Top 10 doramas do Longa História
Durante a pandemia de Covid 19, assim como milhões de pessoas, acabei caindo no vício em doramas coreanos. Essa foi uma das formas que encontrei para lidar com a desgraça por atacado que acometeu o Brasil. Foi terapêutico ter contato com a ficção sobre os problemas de um país que estava do outro lado do mundo, com uma língua, uma cultura e uma história completamente diferentes da nossa.
Enfim, a pandemia passou, atravessamos o deserto. Aos poucos, fui me desapegando das doses cavalares de doramas, para agora apenas selecionar um ou outro de maior destaque na internet. Com efeito, cheguei a comentar alguns deles aqui no Longa História. Minhas pesquisas para meus textos me fizeram ter contatos com obras no mínimo interessantes. Para curtir doramas, é preciso superar os obstáculos da língua sonoramente pitoresca, de algumas atuações não raro afeitas ao exagero, e do humor apastelado, perfeito para o escapismo em tempos brutos.
Mais uma lista de doramas, mas não resisto…
Portanto, já quase curada do vício, apresento a lista dos dez melhores doramas a que já assisti, para apreciação e debate junto aos espectadores do gênero. Saliento que essa lista contém, em sua maioria, doramas mais recentes, muitos deles disponíveis na Netflix. Isso diz respeito ao crescente know-how e também à visibilidade que a gigantesca produção ficcional televisiva coreana tem acumulado ao longo de décadas. Assim, os doramas mais recentes oferecem melhores resultados estéticos a partir da aparência de dramalhão romântico e comédia simplória e rasgada, que são a marca registrada da ficção produzida ao sul da Península Asiática.
Como brinde, assim como as melhores caipirinhas servidas nas melhores cachaçarias, deixo também aos leitores e leitoras um “chorinho”. Concedo menções honrosas ao doramas que me divertiram bastante e contribuíram para minha fidelização ao modo coreano de contar histórias.
10. Pachinko (2022)
Adaptação do romance de Lee Min-Jin, esse dorama foi muito esperado também por quem não é aficionado pelo gênero. A razão é o tratamento cinematográfico dado ao roteiro e aos aspectos técnicos, muito embora capricho não seja coisa que falte à maioria dos doramas. A direção está a cargo de dois cineastas, Justin Chon, dos filmes Crepúsculo, e Kogonada, este um incensado realizador de obras de arte.
E, de fato, visualmente Pachinko não se parece com um dorama. Mas é considerado como tal pelos dorameiros, e isso para mim é suficiente. Por ser uma produção influente, pode ser que no futuro novos doramas sejam afetados por sua natureza distinta dos padrões estéticos e narrativos normais aos doramas mais prototípicos. Veremos, já que vem aí uma segunda temporada.
9. Healer (2014)
Em 2014, Healer abriu espaço na ficção para as relações humanas remotas com grande eficiência e charme. É um dorama com agilidade e ação quase ininterrupta, algo muito pouco superado anos após sua exibição. As dinâmicas entre os personagens nunca caem de interesse. Em particular, a interação entre o protagonista Seo Jung-Hoo (Ji Chang-Wook), que trabalha e trafega solitário pelas ruas de Seul, e Jo Min-Ja (Kim Min-Kyung), isolada dentro de seu bunker em meio a vários computadores, é construída com precisão e leveza na edição e atuação impecável dos atores.
Além disso, Healer não cai em um problema recorrente dos doramas, que é a dificuldade de compor os vilões. No caso da série, trata-se mais de um antagonista, que age motivado por ganância, mas não perde o vínculo com relações sentimentais. O protagonismo dado a dois gigantes dos doramas, Ji Chang-Wook e uma reluzente Park Min-Young, garante a fidelidade do espectador do primeiro ao último episódio.
8. Senhor Rainha (2020)
Seguramente, o dorama mais divertido a que já assisti. A faceta cômica da excelente Hye Sun-Shin está em absoluta forma. A atriz nos ajuda a suspendermos a inverossimilhança da motivação para a trama. Dessa maneira, nos entregamos gostosamente às aventuras do chef da Seul contemporânea que vai parar no corpo de uma rainha de Joseon. O problema de gênero que essa ideia provoca para uma história que precisa ser conservadora é superado sem dificuldades, já que o interesse sobre o destino dos personagens é maior do que a expectativa de algum sentido.
Aliás, outro problema facilmente superado é o humor exagerado para o qual Hye Sun-Shin contribui sem nenhum medo de ser feliz, com a preciosa ajuda de seus pares em cena: a magnífica Cha Cheong-Hwa, e Kim Jun-Hyun. O roteiro precisamente construído em torno de um contraste passado-presente sempre lembrado e explorado na trama ajuda a completar a diversão perfeita. Senhor Rainha foi uma de minhas mais consoladoras companhias na pandemia. A Netflix ter acrescentado a série a seu catálogo foi um dos melhores presentes aos assinantes dorameiros este ano.
