Q&A dossiê sidney lumet

Q & A – Sem Lei, Sem Justiça | Dossiê Sidney Lumet

Por Iuri Freire
Última atualização: 23/06/2024

Q & A – Sem lei, sem justiça (Q & A, 1990)

Roteiro: Sidney Lumet

Elenco: Nick Nolte, Timothy Hutton, Armand Assante

A filmografia de Sidney Lumet tem início com 12 Homens e Uma Sentença (1957) e se encerra com Antes que o diabo saiba que você está morto (2007), o que o credencia ao seleto hall de cineastas que principiaram e concluíram suas carreiras em estado de excelência. Não bastasse isso, entre uma ponta e outra, teremos filmes do quilate de Um dia de cão (1975), Rede de intrigas (1976) e Serpico (1973), o que já seria suficiente para afirmar que estamos diante de um realizador responsável por conceber algumas das obras cinematográficas mais cultuadas do século passado.

Paradoxalmente, por conta da riqueza de seu currículo, é de se esperar que alguns de seus filmes acabem por passar despercebidos por estarem na companhia de pares tão icônicos, criando a impressão de que são produções menores ou não merecedoras de tamanha atenção. Isso se prova um equívoco a partir do momento em que finalmente miramos o nosso olhar para as aquelas obras preteridas dentre as criações do diretor estadunidense, como parece ser o caso de Q & A – Sem Lei, Sem Justiça, de 1990.

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O longa centra-se na figura de Michael Brennan, interpretado por Nick Nolte, membro do Departamento de Polícia de Nova Iorque. O personagem possui facetas clássicas em filmes do gênero: é um homem corrupto, inescrupuloso e violento, não medindo esforços brutais para conquistar seus infames objetivos.

Ao assassinar um informante sob o falso pretexto de legítima defesa, Brennan passará a ser investigado em um inquérito encabeçado por Aloysius Reily, vivido por Timothy Hutton, dando origem ao velho embate do mau policial versus o bom policial. Acontece que, mesmo sendo um autêntico mau-caráter, o detetive Brennan goza de prestígio da parte de seus colegas, o que dificultará a tarefa de seu oponente.

Lumet demonstra ter forte intimidade com o universo policial, o que não é nada surpreendente se levarmos em conta que o cineasta já havia dirigido o supracitado Serpico e O príncipe da cidade (1981), obras também inseridas dentro de tal atmosfera. Lumet destila uma notável desenvoltura ao lidar com as temáticas características do gênero, imbuído de competência suficiente para não cair em mau uso de clichês ou optar por caminhos que poderiam soar piegas se conduzidos por alguém que não tivesse o mesmo cacife para navegar em mares semelhantes.

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Por falar em Serpico, não dá para deixar de mencionar que se, no filme estrelado por Al Pacino, o personagem-título é um jovem policial cujo idealismo beira a ingenuidade, o protagonista de Q & A funciona como o perfeito contraponto. É como se Michael Brennan fosse uma espécie de personificação atroz da imoralidade que permeia o seu ofício, o arquétipo padrão de uma categoria disposta a, literalmente, sujar as mãos de sangue em prol da conquista do poder. E, em ambos os casos, salta aos olhos um aspecto que será marcante ao longo da carreira de Lumet: a sua excepcional capacidade de extrair dos atores aquilo que os personagens pedem, em termos de interpretação.

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No caso de Q & A, a aura de tensão que circunda o filme será regida pela perversidade oriunda dos crimes executados pelo personagem de Nick Nolte. Portanto, um eventual equívoco na construção da abominável figura aqui retratada seria o bastante para impactar negativamente o resultado do que se assiste em tela. Felizmente, não é o que ocorre, haja vista a habilidade de Lumet para engendrar os arcos dramáticos nos quais as ações de Brennan estão localizadas, sem receio de recorrer às convenções de gênero, quando necessário. 

Ainda que não compartilhe do mesmo brilhantismo de outras obras do diretor, Q &A certamente possui méritos que o credenciam como um filme a ser (re)descoberto por quem decidir explorar a profícua filmografia de um dos maiores cineastas estadunidenses surgidos no século XX. 

Encontre os demais textos do Dossiê Sidney Lumet em nosso editorial.

Iuri Freire é cineclubista aposentado, defensor categórico da supremacia do cinema brasileiro e sócio-fundador do podcast/site Cine Trincheiras, o que automaticamente o qualifica como futuro podcaster aposentado.

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