Serpico | Dossiê Sidney Lumet
Por Cleiton Lopes
Última atualização: 07/06/2024
Serpico (1973)
Roteiro: Waldo Salt e Norman Wexler
Elenco: Al Pacino, John Randolph, Jack Kehoe, Biff McGuire, Cornelia Sharpe
A nova Hollywood foi um dos momentos mais interessantes da história do cinema norte-americano. É considerado como tendo iniciado com Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (1967), de Arthur Penn, e, mesmo tendo terminado com o fracasso de O Portal do Paraíso (1980), de Michael Cimino, foi um período bastante produtivo. Ao longo de treze anos, surgiram diretores hoje considerados medalhões do cinema, com obras como O Bebê de Rosemary (1968), de Brian De Palma, O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, Tubarão (1975), de Steven Spielberg, Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, Star Wars (1977), de George Lucas, entre outros.
Os filmes tinham mais liberdade para tratar da política de sua época, da contracultura, da liberação de costumes, da igualdade racial, e de fazer críticas ao sonho americano, entre outros temas, e os diretores encontravam mais abertura para tratar estes temas da forma que achavam melhor. Paradoxalmente, foi nesse período que filmes como Star Wars e Tubarão fizeram tanto sucesso, que acabaram criando a tendência dos blockbusters, que atualmente ocupam quase a totalidade das salas de cinema, e fica difícil para filmes mais autorais, como os produzidos durante a nova Hollywood, terem visibilidade.
Entre as produções que se destacaram nesse período, está Serpico (1973), de Sidney Lumet. O filme é uma história baseada em fatos reais. Acompanhamos o policial idealista Frank Serpico (Al Pacino), que trabalha em Nova York e, diferente dos outros policiais, recusa subornos que acontecem comumente em seu ambiente de trabalho. Isso acaba gerando uma certa desconfiança dos demais colegas de polícia. Além disso, Frank Serpico ainda tem um estilo de vida e de se vestir um tanto peculiar, incluindo barba, bigode e atitudes bem diferentes do que se espera de um policial. Essas atitudes acabam incomodando inclusive os mais altos cargos, que o colocam nas missões mais perigosas. Apesar de filmes como Serpico serem comuns hoje, a obra de Lumet foi uma das primeiras a tratar da corrupção nos bastidores dos departamentos de polícia.
O protagonista é um policial muito interessante, e seu visual e atitudes, conforme dito anteriormente, o tornam único. Em uma das cenas, ele vai a uma festa cheia de gente “de humanas” e das artes, e, sempre que ele diz ser policial, as pessoas olham meio torto. Mas, com o passar das horas – e um pouco mais de substâncias no organismo – ele e os demais convidados acabam se entendendo a ponto de alguém lhe perguntar: “Ei, cara, você é policial mesmo? ”.
O interessante é que Lumet conta a história de uma forma muito crua e direta. O diretor nos faz nos importarmos de fato com o personagem, entender suas motivações e atitudes. Al Pacino, que havia aparecido no ano anterior no já citado O Poderoso Chefão, aqui consegue encarnar muito bem o policial e não passa pela crise de repetir o mesmo personagem e os mesmos trejeitos do filme anterior, tentando repetir o sucesso do seu último papel (talvez isso seja algo recente). Pacino entrega o carisma e a personalidade que o personagem precisa sem deixá-lo caricato, como é muito fácil acontecer.
Aqui ainda não havíamos chegado aos anos 1980, com filmes de ação policial como Duro de Matar (1988), John McTiernan, e outros em que o protagonista é infalível e cheio de pose. Em Serpico, temos uma cidade suja e corrupta, e um personagem que tenta fazer o certo, mesmo correndo de forma desastrada ,e seu parceiro ainda tenha dificuldade em acompanhá-lo na corrida atrás dos bandidos.
Vale destacar que Serpico carrega um pouco do preconceito da época, trazendo a maioria dos bandidos interpretados por pessoas negras, e atitudes machistas por parte do protagonista. Entretanto, é preciso lembrar que todo filme é um registro histórico de sua época. Retrata os meios de se filmar, os costumes e a forma como a sociedade via e retratava as pessoas. Ainda mais as pessoas pretas e marginalizadas. Talvez isso possa parecer meio óbvio, mas hoje em dia há correntes que pregam que obras problemáticas aos olhos de hoje não sejam exibidas. Mas, na verdade, elas precisam ser vistas, mas sob um olhar crítico e com compreensão do seu lugar.
Em Seven – Os Sete Crimes Capitais (1995), de David Fincher, enquanto está aprontando para ir trabalhar, o detetive Mills (Brad Pitt) diz para a sua esposa Tracy (Gwenth Paltrow), “Serpico precisa ir trabalhar”, e ela responde, “Mas você não vai querer ficar com essa remela no olho, Serpico”, enquanto limpa o olho do marido. Essa é uma piscadinha do roteirista para nós espectadores, indicando uma possível influência do filme de Lumet no de Fincher. Seven também traz uma cidade problemática, suja e corrupta que não tem nome, mas que pode se passar em qualquer metrópole, assim como a Nova York de Serpico. Sinais da influência da Nova Hollywood, que teve crias nos anos 1990, como o próprio David Fincher, Quentin Tarantino e Paul Thomas Anderson, entre outros que cresceram assistindo a produções desse tipo.
Encontre os demais textos do Dossiê Sidney Lumet em nosso editorial.
Cleiton Lopes é formado em Cinema e Audiovisual, segue a vida escrevendo críticas de cinema, colecionando discos de vinil e, vez ou outra, algumas crônicas. Sonha conhecer David Fincher pessoalmente e completar sua coleção de Belchior. Acompanhe o trabalho de Cleiton neste link.