ver. É um filme popular, artesanal, grotesco, carnavalesco e profundamente brasileiro. Uma obra que, em suas camadas mais profundas, fala do abandono urbano, dos traumas familiares, da ocupação precária dos espaços — tudo isso sob o véu do sangue falso e dos espíritos grotescos.
É um filme que não busca agradar ao público de massa, mas sim cultuar a estética da perturbação, como nos melhores clássicos do gênero. Um filme que, em suas limitações, encontra sua verdadeira identidade.