The Mandalorian: por que é tão legal?
Última atualização: 17/11/2020
Anunciada com grande alarde, a parceria de streaming entre o grupo Disney, gigante no mundo, e o grupo Globo, gigante no Brasil, vai beneficiar os assinantes da Globoplay. Antes mesmo de a parceria se concretizar, o segmento de TV aberta da Globo já preparou um aperitivo. Além de aplacar um pouco a ansiedade dos assinantes, de quebra pode também conquistar mais alguns brasileiros que não querem ou não podem desembolsar os 237 reais por ano cobrados pela Disney+. A Tela Quente, atração das noites de segunda-feira, já foi reservada para cumprir essa tarefa. E qual de suas produções foi a escolhida para atrair o público? The Mandalorian.
Passando à frente das animações da Pixar, dos blockbusters da Marvel, de novos clássicos como a indefectível história das irmãs Anna e Elsa e até dos clássicos eternos realizados pelo fundador Walt Disney, The Mandalorian, série da Disney+, foi a escolhida para virar longa-metragem e caber no horário nobre global.
Para a gente entender essa escolha diante de tantas e tão atraentes opções, a primeira e mais evidente resposta é a de que The Mandalorian, produção do chamado “universo expandido” da franquia Star Wars, que contém eventos importantíssimos do seu cânone, como as Guerras Clônicas (narradas numa série de animação de sete temporadas), é muito legal. Mas as aventuras do herói solitário chamado Din Djarin (Pedro Pascal), que vaga pelo universo em sua pequena nave protegendo uma criança muito especial, não são novidade nem no Cinema nem na TV. Então, o que faz com que The Mandalorian, a cada episódio, conquiste mais e mais fãs, para muito além dos aficionados em Star Wars, em todo o mundo?
Não precisa conhecer Star Wars para gostar de The Mandalorian
O universo ficcional onde os mandalorianos se incluem é bastante complexo. Grupos imensos na internet se dedicam a investigá-lo e a enriquecer suas narrativas. Neles, como em todos os outros universos em torno de sagas ficcionais, são produzidas muitas fanfics. Esta forma de narrativa, que considero extremamente criativa, mostra como Umberto Eco sempre teve e sempre terá razão: toda obra humana é aberta; e, quanto a isso, penso eu: é aberta toda obra mesmo, seja artística, científica, filosófica ou qualquer coisa que se possa pensar, inventar ou criar.
O mesmo argumento que explica as fanfics, materiais escritos e compartilhados por quem acredita que as histórias contadas pelo Cinema e pela Literatura não se esgotam em suas tramas e soluções, explica a iniciativa de produções paralelas acerca de personagens que não ocupam posições centrais em franquias cinematográficas milionárias. Faz sentido: o fato de um personagem ser coadjuvante ou até periférico não significa que ele não é carismático.
Escrevo este texto ciente de que The Mandalorian é um instantâneo de uma extensa rede de fatos históricos do universo de Star Wars. Mas a imensa aceitação popular da série – no respeitado e exigente site Metacritic, ela alcança as notas 7,1 de um grupo seleto de críticos e 8,4 do público, o que não é pouca coisa – mostra que não é necessário rastrear os detalhes do entorno de seus personagens para gostar de suas aventuras.
O que se observa em The Mandalorian é um esvaziamento dos argumentos que motivam as narrativas dos filmes Star Wars – as intrigas e arranjos políticos, os movimentos de resistência contra um opressor poderosíssimo, a eterna luta entre as forças do bem e do mal. Isso nos dispensa de conhecer as narrativas maiores sobre o mundo de Star Wars para compreender o que vemos na tela. Talvez esse esvaziamento favoreça sua popularidade, mas não é o suficiente, porque isso poderia significar tornar-se medíocre. Então tem de haver mais.
Como Din Djarin se torna Mando
A narrativa recorta a história pessoal do órfão Din Djarin, que depois de adulto passa a se chamar Mando, um apelido para o povo guerreiro – e não muito bem visto na galáxia – mandaloriano, e no seu encontro com uma criança que, ele ainda não sabe mas já desconfia, pode no futuro influenciar grandes movimentos na galáxia. Din Djarin não nasceu em Mandalore, planeta invadido e desmembrado pelo Império. Mas foi salvo da morte quando criança e criado por mandalorianos. Por isso, o personagem procura seguir os códigos de conduta e honra da sociedade com a qual se identifica. Por exemplo, nunca retirando o capacete diante de outra pessoa.
Já adulto, Din Djarin/Mando assumiu a profissão de caçador de recompensas após a diáspora mandaloriana imposta pelo Império. Ele não é o herói típico. Não há sobre ele uma origem nobre oculta, e ele tampouco parece querer provar ser melhor do que aquilo que a fama de sua cultura leva todos a pensarem dele. Mas os demais elementos da figura do herói estão lá. Din Djarin, em contraste com a falta de compaixão dos mandalorianos em geral, exibe uma generosidade e uma empatia que a entrada de uma criança em sua vida intensifica. Para coroar a narrativa heróica, a história se desenrola com o estabelecimento de uma missão cuja importância é reconhecida pelos espectadores.
Mas ainda não chegamos a uma possível resposta sobre por que The Mandalorian é tão legal. E ainda não o fizemos porque isso diz respeito a uma figurinha absolutamente fofa e cativante, sobre a qual ainda não falamos. É o personagem a quem Mando/Din Djarin se refere como “Kid”.
Baby Yoda, um nome autoexplicativo
Mestre Yoda é um dos personagens mais queridos do universo Star Wars. A presença do Jedi quase milenar e de origem desconhecida em cada filme é muito esperada por espectadores e fãs. Eles sabem que, sempre junto com pequenas pérolas de sabedoria, virá também uma atitude de mansidão e um bom humor (aliás, coisas que fazem parte da sabedoria) que não escondem um imenso poder e um total domínio da Força.
