o macaco osgood perkins

O Macaco e a tradição de objetos amaldiçoados no cinema de horror

Última atualização: 06/03/2025

Ao assistir a primeira sequência de “O Macaco”, quase fui catapultada para minha infância/pré-adolescência. Senti como se estivesse, sentada no sofá, vendo na TV aberta alguma produção de horror dos anos 1980 ou 1990. Ser uma criança atormentada pelo medo do Chucky (“Brinquedo Assassino”, 1988) ou da boneca da Xuxa, transforma qualquer adulto em alguém minimamente afetada por filmes com objetos amaldiçoados.

Seguindo a linha de alguns clássicos, o novo filme de Osgood Perkins, tem como ponto de partida um homem (Adam Scott) desesperado para se livrar do que parece ser um brinquedo inofensivo. O macaco que toca um tambor após ter seus movimentos ativados por uma corda, entretanto, não pode ser chamado de brinquedo. Assim sendo, a primeira sequência do filme não poupa o espectador de entender qual será o tom do que veremos na próxima hora e meia. Sangue, tripas, cérebros explodidos, peles deslocadas dos ossos, fogo e tudo o que for possível será lançado na tela.

Gêmeos atormentados

O ator Theo James assumiu o desafio de interpretar os irmãos gêmeos Hal e Bill, figuras centrais da trama. As personagens são antagonistas uma da outra, possuem características distintas e sua tumultuada relação impulsiona a narrativa. Enquanto Hal, o irmão mais velho, é marcado por um ceticismo sombrio Bill, exibe fragilidade emocional. Dessa forma, Bill possui uma crença profunda no poder do macaco amaldiçoado. Logo, é por isso que as confusões envolvendo a dupla começam. Em um dia, com muita raiva de seu irmão, o mais jovem dá corda no macaco esperando que a maldição leve seu irmã. Entretanto, a vida dos dois se desestrutura completamente, pois a vítima do brinquedo é a mãe dos dois.

O antagonismo entre Hal e Bill pode ser percebido na forma como cada um lida com a ameaça do macaco com o passar dos anos. Assim sendo, Hal, ancorado na razão, busca soluções práticas para deter a maldição. Porém Bill, dominado pela paranoia, se entrega à crença de que o macaco controla seus destinos. Essa dicotomia entre razão e loucura, funciona mais como inferência que fazemos a partir do que o texto nos apresenta (narração e diálogos) do que pela interpretação.

Caricato e engraçadinho

James, enquanto ambos gêmeos poderia se destacar trazendo as sutilezas das diferenças entre os irmãos, mas no fim temos apenas o mesmo ator com perucas diferentes, fazendo caras e bocas para dar vida a um Hal afetado e caricato. Além disso, o filme parece hesitar em explorar as nuances psicológicas das personagens, optando por uma abordagem mais direta, previsível e sustentada pelo humor.

Apesar de suas limitações, “O Macaco” se destaca pela qualidade técnica na apresentação de mortes explícitas. Algo como o que vemos na franquia Premonição” (2000-) com situações nas quais o tempo e a certeza de que algo ruim vai acontecer conseguem criar momentos de tensão genuína. Perkins sabe fazer uso dos elementos visuais e sonoros para intensificar o medo. Contudo, a falta de profundidade na exploração dos temas subjacentes, como a própria natureza do mal, impede que o filme seja mais interessante. Ainda assim, “O Macaco” é uma adição interessante ao cânone de adaptações de Stephen King, oferecendo uma experiência de terror divertida para fãs do gênero.

christine o carro assassino

Stephen King, objetos, o macaco e algumas adaptações

A relação entre Stephen King e o filme “O Macaco” se estabelece através da adaptação do conto homônimo de King. Originalmente publicado na revista Gallery em 1980, mais tarde foi incluído na coletânea de contos “Tripulação de Esqueletos”, em 1985.  O filme transpõe o terror psicológico e sobrenatural característico da obra de King, contendo também uma dose de humor sarcástico. Características da escrita do autor, que colaborou na escrita do roteiro permeia o filme de Osgood. Temas e elementos recorrentes, como a já citada presença de um objeto amaldiçoado remete a histórias como “Christine, o Carro Assassino” e “O Talismã”, textos nos quais objetos do cotidiano são ou possuídos por forças malignas ou meios de se deslocar para outros mundos.

