Uma noite em Miami…
Última atualização: 11/04/2021
Inspirado em uma peça de mesmo nome, Uma noite em Miami… tem muito da estrutura teatral em si. O filme de Regina King, como resultado da referência do teatro, desenrola 80% da sua ação em um quarto de hotel. Essa escolha depende demais do texto para funcionar e dá muita margem para o elenco trabalhar. Não à toa, o roteiro de Kemp Powers e o trabalho de Leslie Odom Jr. foram reconhecidos com indicações ao Oscar.
Contudo, mesmo com atuações primorosas, onde Leslie de fato se destaca, há escolhas no roteiro de Powers que, visando o conflito necessário para dar movimento na trama, enfraquecem personagens de maneira artificial.
Três amigos, um inimigo
Cassius Clay (Eli Goree), Jim Brown (Aldis Hodge) e Sam Cooke (Leslie) são, em suas áreas de atuação, sucessos incontestáveis. As cenas de introdução do boxeador, do jogador de futebol americano e do cantor mostram os três ao mesmo tempo bem sucedidos profissionalmente, mas unidos por um inimigo em comum: o racismo.
Um ponto positivo no roteiro de Powers é usar cada uma dessas cenas para, imediatamente, posicionar os personagens nessa luta. Sam querendo entrar nos espaços ocupados por brancos, enquanto Jim sente uma mistura de desprezo e indignação pela segregação.
E Cassius? Cassius é bom demais para ser derrotado por isso. Pelo contrário: ele usa o ódio a seu favor para vencer antes mesmo de entrar no ringue.
O que também une os três é a mentoria de outro personagem, que merece uma análise à parte.
Sobre o Malcolm X de Uma noite em Miami…
Se você não conhece Malcolm X, Uma noite em Miami… joga uma nuvem de dúvida sobre o caráter do líder ativista. Sim, Malcolm X foi radical e duro. Muito mais do que seu contemporâneo Martin Luther King, sem dúvida. Mas a representação de rigidez entregue por Kingsley Ben-Adir é, na maioria das vezes, forçada.
Porque, ao colocar Malcolm X amedrontado por Elijah Muhammad e dependente da conversão de Cassius Clay (que, sabemos pela História, acontece), a motivação de Malcolm deixa de ser ideológica para se tornar mera sobrevivência. É, em resumo, um motivo egoísta. O que enfraquece, como resultado, a maior parte dos argumentos usados pelo líder. E pior: não para os seus amigos, que não sabem do que está acontecendo, mas para o público assistindo ao filme.
Uma noite em Miami para discutir o racismo
Se há algo que Uma Noite em Miami… faz bem é mostrar que o racismo é plural: existem diferentes formas de se manifestar e afetar suas vítimas. Até mesmo uma questão pouco tratada em filmes dessa temática é explorada, que é como, ao mesmo tempo que o racismo atua entre brancos e negros, ele tem o poder de segregar negros entre si de acordo com a tonalidade da pele, mais escura ou mais clara.
Temos um filme em que três visões (Malcolm, Jim e Sam) debatem aos olhos de um personagem indeciso do próprio caminho a trilhar. Por analogia, é como assistir a um programa político: os problemas são os mesmos, mas a forma de resolvê-lo muda. Qual Cassius Clay deve escolher?
O fato anteriormente citado de que o desfecho é amplamente conhecido (o boxeador é mundialmente conhecido por seu nome islâmico Muhammad Ali) torna qualquer tensão sobre esta dúvida incapaz de engajar.
Mas é preciso que se diga: apesar de decepções pontuais, Uma noite em Miami… propõe um debate interessante sobre o tema que aborda. Ao mesmo tempo, encerra com uma nota amarga de inegável derrota: nenhum dos personagens principais conseguiu derrotar o racismo.
Esta é uma luta para nós.
Direção: Regina King
Roteiro: Kemp Powers
Edição: Tariq Anwar
Fotografia: Tami Reiker
Design de Produção: Page Buckner
Trilha Sonora: Terence Blanchard
Elenco: Kingsley Ben-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge, Leslie Odom Jr. & Lance Reddick
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