Foi prática e obviamente automática a associação entre Yoda e um personagem infantil de sua espécie. Essa associação se favorece porque, no universo Star Wars, Yoda tem uma história completamente aberta a quem quiser contá-la. Mas não é possível que ambos sejam a mesma pessoa, porque The Mandalorian se passa no tempo posterior ao narrado em O retorno de Jedi, quando Mestre Yoda já é um ancião. Porém, reconheçamos, ninguém se importa. A conexão se consolidou e a criança que não tem nome já está batizada pelo grande público: Baby Yoda.
O pequenino (na verdade, já com cinco décadas de vida) é uma criaturinha encantadora. Seus olhos grandes e redondos amolecem os corações mais empedrados. Seus movimentos delicados sugerem gentileza, e seu tamanho diminuto inspira proteção. Ainda incapaz de falar, mesmo assim comunica perfeitamente o que sente e quer.
Já sabemos que Baby Yoda carrega a Força. Isso o torna objeto de cobiça de vilões como Moff Gideon (Giancarlo Esposito) e o especialista em clonagem Dr. Persching (Omid Abtahi). Mando/Din Djarin se compromete a capturá-lo por dinheiro. Contudo, ao se dar conta de sua importância e do perigo de morte que ele corre, rompe o contrato e se torna seu protetor.
O todo nunca é somente a soma das partes em The Mandalorian
A primeira temporada da série se desenvolve em torno dos esforços do mandaloriano em proteger Baby Yoda, e de sua entrada numa jornada de auto-conhecimento. Repetindo sua própria história, mas agora como o protetor, Din Djarin/Mando constrói a própria singularidade para além de sua origem e lugar de criação. Na segunda temporada, iniciada pouco antes da escrita deste texto, reconhecemos um investimento maior da Disney e do idealizador Jon Favreau nos episódios mais longos, em que as aventuras dos dois protagonistas se detalham. Mas os créditos finais continuam lindos.
A apresentação dos personagens, de suas origens e caráter, por mais fofos que eles sejam, ainda assim não é suficiente para explicar por que as pessoas esperaram ansiosamente a segunda temporada de The Mandalorian. Nem vale para que a Globo tenha resolvido exibir uma série desconhecida para o grande público brasileiro que não dispõe de TV paga nem internet, e só conhece da dramaturgia televisiva estrangeira o que passa na TV aberta.
The Mandalorian nos oferece uma experiência de um afeto que se intensifica. Sabemos que Mando/Din Djarin cresceu num ambiente bélico, sem afeto. Como não retira seu capacete, a possibilidade de estabelecer relacionamentos pessoais diminui consideravelmente, já que o contato visual é ausente. O talento de Pedro Pascal nos ajuda a reconhecer as nuances emocionais do personagem. Com isso, podemos acompanhar o sentimento crescente de Mando/Din Djarin por Baby Yoda. A ponto de, na segunda temporada, aceitar afastar-se dele apenas em casos extremos, e apenas o entregar aos cuidados de pessoas de absoluta confiança.
Que o Amor esteja com você
O que testemunhamos, ao longo dos episódios, é uma autêntica e cativante relação entre pai e filho. Ela se solidifica independente da ausência de laços de sangue. Nada mais verdadeiro. Uma vez, um querido amigo me disse que, ao tornar-se pai, compreendeu que a paternidade, em sua completude, significa estabelecer vínculos afetivos fortes a partir da convivência e do cuidado, já que pais não têm a prerrogativa da amamentação, que facilita muito o surgimento do amor.
Convivência e cuidado é o que vemos a todo momento na dinâmica entre Mando/Din Djarin e Baby Yoda, o pequenino cujo caráter adulto já sabemos como será. E é importante ressaltar que a lenta abertura para esse sentimento é oferecida pelo mandaloriano. Só como adulto ele experimenta a verdadeira Força, que não vem da guerra, mas sim do amor, do desprendimento e da proteção. De sua vez, Baby Yoda imediatamente se entregou a seu protetor, cuidador e pai desde o início, manifestando todo o tempo a certeza de estar seguro e feliz, com a ingenuidade das crianças, mas com a sabedoria dos Yodas. Impossível resistir.
O que torna The Mandalorian tão legal é o que há de mais humano e melhor em nós. É a possibilidade de romper as distâncias que os preconceitos de clã e o medo de lidar com o que é diferente nos impõem de imediato. É a existência do amor como uma força, mais até do que a Força. Pois é transformadora de mundos interiores, das relações e das personalidades, além de potencializadora de grandes feitos.
O que vemos saltar da tela em The Mandalorian, a partir do amor que vimos nascer e vemos crescer entre Mando/Din Djarin e Baby Yoda, é um pouco do que andamos precisando nesses tempos de feiúra e ódio: delicadeza, gentileza, confiança, generosidade. Quem sabe, ao assistir à Tela Quente, alguns não se inspirarão.
Direção: Rick Famuyiwa, Dave Filone, Bryce Dallas Howard, Deborah Chow, Taika Waititi, Jon Favreau, Peyton Reed e Carl Weathers
Roteiro: Jon Favreau, George Lucas, Rick Famuyiwa, Dave Filoni e Christopher L. Yost
Edição: Andrew S. Eisen, Jeff Seibenick, Dana E. Glauberman, Dylan Firshein e Adam Gerstel
Fotografia: Barry Braz Idoine, Greig Frases, Matthew Jensen e David Klein
Design de Produção: Andrew L. Jones e Doug Chiang
Trilha Sonora: Ludwig Göransson
Elenco: Pedro Pascal, Carl Weathers, Gina Carano & Giancarlo Esposito
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