Barbie destacada

Barbie

Última atualização: 20/07/2023

Há tempos não via um filme atrair tanto a curiosidade do público quanto Barbie, de Greta Gerwig. Tão logo suas primeiras fotos e teaser saíram, as telas dos mobiles e as redes sociais ficaram em polvorosa e se tingiram, pouco a pouco de cor de rosa. Não é para menos que o fenômeno Barbenheimer dominou as conversas cinéfilas, de tal maneira que o lançamento no mesmo dia de Barbie e Oppenheimer parecia o anúncio de um encontro de titãs do boxe, quase uma reprise de Tyson vs. Holyfield (essa só quem é +30 que vai entender).

A boneca criada nos anos 1960, por Ruth Handler faz parte do imaginário de muitas gerações de meninas e mulheres. Só para ilustrar, ter uma Barbie original, durante minha infância era um sonho e um sinal de prosperidade financeira. Sob o mesmo ponto de vista, possuir um dos acessórios da coleção da Mattel era sinônimo de riqueza.

Inegavelmente a boneca Barbie, o Ken, suas amigas e amigos, bem como todo o Barbieverso criado pela Mattel em pouco mais de seis décadas provocaram o deslumbre de muitas crianças. E, em 2023, isso é retomado. Seja por meio da memória ou do fascínio que o marketing da produção provocará nos adultos. Ou seja, a criançada  também será influenciada pelo produto.

Assim funciona o mercado, ora essa. Tanto é que ao caminhar pelas cidades as vitrines de lojas de roupas, acessórios e até mesmo lanchonetes estão tomadas pela cor rosa. E não estou me referindo à empresas parceiras das produtoras do filme não, estou falando de nós, fãs ou não, que viemos há meses reproduzindo de maneira gratuita marketing para o filme.  

Margot Robbie Barbie

Um mergulho na fantasia

A produção de Gerwig abraça a farsa da vida idealizada nas brincadeiras da infância e constrói um mundo fabuloso e colorido no qual as mulheres têm bastante autonomia. Mas, a pergunta que serve de partida para a condução do filme é: como seria a vida de uma boneca que vive em um mundo perfetio se ela tomasse consciência da realidade?

Não é por menos que a abertura do filme é uma reprodução ‘barbiezada‘, da chegada do monólito em 2001 – Uma Odisseia no Espaço. A sequência que foi divulgada como o primeiro teaser do filme está lá, no início da projeção. Ela mostra como a vinda da boneca representa a passagem da caverna, para o mundo exterior. Tal qual a alegoria de Platão, seria esse um mundo melhor, neste caso um mundo justo para todas as meninas.

Bem, ao menos é o que a Barbie acreditou que aconteceu. Sua chegada, como a narração da cena afirma, vinha para mover aquelas futuras adultas de uma vida dedicada apenas ao lar e a maternidade e, dessa forma, empoderá-las. Entretanto, a mudança para o mundo real mostra para a personagem outra face da moeda. 

Margot Robbie Barbie

A brincadeira como autocuidado

A história do filme se articula entorno da relação direta dos sentimentos da dona do brinquedo e o impacto nesse objeto. Barbie-Margot entra em crise existência e isso muda sua forma. Seus pés achatam, sua comida falsa vence, celulite aparece em suas coxas. O encontro com a Barbie Estranha (Kate McKinnon) esclarece não apenas a possível causa das mudanças, como também a forma de resolvê-las. 

Gloria (America Ferreira), dona da boneca, anda cansada. Pelo pouco que acompanhamos sua rotina a mulher acumula funções comuns às mulheres: maternidade, dona de casa e trabalho. Surpreendentemente (ou não), Gloria tem uma marido, um Ken da vida real, que veremos apenas em dois momentos do filme. Por vezes, antes de sua aparição, cogitei a possibilidade de não existir um companheiro para ela. 

Brincar pode ser uma forma de se desligar dos problemas, assim como ter um hobby, ou ir ao cinema. Barbie se enquadra nessa posição, uma válvula de escape em direção a fantasia. Algo semelhante ao que os homens sentem ao poder se deliciar por anos com filmes sobre super-heróis que afirmam os ideais de masculinidade. Crescer não deve significar se enrijecer para as fragilidades da vida, da mesma forma que não deve nos privar de prazeres simples e até mesmo fúteis. Pelo contrário, o exercício que deve ser feito é o de se entreter e, com maturidade, enxergar o que há de positivo ou de negativo naquilo.

Já deu pra perceber que eu estou falando menos do filme e mais de sua recepção, com o fim de refletir sobre o que a produção nos oferece. Então posso começar a examinar alguns pontos, começando pela pergunta que acredito que será a mais recorrente.

Margot Robbie Barbie

Barbie é um filme empoderador?

Antes de ir para as telas já se questionava o quanto o filme de Greta seria empoderador. Pois bem, no decorrer do história iremos ouvir inúmeras vezes a palavra ‘patriarcado’. Inegavelmente para uma boa parte dos espectadores isso será visto como um excesso, afinal o tempo inteiro o termo surge na boca das personagens, sejam elas masculinas ou femininas.

