Luiz Melodia – No Coração do Brasil
Um artista às margens do sucesso
Parece uma coisa meio óbvia, mas está cada vez mais difícil vermos artistas falando falando de arte e, mais especificamente, sobre sua própria arte. Atualmente, redes sociais, busca por viralização, inteligência artificial e algoritmos são os caminhos utilizados pelos artistas mais famosos do Brasil e do mundo para divulgar seus trabalhos. Por isso, é um alívio para fãs de arte e de música assistir a filmes como Luiz Melodia – No Coração do Brasil (2025), de Alessandra Dorgan, que tem não o artista-título, mas a música como protagonista.
A opção escolhida pela diretora foi deixar o próprio Luiz Melodia contar a sua história. A partir do áudio de entrevistas, Alessandra Dorgan ilustra a tela colocando imagens de arquivo da vida do artista. Isso faz com que vejamos o percurso de seus pensamentos através do que ele próprio pensa a respeito dos temas recortados no documentário.
Fiquei pensando sobre o trabalho de localizar essas imagens, visto que Luiz Melodia foi um artista que viveu, de certa forma, às margens do sucesso. Por não se render às pressões do mercado, ele acabou não tendo tanta visibilidade quanto nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros que conseguiram se fixar de forma forte no imaginário popular. Devido a essa sua característica, Recebeu a alcunha de “maldito”, como Jards Macalé. Este último é o autor de Vapor Barato, canção que ganhou popularidade ao ser interpretada por vozes como Gal Costa, O Rappa e Zeca Baleiro.
Famosos na internet por quinze minutos
Entre um relato e outro, o filme exibe trechos de shows e apresentações do artista demonstrando um pouco de seu trabalho. Eu, que conhecia muito pouco sobre Melodia, tive um vislumbre de sua carreira, suas performances e modo de vestir. Aliás, o cantor se vestia de forma única e cheia de estilo, com chapéus, jaquetas e óculos que tornavam impossível a nós não repará-lo no palco.
Assim como o documentário Nada Será Como Antes – A Música do Clube da Esquina (2024), de Ana Rieper, Luiz Melodia – No Coração do Brasil é um documentário necessário nos tempos atuais. O Brasil, país de memória curta, parece também se esquecer facilmente de seu passado musical. Esquecemos nomes da música brasileira que foram importantes para a história artística nacional. A impressão que dá é que os novos artistas, ao irem aos programas de TV, conhecem apenas um passado muito recente, preocupados apenas com o sucesso da última semana e com formas de se tornarem conhecidos na internet.
Boa parte disso também se dá devido aos novos tempos, em que os algoritmos constroem bolhas onde é praticamente impossível nos depararmos com algo para além do que estamos habituados a consumir. Isso contrasta com tempos passados, quando, por curiosidade, íamos a alguma loja de discos e tínhamos a disposição uma centenas de tipos diferentes de artistas, podendos esbarrar com alguma coisa totalmente fora de nosso universo.
Um presente sem novidades
Mas hoje estamos cercados pelo mundo digital. Os algoritmos mostram apenas o que nós já consumimos. Além disso, caso o artista tenha dinheiro – ou seja, seja financiado pelo agronegócio para limpar a própria barra – ele consegue ser sugestão para qualquer pessoa que entre no streaming. Por que, por exemplo, eu iria querer escutar uma playlist chamada “Forró 2.0” ou “O Trap Mais Caro”, sendo que eu nunca dei o play em nenhuma música de Zé Vaqueiro, Leo Foguete ou MC Cabelinho e Matuê? Certamente existe alguma manipulação dos algoritmos.
Visto isso, Luiz Melodia – No Coração do Brasil é um filme potente e com a capacidade de despertar, nas novas gerações, o interesse pela obra de Luiz melodia e nossa cultura. Também é um incentivo para os que o conhecem pouco apreciarem mais seu trabalho, aproveitando que os novos tempos nos possibilitaram um acesso mais fácil às músicas sem precisarmos sair de casa.
Além disso, o documentário reverencia a obra do artista e mostra que a inteligência artificial, que se baseia em padrões para criar suas “obras”, dificilmente terá tanta criatividade e reverência como o ser humano. Vivências e realidades são elementos essenciais para criar uma obra tão humana como a de Luiz Melodia.
A não ser que o objetivo seja produzir um enlatado para consumir até seis meses. Aí as máquinas podem ser bastante úteis.