
A Mais Preciosa das Cargas
“A mais Preciosa das Cargas “, animação apresentada em competição no Festival de Cannes, marca a estreia de Michel Hazanavicius (vencedor do Oscar por “O Artista”) no universo dos filmes animados. Baseado no conto homônimo de Jean-Claude Grumberg, o longa mergulha em uma narrativa poética e sombria, ambientada em uma floresta durante a Segunda Guerra Mundial, onde um lenhador e sua esposa vivem à margem da história oficial até que ela os alcança de forma brutal.
Com ilustrações que lembram esboços e gravuras antigas, Hazanavicius aposta em um visual distante do brilho de uma Disney/Pixar. Em lugar disso, o diretor entrega um estilo visual austero, melancólico e fiel à origem literária da história. Assim, constrói uma experiência visual e emocional que evita o espetáculo para se concentrar no essencial: a humanidade, em sua luz e em sua escuridão.
Entre a neve e a fumaça: um conto sombrio sobre coragem e indiferença
A história começa com a clássica frase “Era uma vez”, narrada pela voz marcante de Jean-Louis Trintignant (“Amor”, “A Fraternidade é Vermelha”). Ninguém imaginaria que essa seria sua última performance antes de seu falecimento em 2022.
A coisa começa simples, como um conto de fadas, mesmo. Em uma floresta polonesa coberta de neve e silêncio, vive um casal de lenhadores. Sem nomes próprios, eles são apenas “o Pobre Lenhador” e “a Esposa do Pobre Lenhador”, personagens arquetípicos de um conto de fadas sombrio. Em meio à miséria e à guerra, a esperança chega de forma inesperada quando um bebê é lançado de um trem por um passageiro desesperado. A mulher acolhe a criança, mesmo sem compreender totalmente o horror ao qual ela escapava.
Os trens cruzando a floresta seguem para destinos que os personagens não nomeiam, mas que o espectador atento reconhece. Em nenhum momento as palavras palavra “judeus” ou “nazistas” são mencionadas, mas a presença do Holocausto se faz presente antes mesmo que os elementos que o caracterizam apareçam em tela.
A mais preciosa das cargas, isto é, o bebê, torna-se o centro de uma história que revela tanto a capacidade de resistência humana quanto o poder da negação e da omissão diante do mal.
Em A Mais Preciosa das Cargas, Arte, memória e poesia visual
Visualmente, “A mais Preciosa das Cargas” impressiona. Com uma breve busca, depois da curiosidade sobre uma produção tão primorosa, descobrimos que a animação foi construída a partir dos próprios esboços de Hazanavicius, que desde a adolescência desenha, mas nunca havia exposto seus traços ao público.
Em especial quando se trata de mostrar os horrores daquele mundo e tempo, a escolha estética remete à dor contida em peças expressionistas, e, também, em algumas das peças de Edvard Munch, especialmente nas cenas passadas no campo de extermínio, onde o pai da menina vive sua agonia final.
A trilha sonora sutil de Alexandre Desplat e o ritmo calmo da narrativa reforçam o tom melancólico e poético do filme. Ainda que haja pequenas falhas na fluidez entre as duas linhas narrativas, a emoção se sustenta com força até o fim. É um cinema comprometido com o valor da memória, a valorização da humanidade e, acima de tudo, com a sutileza da arte.
No fim, “A mais Preciosa das Cargas” não tenta reinventar a roda, mas emociona por onde passeia. É um lembrete sobre a coragem dos que agiram, o silêncio dos que não fizeram nada e a eterna esperança depositada no ato de lançar uma vida ao mundo, mesmo nos piores momentos.
Ficha Técnica

Direção: Michel Hazanavicius
Roteiro: Michel Hazanavicius, Jean-Claude Grumberg
Edição: Michel Hazanavicius, Laurent Pelé-Piovani
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Elenco: Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès, Jean-Louis Trintignant
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