A Caminho da Lua
Última atualização: 22/04/2021
Desde 2013, uma animação infantil não me irritava profundamente com suas músicas. Naquele tempo, o famigerado sucesso era Frozen. O concorrente e vencedor do Oscar que me proporcionou horas e horas de ânsia e golfada conforme as pessoas bradavam lerigou, lerigou. De maneira idêntica, em 2021, A Caminho da Lua, indicado ao Oscar na categoria de Melhor Animação me provocou o mesmo efeito.
Glen Keane criou e dirigiu a animação que narra a história de Fei Fei, uma garotinha chinesa que constrói um foguete para ir à Lua. Keane esteve presente como ilustrador em inúmeros longas da Disney. Em A Bela e a Fera, ele foi o responsável pela animação e design da Fera, bem como em A Pequena Sereia, com a Ariel.
Talvez a admiração que tenho por esses trabalhos anteriores tenha influenciado negativamente na percepção que tive do filme, mas abordarei esse ponto mais à frente.
Padronização da animação
Há poucos dias, acordei e me deparei com a mensagem de um amigo sobre o mercado de animação contemporâneo. Ele falava sobre a “morte” das animações tradicionais em acetato, bem como a inundação do 3D nas telas. Meu amigo também citou o fato da facilidade técnica e dos moldes prontos viabilizarem a produção. Como resultado, nos deparamos com o empobrecimento os detalhes no design de personagens e ambientes.
Comentei com ele que essa morte simbólica me parecia por demais dramática, pois somos jovens na casa dos 35 que vimos a “morte” de VHS, vinil, cassete e até mesmo do DVD. No fim, todas essas mídias sobreviveram, ou ressuscitaram, de alguma forma. O melhor dessa conversa foi poder falar com ele sobre a quantidade de animações do Brasil e do mundo que assisti no último ano.
O isolamento provocou uma onda de festivais e mostras online que me permitiram debruçar sobre uma prolífera produção de curtas e longas metragens que fazem bom uso da tecnologia. Concordamos que o olhar centrado na produção mainstream pode pregar uma peça na gente, nos levando a acreditar que belas e boas animações não existem mais.
Personagens e ambientação em A Caminho da Lua
Entretanto, não pude discordar dele com relação ao que ele levantou sobre a padronização estética. Sem dúvidas, esse é um dos pontos de desequilíbrio de A Caminho da Lua. Ainda que exista uma preocupação com detalhes como vestuário ou decorações das casas chinesas, ao chegar à Lua, tudo parece inacabado.
A terra mágica de Lunária, na qual a deusa Chang’e vive, parece plastificada. Nem Pocoyo teve tão pouca textura quanto a animação desse filme. A sensação que ficou foi a de que os cenários e alguns coadjuvantes são rascunhos das animações em 3D do início dos anos 2000. Em contraste com esse tridimensional “lustroso”, as imagens dos tecidos, paredes ou itens de decoração, que rememoram as pinturas antigas, são belas, mas infelizmente têm pouco espaço na tela. Similarmente, um aspecto positivo é o figurino da deusa, criado pela renomada estilista chinesa Guo Pei.
Se não bastassem esses incômodos estéticos, as personagens não têm carisma. O conflito de Fei Fei com relação à família, o da deusa com relação ao grande amor e até mesmo a subtrama do ser verde chamado Gobi não provocam nenhuma conexão com o público. Certamente, o animal de estimação da menina, Pulinho, é a porção fofa e encantadora do filme.
Música e mais música em A Caminho da Lua
Suponhamos que você é aquela pessoa que não gosta de musicais porque acha que eles são sem sentido. Ouvi essa justificativa inúmeras vezes em minha vida. Pois se um musical no qual a cena cantada e encenada de maneira coerente incomoda esse tipo de espectador, ao assistir A Caminho da Lua, uma pessoa dessas teria um infarto.
O filme insere uma canção a cada respiração das personagens. E todas genéricas, sem apelo, ou sequer um ritmo e letra “chicletes”. De tal forma que nem a apresentação a la Lady Gaga K-Pop da deusa Cahng’e é convincente. Por ser uma pessoa que formou o caráter nos anos de Disney, me parece que Glen Keane quis usar em seu primeiro longa como diretor elementos consolidadosm como partes agradáveis de um filme para crianças. Infelizmente, o resultado foi mais uma animação trivial.
O argumento da história permitia que A Caminho da Lua fosse uma animação divertida, emocionante e esteticamente impecável. Entretanto, sobrou o padrão e faltou aquele mergulho na magia dos filmes Ghibli. O cinema feito para crianças precisa parar de tratá-las como seres ignorantes. Saudade das animações de Don Bluth.
Seja como for, a animação estreou na Netflix em outubro de 2020. Encontre o link para assisti-la em nossa lista dos indicados ao Oscar, aqui.
Direção: Glen Keane
Roteiro: Audrey Wells
Edição: Edie Ichioka
Fotografia: Alessio Avezzano
Design de Produção: Celine Desrumaux
Trilha Sonora: Steven Price
Elenco: Cathy Ang, Glen Keane, Ruthie Ann Miles, John Cho, Brycen Hall & Edie Ichioka
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