UM DIA DE CÃO DOSSIE SIDNEY LUMET

Um dia de cão | Dossiê Sidney Lumet

Por Ítalo Passos
Última atualização: 14/06/2024

Um dia de cão (Dog day afternoon, 1975)

Roteiro: Frank Pierson

Elenco: Al Pacino, John Cazale, Penelope Allen, Chris Sarandon

Logo na cena de abertura de Um Dia de Cão, são mostradas as ruas do Brooklyn, sujas, bagunçadas com obras, e transeuntes apressadas por todas as partes, comum em qualquer grande metrópole. A cena se desenrola enquanto ouvimos Amoreena, de Elton John. Sidney Lumet opta por uma abordagem mais intimista, ao evitar as tão charmosas e “manjadas” vistas da cidade de Nova York, de longe, ou de cima, que mostram a poderosa metrópole como uma grande estrutura sólida, como geralmente se faz. Em vez disso, o diretor explora cada esquina da cidade, cada situação, da forma mais íntima que uma cidade pode ser observada. 

No que parecia ser mais um dia tranquilo, três homens dão início a um roubo, imaginando que a situação não fugiria de um pequeno e rápido assalto a banco, mas ela escalando de forma inacreditável. O trio, em poucos segundos após o início do assalto, se torna uma dupla, já que um deles logo desiste. Permanecem apenas Sonny (Al Pacino) e Sal (John Cazale), que seguem com a ação de forma atrapalhada, deixando evidente que não eram acostumados àquele tipo de situação, ou não tinham total certeza do que estavam fazendo, ou poderiam realmente machucar alguém.

UM DIA DE CÃO DOSSIE SIDNEY LUMET

Aos poucos, o roubo se torna um cerco policial, e vai escalando até se tornar um grande palco midiático em que a grande estrela é Sonny. A polícia fortemente armada confronta e contrapõe Sonny, que segue desarmado, enquanto Sal mantém os funcionários do banco lá dentro. Sonny cita a rebelião no presídio de Attica. Quando grita, fica evidente, para todos ouvirem, que o massacre que matou diversos inocentes poderia se repetir ali, na frente das câmeras. Com isso, mais a atrapalhada negociação do detetive Moretti (Charles Durning), Sonny ganha atenção total da mídia e vê a multidão que o acompanha o apoiar em grande parte. 

É fascinante como o Lumet tem a habilidade de transformar em ridículas as situações da polícia, introduzindo um certo humor na narrativa ao apenas mostrar os policiais agindo como policiais, sem grandes truques ou piadas bobas.

UM DIA DE CÃO DOSSIE SIDNEY LUMET

A cada vez que Sonny vai a “público”, suas palavras soam sempre como uma crítica à sociedade, as quais fazem sentido ainda hoje, nas falhas do Estado com aqueles que o serviram e hoje são abandonados, e na opressão sobre aqueles que não se encaixam nos padrões americanos. Fica tudo muito evidente na cena em que Leon (Chris Sarandon) chega no local do roubo, trazido a pedido de Sonny. Nesse ponto da história, descobrimos que Sonny e Leon são casados, e que o real motivo para Sonny ter ido roubar o banco era para dar uma cirurgia de mudança de sexo para Leon, que é uma pessoa transgênero.  

Nesse ponto, Lumet já traz mais uma discussão que se mantém relevante, além da crítica à sociedade, que trata como palhaçada a comunidade LGBTQIA+. O diretor aborda também a marginalização desse grupo, com policiais rindo ou debochando do relacionamento dos dois, e consequentemente usando a homossexualidade como um dos motivos para que aquele assalto estivesse acontecendo. 

UM DIA DE CÃO DOSSIE SIDNEY LUMET

Sonny mantém o seu palco intacto em frente ao banco, e a demonstração máxima de poder que o personagem tem é com o controle da mídia, que impede uma ação mais truculenta da polícia. A representação de um homossexual pobre que tem controle absoluto sobre o Estado armado à sua frente, sendo o palco o símbolo máximo do capitalismo, é fascinante. 

Lumet usa o micro para explorar o macro, e é aqui que seu brilhantismo ascende, na transformação de um simples filme de assalto em algo maior, que até os dias de hoje segue relevante e poderoso.

Encontre os demais textos do Dossiê Sidney Lumet em nosso editorial.

Ítalo Passos é cearense, redator, aspirante a crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, melodramas e leitor de Asimov. John Carpenter é meu pastor e nada me faltará.. Acompanhe o trabalho de Ítalo no Clube da Poltrona e no Medium 

 

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