Isso se chama amor

Última atualização: 14/06/2023

No Brasil, a ficção coreana no formato minissérie recebe dos espectadores o nome dorama. As histórias de 16 capítulos (em geral) tornaram-se imensamente populares pela plataforma Netflix. Eu mesma já resenhei o popular dorama Pousando no Amor aqui no Longa História. Além disso, como acontece na Netflix, a plataforma Disney também vem investindo em doramas. Isso se chama amor é uma produção da própria plataforma, que entrou a sério na disputa de um lugar na poderosa onda Hallyu. No Brasil, os doramas da Disney são exibidos pelo Star+, e lá já encontramos pelo menos uma produção relevante, que é a polêmica Snow Drop.

Para quem gosta do audiovisual asiático, vale a pena buscar informações prévias antes de se aventurar pela gigantesca indústria dos doramas, sob pena de perder tempo precioso com trabalhos de pouca qualidade artística. Isso se chama amor já vinha com sinais de sucesso mesmo antes de seu lançamento. Os sites especializados em doramas já anunciavam a produção como uma das mais significativas da primeira metade de 2023.

call it love o casal ao final

Porém, não fosse pelo trabalho de youtubers e redatores, nada se saberia sobre a série. A Disney não liberou nenhuma informação técnica acerca de direção, roteiro e demais aspectos informativos, o que frustra quem gosta de buscar referências de roteiristas e diretores asiáticos. E os caracteres coreanos nos créditos iniciais e finais frustram mais ainda os ocidentais.

Sem dúvida, algumas das qualidades de Isso se chama amor chamam a atenção de quem aprecia as grandes obras do país, já que ali se encontram alguns elementos presentes em trabalhos sofisticados do cinema coreano. Por outro lado, o dorama se ressente da necessidade de encaixar-se no modelo televisivo que praticamente obriga a grande maioria das produções a ter 16 episódios de uma hora, em média.

Isso se chama amor precisou se encaixar em modelos

Decerto, estar dividido em muitos episódios não é um problema em si. Alguns doramas excelentes chegam a ter até 20 episódios. O belíssimo Mr. Sunshine, da Netflix, tem 24 episódios. É só o caso de haver tramas suficientes para isso. Mas às vezes não há muita história, o que pode ser compensado com outros ritmos possíveis na ficção coreana, que não raro caminham em tempo mais lento. Isso também também pode ser bastante agradável, já que mais tempo também é mais oportunidade de aprofundamento dos personagens e das tramas.

call it love abraço

Particularmente me agradam os ritmos lentos e contemplativos, quando acompanhados de intensidades em outros aspectos. Coreanos já provaram muitas vezes serem especialistas nisso. Enquanto muitas vezes o tempo cronológico parece parar, o tempo emocional segue fluindo em intensidade crescente, submerso em camadas de sutileza. Para isso, os realizadores contam sempre com excelentes atores.

O casal Kim Young-Kwang (Han Dong-Jin) e Lee Song-Kyoung (Sim Soo-Joo) dão conta do recado com atuações minimalistas, com Kim Young-Kwang ligeiramente mais bem sucedido no quesito internalização de sofrimento. Os diálogos reduzidíssimos contribuem para a atmosfera, que conta com a ajuda do espectador e suas próprias experiências emocionais para complementar a narrativa que mescla os padrões vingança e Romeu-Julieta do dorama, ambos já parte do DNA cognitivo de qualquer habitante do planeta Terra.

Em Isso se chama amor, o que importa é como se conta a história

Ninguém espera que, em termos de estrutura narrativa, todas as novas produções do audiovisual mundial inventem a roda. Mesmo com padrões já extremamente conhecidos do público, é possível cativar e manter a atenção do público com a forma como se conta uma história.

Ao assistir a Isso se chama amor, me vinha à mente todo o tempo o excepcional longa Columbus, do diretor também coreano Kogonada. Columbus conta uma história simples, de pessoas que se encontram ao mesmo tempo em encruzilhadas de sua vida e se apoiam uma na outra para se fortalecerem e seguirem a jornada. A maneira como Kogonada escolhe contar esse encontro nos faz mergulhar em 104 minutos de pura e arrebatadora poesia.

call it love irmã mais velha

Assim como em Columbus, estão em Isso se chama amor os mesmos planos assimétricos, os tempos mortos, os espaços vazios e os diálogos sintéticos. Eles convidam e facilitam o mergulho do espectador na angústia silenciosa dos protagonistas e alguns dos demais personagens. Em especial, a irmã mais velha de Sim Soo-Joo, Sim Hye-Seong (Kim Ye-Won), também traumatizada pelos abandonos em cascata sofridos pelas irmãs mais o caçula Sim Ji-Gu (Harrison Xu). Mas cada uma reage à sua maneira.