Além disso, outra característica do texto de King que conseguimos sentir em “O Macaco” são personagens com passado traumático, bem como memórias de uma infância marcada por mortes e abandono. A adaptação, portanto, busca capturar a essência do terror de Stephen King, abraçando os clichês dos temas e elementos recorrentes em sua obra. Como easter egg para fãs do escritor, o realizador plantou no filme referências diretas como o nome da babá dos gêmeos, Annie Wilkes (nome da protagonista de Misery”) ou a professora de sobrenome Torrance (como Jack, de “O Iluminado”).

a mão do diabo

Filmes para assistir sobre objetos amaldiçoados

Para quem quer mergulhar em filmes que compartilham temática similar a de “O Macaco”, recomendo alguns que também exploram o terror através de itens do cotidiano que foram corrompidos por forças malignas.

Cinema americano

Em “Christine, o Carro Assassino” (1983), adaptação da obra de King, apresenta um carro possuído que desenvolve uma obsessão mortal por seu dono. “Annabelle” (2014), spin-off da franquia “Invocação do Mal”, explora a história da boneca possuída por um espírito maligno que aterroriza um casal. Outro exemplo é “A Mão do Diabo” (2001) no qual um objeto concede desejos a quem possuir, mas, como consequência, quem o usa tem que pagar um preço terrível. Não podemos esquecer também do clássico de William Friedkin, “O Exorcista” sobre o efeito do demônio contido na escultura de Pazuzu na vida de uma criança.

ringu

Cinema japonês e tailandês

Da mesma maneira, o cinema asiático, com sua rica tapeçaria de terror e folclore, oferece um vasto leque de filmes do subgênero. Os cineastas do pais demonstram a habilidade em tecer narrativas nas quais objetos são utilizados como catalisadores para o medo, bem como para discutir questões culturais. Quando lançados filmes como “Ringu: O Chamado” (1998), um marco do terror japonês, sobre uma fita VHS amaldiçoada  ou “Ju-on: O Grito” (2002), sobre uma casa onde assassinatos brutais ocorreram, refletira sobre a espiritualidade e a possibilidade de objetos e/ou locais serem portais para outros mundos.

kairo pulse

Em filmes como “Espíritos – A Morte Está Ao Seu Lado” (2004, Tailândia) que acompanha um casal assombrado por fotos de um fantasma após um acidente, ou “Kairo/Pulse” (2001, Japão) que mergulha no terror tecnológico, com fantasmas invadindo o mundo real através da internet, podemos refletir sobre o receio do uso excessivo da tecnologia na vida cotidiana. O objeto levado para todos os lugares e usado sem nos preocupar com o que pode nos trazer de benéfico ou maléfico se torna uma possibilidade a ser explorada. E isso acontecerá por meio do medo do ininteligível ou por meio da discussão sobre como certos avanços tecnológico individualizam as práticas cotidianas e isolam o indivíduo de seus ciclos familiares e fraternos.

skull a máscara de anhangá

Cinema brasileiro

E se engana quem acredita que o cinema brasileiro não conta com filmes sobre objetos amaldiçoados. Em “Skull: A Máscara de Anhangá” um artefato antigo é o elemento que desencadeia todos os eventos sobrenaturais e violentos do filme. A máscara de Anhangá possui uma força maligna que corrompe aqueles que a possuem ou se aproximam dela. Essas pessoas são transformadas em servos de Anhangá, uma entidade pré-colombiana, o que desencadeia uma onda de violência e caos por onde passam.

Publicado Por

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *