Close
Última atualização: 22/07/2023
Esta crítica para o filme Close contém spoilers; não a leia se você ainda não viu o filme.
Close narra a trágica história da amizade entre dois meninos, pré-adolescentes. Enquanto não estavam sob o olhar de nenhum outro jovem, viviam a pura alegria da amizade e do prazer da companhia um do outro. Sempre lado a lado, correndo no campo, em meio à plantação de flores da família de um dos rapazes. Em casa, com seus pais, andando de bicicleta, dormindo abraçados na mesma cama.
Contudo, quando o ano letivo começa e entram na nova escola, a situação muda. Close sai do cenário aberto, bucólico do campo de flores e entra no espaço confinado da escola. Há um estranhamento geral entre os colegas de classe com a forma como eles, sempre muito próximos, se tocam. Dessa maneira, fica claro que não é socialmente aceitável que dois meninos se toquem, que, por exemplo, deitados na grama, um coloque a cabeça na barriga do outro, ou que, sentados, lado a lado, na sala de aula, um coloque a cabeça o ombro do outro. O estranhamento é tanto, que um dia um grupo de meninas (afinal as meninas são mais falantes do que os meninos nessa idade) pergunta aos dois se eles eram um casal.
Close apresenta dispositivos sociais de produção de masculinidade
A partir daí, a coisa toda muda de figura. Um dos rapazes, Léo (Eden Dambrine) se dá conta de que havia algo de ‘moralmente condenável’ no relacionamento dele com o melhor amigo. Desde o momento dessa descoberta em diante, o filme vai mostrando como ele vai se afastando do amigo, evitando seu contato físico e buscando a amizade como outros garotos. Ele vai se moldando às expectativas de gênero, jogando futebol, zoando no recreio, entrando para o time de hockey.
Como resultado, seu amigo Rémi (Gustav De Waele), sente profundamente esse afastamento, e fica extremamente magoado e confuso com a rejeição. Ao contrário de Léo, ele não tem interesse em se enquadrar nas expectativas de comportamento adequado a seu gênero e tão pouco se incomoda com o fato de acharem que são gays. Ele gosta do amigo e fica sentido com seu afastamento. Ele sofre tanto com o fim da amizade intima que se mata. O filme passa então a girar em torno da vida de Léo, em seus conflitos com a morte do amigo. Ele tem dificuldade em falar com a mãe de Rémi que ele havia se afastado de Rémi, e que por isso seu filho havia se matado.
Os dois atores estão muito bem nos papéis. O primeiro, o diretor o descobriu quando ele viajava de trem e conversava com um grupo de amigos. O segundo foi selecionado em um teste de elenco. Antes do início das filmagens, eles ficaram primeiro convivendo um tempo juntos em um hotel, adquirindo familiaridade e intimidade um com o outro.
Sentimentos, fala e contato físico
A grande chave de leitura do filme é a questão do contato físico entre dois meninos. Do ponto de vista social, é aceitável que duas meninas se toquem e façam carinho uma na outra, mas dois meninos só podem se tocar se for em alguma atividade física ou em brincadeiras violentas. Existe uma etiqueta de comportamento de gênero que dita a norma socialmente aceita de comportamento para cada um dos sexos, e todo o comportamento que sai dessa norma é condenado.
Entretanto, não se trata aqui de determinar em Close se a relação entre os dois era ou não homoerótica. Não é disso que o filme trata. Ele trata da impossibilidade de expressar fisicamente o carinho entre dois jovens, e o quanto isso é psicologicamente violento. Nossa sociedade patriarcal é extremamente controladora dos corpos. Temos regras para cada gênero de como se vestir, como se comportar, como falar, tudo isso serve como uma prisão para a livre expressão dos afetos.
Com efeito, é claro que o conflito surge no filme em um momento de imaturidade na vida dos dois personagens principais. Talvez a trágica morte de Rémi não ocorreria se Léo tivesse sido capaz de se abrir com o amigo, ou mesmo com seus pais e professores, e falar dos seus medos e inseguranças. Essa me parece ser a tônica de outro filme do diretor, Girl (2018): o momento na pré-adolescência em que os afetos e sentimentos chegam antes da capacidade de verbalizá-los.
Tornar-se homem e tornar-se mulher
Tornar-se mulher em uma sociedade patriarcal é fruto de processos de subjetivação que se marcam por poderosos mecanismos sociais repressores do desejo e da sexualidade. Esse filme nos chama a atenção para como o tornar-se homem também pode se complicar bastante quando os jovens rejeitam os mecanismos sociais de subjetivação próprias ao seu sexo. A frase que adultos proferem aos meninos, “seja homem!”, mostra o quanto a virilidade não é algo “natural”. É algo performado como a negação de tudo aquilo que se considera “feminino”.
De acordo com essa ideia, a virilidade deve ser “fabricada”, construída, provada em lutas, competições, demonstrações de violência. Ser homem é não ser submisso, não ser doce, não chorar, não cuidar, enfim, não ser uma “mulherzinha”. No imaginário comum, o homem/menino gay é aquele que se comporta como menina, ou seja, performa, atua como menina. É claro que há, na base dessa crença comum, uma ideia heteronormativa extremamente problemática. Segundo essa ideia, se um indivíduo deseja alguém do mesmo sexo, ele/ela só pode naturalmente desejar ser uma pessoa do sexo oposto.
Dessa maneira, a violência contra a performance de gênero divergente da norma heteronormativa que atinge Léo e Remi é fruto da misoginia da sociedade capitalista patriarcal que, como mostra o filme, também atua no imaginário social de mulheres/meninas. Filmes como esse contribuem na crítica à misoginia.
Direção: Lukas Dhont
Roteiro: Lukas Dhont, Angelo Tijssens
Edição: Alain Dessauvage
Fotografia: Frank van den Eeden
Design de Produção: Eve Martin
Trilha Sonora: Valentin Hadjadj
Elenco: Eden Dambrine, Gustav De Waelle, Émilie Dequenne, KEvin Janssens