Liga da Justiça de Zack Snyder
Última atualização: 21/03/2021
Ao falarmos da Liga da Justiça de Zack Snyder, é preciso lembrar: não é a primeira vez que o diretor “precisa” de uma “versão definitiva” para passar a sua “visão” a um filme. Assim também foi com Watchmen e, no próprio DCEU, com Batman vs Superman.
Isso faz de Zack Snyder um dos diretores mais privilegiados da indústria. Em outras palavras, ele não pode reclamar de falta de oportunidades. Com praticamente carta branca, Snyder entrega um filme de quatro horas em que suas digitais aparecem em cada cena. Há melhorias em relação à versão cinematográfica, finalizada por Joss Whedon. Mas, ao mesmo tempo, é essa liberdade total que permite muitas redundâncias, inutilidades e até mesmo alguns momentos constrangedores.
O filme é longo e a crítica também. Vamos nessa.
“Anteriormente, em Liga da Justiça“
A cena inicial da Liga da Justiça de Zack Snyder retoma do ponto mais sensível em que Batman vs Superman parou: na morte do Homem de Aço (Henry Cavill). Só que, desta vez, ainda mais Zack Snyder, com câmera lenta, coberta por diversos ângulos e com uma nova dimensão sobre as consequências, em que a representação visual do último suspiro do herói literalmente impacta todo o planeta.
Sei que a comparação com a abertura da versão de Whedon, com o “Super-Bigode”, é difícil de defender. Sequer é minha intenção. Mas essa ideia de Snyder, em certa medida, ilustra seu maior problema enquanto contador de histórias, que é colocar quadros plasticamente bonitos à frente de coerência narrativa.
Pule este parágrafo se não quiser spoilers: a morte do Superman desperta uma das Caixas Maternas, que dispara um sinal para o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) de que “a barra está limpa” para ele ir buscá-las e conquistar a Terra. Ora, mas o próprio filme fala posteriormente que as Caixas estão no planeta há cinco mil anos. Isso é muito mais tempo do que Clark Kent passou por aqui. Se ele era “a última defesa”, o que impediu as caixas de dispararem um sinal antes? Inegavelmente, a imagem da onda de som do suspiro final do Superman cruzando o globo é atraente, mas não resiste ao “teste de estresse”. Não faz sentido.
Sobre o que estamos falando aqui?
Por mais que eu esteja me repetindo, não posso deixar de fazê-lo: a Liga da Justiça de Zack Snyder tem quatro horas de duração. E a menos que essas quatro horas tenham clareza, se tornam em um amontado de nada.
Por isso, a pergunta inevitável é: sobre o que o filme se trata?
Parece claro que o protagonista da Liga da Justiça de Zack Snyder é o Batman (Ben Affleck) e a sua jornada é a de fazer as pazes com o passado, para que um futuro melhor seja construído em cima de união e cooperação. Esses temas ecoam ao longo dos seis atos do filme, em alguma medida, com todos os personagens. Mulher-Maravilha (Gal Gadot), Aquaman (Jason Momoa), Flash (Ezra Miller), Ciborgue (Ray Fisher) e, sobretudo, Superman passam por um processo de pacificação com o passado e descobrimento de propósito para o futuro. Ao mesmo tempo, passam a ver, uns aos outros, como figuras de confiança e apoio. Uma família.
O que a Liga da Justiça de Zack Snyder faz bem
O tempo a mais de filme permite que Zack Snyder dê mais substância à trama e a alguns personagens. Principalmente, no que diz respeito ao funcionamento das Caixas Maternas, na motivação do Lobo da Estepe e na forma como o drama de Ciborgue impacta no resto da equipe e justifica o retorno do Superman.
Visualmente, apesar de já ser uma marca no trabalho de Zack Snyder a paleta de cores dessaturadas e a falta de brilho, o que torna a maioria dos quadros sem profundidade de campo e desinteressantes, seu Lobo da Estepe é muito mais eficiente. Tanto em intimidar pela força quanto em, surpreendentemente, humanizar pelo genuíno medo que ele apresenta quando se refere a Darkseid (Ray Porter).