O patriarcado move o mundo real, mas não a Barbieland. Ao trazer para dentro de sua Matrix o conflito de sua humana, somos confrontados com a disparidade de gênero em nosso cotidiano. A palavra adorada tanto das sérias teorias feminista quanto das discussões rasas de redes sociais, não deve ser tão levada a sério no contexto. É meme suas boba! Trazer para a narrativa esse termo, da mesma maneira que ‘fascismo’ e ‘estereotipada’ são ironias. Apesar de ser um filme de um grande estúdio sobre um produto de outra grande empresa, Gerwig tem pulso para fazer essa autocrítica. Algo semelhante ao que as Irmãs Watchovski fizeram no último Matrix.

Autocrítica em forma de deboche

Da mesma maneira que quarto capítulo da ficção científica, o filme de Greta é produzido pela Warner.  E em sua película a diretora debocha da maneira rasa como o mercado captura pautas de minorias e as transforma em bens e meios de consumo. O filme ri do que ele representa, se exalta e se ataca. 

Ainda que a produção mostre o passar dos anos e a consciência da pluralidade de corpos femininos, nada do que está sendo dito na tela nos deixa esquecer o que a boneca representou por anos e como impactou a vida de muitas mulheres. Ao mesmo tempo que Barbies diversas estão presentes em cena, diálogos falam sobretudo da idealização promovida ao longo da existência da boneca.

Em resumo, a mesma Barbie que reforçou o ideal de beleza foi a que permitiu que algumas pessoas enxergassem naquele produto uma outra rota de escolhas para a vida. Um filme sobre um objeto que alcançou o patamar de produto gerador de lucro não deve ser tão levado a sério.  Nada aqui promete um filme disruptivo, logo isso não será encontrado. 

Ryan Hosling Ken

Figurino e direção de arte dignos de prêmios

Um dos maiores destaques de Barbie é a construção dos ambientes em que o filme passa. Todos os brinquedos acessórios criados pela Mattel reproduzidos de maneira semelhante a suas propagandas de divulgação, compõem aspectos da direção de arte. Da mesma forma os figurinos de todas as personagens são ricos em detalhes, bem como reproduzem peças das coleções das bonecas e bonecos.

Observem também as mudanças de cabelos das bonecas, principalmente da protagonista que, como sua fonte de inspiração, tem o visual mudado de acordo com o que veste e onde vai.

Um adendo: a mulher na parada de ônibus é a Barbie real?

Há alguns meses, com a divulgação de um dos teasers de Barbie, surgiu a teoria de que a mulher com a qual Margot conversa seria a filha de Ruth Handler, criadora da boneca. Entretanto, ao pesquisar na lista de elenco tirei a dúvida que essa teoria havia deixado em mim. Na verdade, se trata de Ann Roth, figurinista veterana indicada ao Oscar cinco vezes e premiada duas, por A Voz Suprema do Blues O Paciente Inglês.

Mas, mesmo que a ‘mãe’ da Barbie não apareça no filme, afinal Ruth faleceu em 2002, a mulher é interpretada por Rhea Pearlman (mãe da garotinha mágica no filme Matilda).

E, não posso deixar de lado as interpretações

Margot Robbie foi feita sob encomenda para assumir a forma humana da Barbie. A maneira como ela se porta ao interpretar não deixa dúvidas sobre sua competência como atriz. Suas passagens em cena reservam boas risadas e emoções, sem medo de apostar na canastrice do exagero que permite que acreditemos que ela é um brinquedo que tomou vida. 

Seu parceiro, Ken (Ryan Gosling) encontra o timing perfeito para a comédia, mas também uma intensidade dramática nos momentos de reflexão a partir da auto-consciência que seu personagem passa a ter. O filme recria sequências de filmes clássicos. Zomba da binariedade filme de menino X filme de menina e insere na produção elementos comuns às animações da boneca, as pequenas sequências musicais. 

O elenco de apoio é divertidíssimo. Aqueles que estão no mundo imaginário se portam como os personagens de Toy Story enquanto os do mundo real apresentam a complexidade de humanos, variando dos mais idiotas aos mais legais. O CEO (Will Ferrell) e seu time de suporte são tão pueris quanto os brinquedos. Os vilões são vilões de desenho animado, tanto que o filme faz uso da comédia física em vários momentos. 

Abrace a ilusão de um mundo ideal por um instante

O fantasioso e o farsesco fazem do filme uma deliciosa aventura entre o mundo da fantasia e o mundo real. Um bilhete de passagem para quem um dia brincou de Barbie, fosse ela original ou paralela. Levem o filme menos a sério e se divirtam, afinal, nada disso te impede de observar e discutir todos os problemas que a representação da boneca ainda pode provocar ou que já provocou. 

Reserve o momento de ver o filme para rir e se emocionar. Embarque em suas lembranças e abrace seu eu do passado bem forte, dizendo pra ele que o futuro é perrengado, mas no fim as coisas se encaminham. Se tem uma coisa que esse filme nos ensina é sobre reconhecer seus sentimentos. 


Ficha Técnica
Barbie poster
Barbie (2023) – Estados Unidos
Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig, Noah Baumbach
Edição: Laurent Rouan
Fotografia: Rodrigo Prieto
Figurino: Jacqueline Durran
Design de Produção: Sarah Greenwood
Trilha Sonora: Mark Ronson, Andrew Wyatt
Elenco: Margot Robbie, Ariana Greenblatt, Ryan Gosling, Kingsley Ben-Adir, America Ferrera, Will Ferrell, Hellen Mirren, Issa Rae

 

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