E é aí que começa o primeiro problema que pode fazer com que o espectador aperte o acelerador do controle remoto: às tramas dos outros personagens não é dada a mesma importância e tempo que os protagonistas recebem, mesmo havendo 16 episódios disponíveis para isso. Sem esse peso mais equilibrado, as tramas principais se arrastam excessiva e não raro redundantemente, como se não houvesse mais assuntos que merecessem ser contados.

Nem sempre o peso das tramas é equilibrado

Já assisti a doramas com temas tradicionais e tramas simples e convencionais, mas com um timing equilibrado entre protagonistas e coadjuvantes, o que prende nossa atenção. Na Netflix, Pousando no amor é perfeito nesse aspecto. Mas ainda há, na plataforma, os ótimos Vincenzo, Healer, Hometown cha cha cha, Senhor Rainha e A historiadora, entre outros. Todos têm pelo menos 16 episódios. Então, de fato, é possível construir tramas que confiram um peso menos desequilibrado a diversos personagens ao longo dos episódios.

call it love acampamento

Como efeito do pouco tempo que se confere aos não protagonistas, os vilões de doramas, ou pelo menos os antagonistas, frequentemente, não são bem construídos. Isso é uma grande pena, porque os atores são sempre muito bons. Mas personagens caricatos e monocromáticos também me fazem acelerar o controle remoto, e acho que isso deve afetar outros espectadores também. Recentemente, os elogios da crítica a A lição (Netflix) perdiam o entusiasmo quando se tratava da vilã da série (a pobre Ji Yeon-Lim). A personagem é caricata e monocromática a ponto de fazer raiva pelas razões erradas.

Em Isso se chama amor, a vítima é Nam Gi-Ae, que interpreta Ma Hi-Ja, a mãe de Dong-Jin e amante do pai de Woo-Joo. A atriz faz pouco além das caras cínicas que esperamos do estereótipo “amante aproveitadora”. Ahn Hee-yeon, no papel de Kang Min-Yeong, a ex-namorada de Dong-jin, não tem melhor sorte. De sua vez, a mãe dos três irmãos abandonados não é vilã, mas não tem outra função além da de mãe mesmo. Todas têm potencial narrativo, mas não se concede a nenhuma delas o tempo para que aprofundem suas próprias histórias. O resultado é mais do mesmo em torno dos protagonistas ao longo dos episódios.

É preciso garimpar

Contudo, serei injusta se não citar aqui alguns doramas cujos roteiros considero acima da média do que tem ocupado em massa os streamings. Na Apple TV, há o belíssimo Pachinko, que inclui Kogonada entre os realizadores. Na Própria Netflix há os ótimos Além do mal e O palhaço coroado. Nem todos estão nas plataformas, mas se encontram em sites especializados no audiovisual asiático. Entre os mais recentes, apreciei Anna e Our blooming youth. Também gostei de Reborn Rich, embora o final tenha fugido da plausibilidade, o que me decepcionou um pouco.

call it love beijo

Assim como muitos espectadores brasileiros, aprendi a gostar das séries que se beneficiaram da virada narrativa proporcionada por obras pioneiras como Twin Peaks, Sopranos e The Wire. O século 21 consolidou a sofisticação das séries com Breaking Bad, Rectify e Game of Thrones, entre inúmeras outras, todas maravilhosas. Mas ainda não consegui situar algum dorama entre essas histórias excepcionais, embora algumas cheguem bem perto. Profissionais e artistas magníficos não faltam. Mas há algo que faz com que, por ora, o resultado seja menos que a soma das partes. De todo modo, ainda espero um dorama magnífico, por isso sigo garimpando.


Ficha Técnica
Call it love (2023) – Coreia do Sul
Direção: Kim Ji-Yeon, Lee Kwang-young
Roteiro: Kim Ga-eun
Trilha Sonora: Park Se-Joon
Elenco: Kim Young-Kwang, Lee Song-Kyoung, Kim Ye-Won, Harrison, Xu, Nam Gi-Ae, Ahn Hee-yeon

 

 

 

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