Snyder também acerta nas cenas de ação, muito mais orgânicas do que na versão de Whedon e com heróis mais… super. Se o corte do cinema tinha semideuses levando couro e totalmente dependentes do Superman, aqui nós vemos um confronto final com o Lobo da Estepe muito mais equilibrado. Sim, o Superman é fundamental para a vitória (sua chegada é o único fan service realmente bom do filme), mas o resto da Liga não passa vergonha e seria capaz, com sorte, de vencer o inimigo com as próprias forças.
Mas nem tudo são flores.
O que a Liga da Justiça de Zack Snyder faz mal
Não apenas pela já citada falta de lógica interna em algumas escolhas esteticamente bonitas, Zack Snyder tampouco consegue desenvolver certas subtramas. Só para exemplificar, Lois Lane (Amy Adams) e Martha Kent (Diane Lane) existem exclusivamente para trazer Clark “de volta a si” antes da ato final. Não fazem nada, tudo o que dizem remete à morte de Clark. São, em outras palavras, recursos de roteiro preguiçosos. Em um filme com quatro horas de duração.
Snyder não sabe trabalhar com personagens femininas. É quase engraçado como, de tempos em tempos, ele parece lembrar que a Mulher-Maravilha é um símbolo de empoderamento e força uma frase de efeito como “você pode ser o que quiser”, ou “eu não pertenço a ninguém”, mas não consegue evitar o ímpeto de colocar um Alfred (Jeremy Irons) condescendente ao extremo fazendo mansplaining de chá, algo que de agora em diante vou chamar de “chásplaining”.
O uso pornográfico de câmera lenta, sob o mesmo ponto de vista, também vulgariza momentos em que ela é bem utilizada, pois faz parecer que o acerto foi um acidente. Certo, faça Flash correr em super slow. Mas precisávamos mesmo ver Lois Lane saindo do Starbucks, abrindo seu guarda-chuva e caminhando pela rua por longos três minutos?
Uma continuação que jamais veremos
Em virtude de uma escolha difícil de entender a respeito de quão forte é o Superman, Snyder também é um pouco relapso na hora de desenvolver poderes únicos nos outros heróis. Todos são genericamente fortes, o que é um desperdício em momentos onde todos estão lutando, pois ninguém tem uma habilidade imprescindível. Flash é rápido, mas Superman é mais. Aquaman é forte, mas Superman é mais. A Mulher-Maravilha é invulnerável. Mas – você já deduziu – Superman é mais.
Tudo isso parece trabalhar a favor de uma versão de Snyder para outro clássico contemporâneo da DC: a saga Injustice, que começou como um videogame e migrou para uma elogiada série de quadrinhos.
Desde Batman vs Superman, Snyder aponta que quer fazer este filme. Em sua Liga da Justiça, que perde uma excelente oportunidade para terminar vinte minutos mais cedo, ele acrescenta mais um sinal nada sutil deste desejo, com uma aparição um tanto quanto embaraçosa do Coringa de Jared Leto.
Nós nunca veremos este filme, entretanto. A DC já deu uma guinada na sua “linha editorial cinematográfica” para se aproximar da Marvel. Não digo que isto seja bom. Mas digo isto: a DC é maior do que Zack Snyder. E sua visão para os heróis mais conhecidos do mundo, apesar de merecer respeito e certos elogios, não é a única possível.
E, falando com sinceridade, ainda bem.
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio
Edição: David Brenner, Carlos M. Castillón & Dody Dorn
Fotografia: Fabian Wagner
Design de Produção: Patrick Tatopoulos
Trilha Sonora: Junkie XL
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Ray Fisher, Jason Momoa, Ezra Miller, Ciarán Hinds Jeremy Irons & Amy Adams
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