7. Anna (2022)
Não há nada que não seja interessante neste breve dorama (oito episódios de menos de uma hora) que passou despercebido pelos canais e plataformas de informação sobre o gênero. Também não foi exibido, pelo menos até agora, nos principais streamings. Entretanto, quem já assistiu se impressionou com uma história de roubo de identidade que ganha nos detalhes. Anna é um exemplo de como os roteiros coreanos fogem da tendência ocidental de patologizar personagens complexos. A protagonista tem plena noção do que faz, das opções disponíveis, quando as há, e das consequências de seus atos.
6. A advogada Woo (2022)
Esse dorama chegou quando a pandemia já arrefecia, mas mesmo assim chamou a atenção de críticos que nunca haviam voltado seus olhos para as produções televisivas coreanas. A Advogada Woo expandiu o feito de popularidade de Pousando no amor. Arrebanhou mais alguns milhões de expectadores para o gigantesco universo dorameiro.
O tratamento delicado dado à questão do autismo, característica mais marcante de sua protagonista, é o maior responsável pelos espectadores cativados pela brilhante advogada encarnada de forma encantadora por Park Eun-Bin. Outro traço que fidelizou os espectadores foi a construção de uma personagem multifacetada, portadora de uma atipicidade que não a impede de ser uma pessoa adulta, ética e capaz de despertar a amizade e o amor das pessoas.
5. Amor e outros dramas (2022)
Outro dorama recente da Netflix, que resenhei para o Longa História. Existe nele uma qualidade intrínseca que salta da combinação de um roteiro ao mesmo tempo delicado, enxuto e complexo, e atuações maravilhosas de artistas que conquistam, como um todo, nossa admiração. Mas também, assim como Pachinko, Amor e outros dramas é fortemente cinematográfico, no sentido de que sentimos nele a pegada do cinema coreano, que condensa em duas horas histórias aparentemente triviais de vidas comuns, mas desmembradas de maneira a se capturar delas profundas emoções.
O formato desse dorama também é peculiar. Várias histórias vão se enredando, como em uma novela. Nessa estrutura, dois ou três episódios em sequência são dedicados a uma história em particular, enquanto outras caminham em fundo. Em comum aos personagens está a Ilha de Jeju, onde a maioria deles nasceu e cresceu. A beleza desse dorama está em fazer de pessoas comuns, com problemas e sentimentos comuns, seres realmente especiais. Isso nos permite empatizarmos com eles e nos identificarmos com seus enredos de vida, que muitas vezes são idênticos aos nossos.
4. O palhaço coroado (2019)
Oculto em meio a tantos doramas lançados pela Netflix, O palhaço coroado é uma pérola de ficção que desdobra em dezesseis episódios o longa-metragem Masquerade (2012), estrelado por Lee Byung-Hun. E foi excelente a ideia de estender por mais tempo e complexidade a história do palhaço de rua encontrado pelo secretário de um rei enlouquecido pelo vício, e por isso usado para substituí-lo e assim manter mais ou menos de pé uma fragilizada Joseon.
A partir dessa trama, desenvolve-se uma reflexão relevante sobre o poder e a quem ele deve ser entregue: aos que por sangue e estirpe são destinados a ele, ou aos que possuem envergadura moral e intelectual para assumi-lo. Os argumentos que circundam essa questão são defendidos por atuações excepcionais, com destaque para o espetacular trio Yeo Jin-goo, Kim Sang-kyung e Jang Gwang, que proporciona ao espectador momentos de puro deleite artístico e estético.
3. Pousando no amor (2019)
Inegavelmente, é o dorama mais popular entre os espectadores brasileiros, e de outras nacionalidades também. Tanto que muita gente já leu meu texto sobre o romance entre um soldado norte-coreano e uma empresária de Seul. E não é sem razão: os núcleos narrativos que circundam o casal mantêm fixamente a atenção do espectador enquanto não acompanhamos as peripécias dos protagonistas.
Essa combinação permite que os 16 episódios da série nos divirtam todo o tempo, combinando perfeitamente suas doses de romance, aventura, perigo e comédia. Pousando no Amor trata a Coreia do Norte de forma respeitosa, e as tramas que se desenrolam nos ajudam a entender um pouco as relações e dores que decorrem da cisão de um mesmo país em dois.
