A Baleia
Última atualização: 15/02/2023
É preciso pensar em A Baleia, filme da A24 dirigido por Darren Aronofsky, como uma obra multifacetada. Não é por menos, uma vez que o filme não esconde suas intenções de intertextualidade. Isso para bem e para mal.
Na trama, acompanhamos Charlie (Brendan Fraser), um professor recluso que passa os dias em seu apartamento, mentindo para seus alunos sobre a câmera de seu laptop estar quebrada, apenas para não revelar seu corpo obeso. Quando seu coração começa a dar sinais de falência e ele insiste em não ir a um hospital, começa uma jornada improvável para se reconectar com sua distante filha adolescente para uma última chance de redenção.
Os muitos sentidos em A Baleia
Comecemos pelo título. Em inglês, não se usa tanto o termo “baleia” com a carga pejorativa que há em português para falar sobre pessoas gordas, mas essa significação está presente. Como aceno jocoso, é um título pobre. Ao mesmo tempo vale dizer que, embora muitos não o saibam ou se recordem, Moby Dick livro no qual o filme recorre tematicamente várias vezes, possui um subtítulo. O livro, como publicado chama-se Moby Dick or, The Whale.
Parece brilhante, mas apenas preguiçosamente brilhante. O tipo de brilhantismo que encanta estudantes de primeiro ano. Moby Dick é reconhecidamente uma narrativa onde encontramos uma profusão de imagens homoeróticas. O “casamento” de Ishmael e Queequeg, a quase ritualística extração do espermacete em uma reunião de pescadores, a comunhão dos homens. Por Deus! Qual aluno de quinta série não daria um riso fanho diante do nome deste livro? E falando no divino, tudo isso está envolto no sagrado profanado pelo amor às coisas mundanas, como deixa bem claro a igreja feita como um navio baleeiro.
Isso tudo é Moby Dick, e esta seria uma resenha do livro se isso tudo não fosse também A Baleia.
Sai o desejo de ir ao mar e entra a chuva que não cessa de cair nas cenas, enquanto a escrita e a livre expressão tomam os lugares da navegação pelo desconhecido. Sai a pulsão de morte que Ahab vê representada na sua derradeira caçada e entra a pulsão de morte de Charlie, que busca justificar sua vida com um único ato de grandeza. Apesar de tanto se apoiar na obra de Melville, o texto de A Baleia soa pálido por se apoiar consistentemente no melodrama. Falta ao roteirista do filme e autor da peça que o originou, Samuel D. Hunter, a complexidade da obra em que se inspira.
De boas intenções…
E veja bem, pense no que Lawrence fez com a obra de Melville. É muito fácil se apropriar da obra para fins de opressão e exaltação de um ideário fascistóide. Por isso, qualquer investida nessa obra é um risco calculado tanto quando a viagem que ela narra.
Primeiramente, vejamos, há muito de auto aversão em Charlie. E há muito de aversão do mundo para com pessoas gordas que o texto não hesita em descrever, para o deleite de quem nunca experimentou na pele a marginalização. Sendo sincero, este filme não é um lugar seguro para pessoas gordas. Mas, e este é um ponto a se perceber, também não é um lugar seguro para ninguém. Há de se questionar por que o autor decidiu que ser obeso poderia ser uma projeto suicida, mas há de se notar que cada personagem com destaque no filme também se autoflagela.
Todos, sem exceção, tratam o peso de Charlie como algo nojento e doentio, entre copos de bebidas, cigarros e outras formas de destruir a própria vida mais “socialmente aceitáveis”. Se isso é papel do roteirista, não saberia dizer, mas fato é que o brilho que esse filme possui, e o que o eleva acima da média é como Aronofsky filma tudo isso.
Um olhar documentarista
No ambiente claustrofóbico do apartamento de Charlie, ele surge tão desajeitado como imponente e a câmera o acompanha como acompanharia uma baleia no oceano. É como se a direção e fotografia quisessem que o personagem hora encalhasse e hora fluísse.
Uma cena em especial demonstra isso mais do que tudo. De modo a se impor pela primeira vez no filme, Charlie encurrala o jovem pregador e ataca sua sexualidade. Neste ponto, Charlie é um predador, se aproximando sorrateiramente como uma baleia assassina da presa. Então alguns vão chamar isso de desumanizante, mas eu proponho o contrário. É natural do humano ter tantas possibilidades de leitura. Isso é o que faz a boa arte e a arte, até onde entendemos, é um ato humano. A não ser que você considere, é claro, os cantos das baleias.
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter
Edição: Andrew Weisblum
Fotografia: Matthew Libatique
Design de Produção: Mark Friedberg, Robert Pyzocha
Trilha Sonora: Rob Simonsen
Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Ty Simpkins, Hong Chau, Samantha Morton, Sathya Sridharan,
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