2. The red sleeve (2021)
Adaptado do romance histórico de Kang Mi-Kang, The Red Sleeve é o melhor roteiro dentre todos os doramas a que assisti. Aborda um tema comum aos doramas, que é o conflito sentimental entre nobres e plebeus na Era Joseon. Porém, The red sleeve traz uma trama original com base na inversão de padrões de gênero. A serva da corte Sung Duk-Im (Lee Se-Young) recusa sistematicamente o amor do rei Yi-San (Lee Jun-Ho) por considerar imprescindíveis e insubstituíveis suas relações de afeto com as amigas de infância, sua privacidade e sua independência pessoal.
Nesse sentido, uma protagonista feminina assume um dos comportamentos masculinos mais comuns: admiração e camaradagem entre pessoas do mesmo gênero, e relativização do amor romântico diante de outras possibilidades de felicidade na vida. Para manter seus valores, ela arrisca a vida e abre mão do que a condição de concubina do rei lhe traria: conforto material, segurança e luxo, mas sem liberdade.
1. Mr. Sunshine (2018)
Obra de ficção espetacular em todos os sentidos. Roteiro, direção, fotografia, atuações e uma temática longitudinal nos ajudam a conhecer a história recente da Coreia. O período recortado é talvez o mais sensível entre os muitos percalços que os coreanos já passaram. Acompanhamos a dissolução do estatuto de país da ainda Joseon para a dominação japonesa. Dividindo espaço com os que aderiram ao imperialismo, estão os heróis que lutaram bravamente para manter o moral durante a opressão japonesa.
Ao mesmo tempo, em meio à História registrada, testemunhamos o romance entre Eugene Choi (Lee Byung-Hun), que ainda criança emigrou para os Estados Unidos e se encontra dividido entre duas nacionalidades, e Go Ae-Shin (Kim Tae-Ri) dama da nobreza criada para ser uma sniper rebelde. Em torno do casal, gravitam personagens poderosos cujas vidas se transformam radicalmente ao longo de 24 episódios que manterão o espectador acorrentado à tela.
Menções honrosas:
A historiadora Goo Hae-Ryung (2019)
A Historiadora Goo Hae Ryung, disponível na Netflix, é um dorama histórico com uma forte marca transgressora e revolucionária. Esse teor permeia o caráter e as ações da protagonista defendida de forma potente e delicada por Shin Se-Kyung. Além disso, todas as tramas da obra salientam o perigo de não observarmos criticamente tradições culturais que precisam dar lugar a descobertas científicas e mudanças sociais capazes de tornar o mundo um lugar melhor. Goo Hae Ryung recusa-se a caber em padrões de comportamento feminino para sua época. Por isso, encontra forte oposição social, mas sua coragem agrega espíritos afins que se sentem motivados a participarem das inevitáveis transformações do mundo.
Vincenzo (2021)
O dorama Vincenzo tem, assim como Senhor Rainha, a capacidade de nos divertir do primeiro ao último episódio. O motivo principal disso é ser uma história sobre Máfia e crimes que nunca nos produz a menor angústia. Isso foi ótimo nos meses mais amedrontadores da pandemia. Eu gargalhava tanto assistindo a Vincenzo, que meu marido às vezes achava que eu estava passando mal. As qualidades de Vincenzo se devem sobretudo ao maravilhoso Song Joong-Ki. Mesmo com a aparência de um Pikachu da Península, o ator consegue nos convencer de que seu personagem é de fato um mafioso perigoso e sempre capaz de estar um passo à frente de seus inimigos.
Descendentes do Sol (2016)
Com o mesmo Song Joong-Ki como protagonista, Descendentes do Sol é uma história padrão de romance entre dois coreanos em terras estrangeiras. Não há grandes novidades temáticas, e os vilões são muito caricatos. Mas o que dá certo na série, além da química explosiva entre Song e Song Hye-Kyo, sua namorada à época, é o fato de que o produto da série é muito maior do que a mera soma de suas partes. Mas é possível detectar aqui e ali elementos cativantes. As lindas paisagens da Europa Mediterrânea, o adorável casal secundário e a trama cheia de emoções novelescas fazem a gente relaxar em alguns padrões de qualidade artística e se entregar às aventuras dos coreanos que buscam o sol.
A segunda temporada de Dr. Romantic (2020)
A segunda temporada de Dr. Romantic se destaca da primeira e da terceira (esta, lançada em 2023) pelo refinamento temático alcançado pela história de Kim Sa-Bu, cirurgião genial e rebelde que recomeça a carreira numa cidade pequena. Basicamente, Dr. Romantic é sobre Educação num sentido amplo, e todas as exigências de transformação que o verdadeiro aprendizado exige. Na segunda temporada, a relação de maestria e confiança entre Kim Sa-Bu e seus pupilos chega a remeter à máxima nietzscheana de que a Arte está no que investimos emocionalmente sobre tudo o que fazemos, mesmo que isso seja abrir, revirar e costurar de novo as vísceras das pessoas.