the boys amazon prime homelander

The Boys

Última atualização: 04/11/2020

A Amazon, produtora e distribuidora da série The Boys (baseada nos quadrinhos homônimos de Garth Ennis e Darick Robertson), possui um capital avaliado em 1.7 trilhões de dólares, ou, se preferir, $ 1.700.000.000.000,00 (é, são muito zeros). Para se ter uma ideia, seu capital é maior que o PIB de países como Islândia, Luxemburgo e Sri Lanka — somados.

Agora imaginem que essa multinacional trilionária inclua um novo tipo de benefício no seu serviço de entregas. Em vez de usar os Correios ou uma transportadora particular, o novo carteiro da Amazon é um homem loiro e cheio de músculos, com um sorriso feito de psicopatia e charme (em partes iguais). Ah, um detalhe: ele entrega o seu produto voando, e aproveita para matar uns superterroristas no meio do caminho. E tudo isso com frete grátis, caso você assine a Amazon Prime.

Super-Heróis – o produto ideal

O hipotético aprimoramento da Amazon é um dos personagens centrais da série The Boys: a Vought International. Essa empresa tem os sete principais super-heróis da trama na sua folha de pagamento (que, ironicamente, se chamam Os Sete). Na sinopse, os heróis são definidos como “tão populares quanto celebridades, tão influentes quanto políticos e tão reverenciados quanto Deuses”. Essa definição, bastante interessante, não se aplica só aos super, mas também à empresa que os chefia.

A popularidade da Vought se revela na quantidade de pessoas que se reúnem nos seus eventos, lanchonetes e parques (eles certamente têm muitos seguidores e likes). A sua influência política fica clara com o lobby para aprovar a legislação que autoriza a entrada dos super no exército. E, sobre a parte do ‘tão reverenciados quanto Deuses’, não é difícil pensar em empresas que conseguem moldar uma cultura e definir estilos de vida — sem nem precisar fazer uso de super-heróis.

Os sete heróis de The Boys enfileirados

Mas o fato é que a Vought tem os super à disposição. Super-heróis se definem pela capacidade de superar parâmetros, e por isso são o produto que torna todos os outros obsoletos. A superação constante, que impede qualquer forma de comparação justa, faz com que os super sejam um grupo difícil de regular. Essa potência ilimitada pode virar um problema especialmente delicado quando um super-herói acha mais interessante derrubar um avião do que salvar seus passageiros.

Esse impasse entre o que os super-heróis podem fazer e o que a lei pode conter já serviu de tema para várias histórias, a exemplo de Watchmen, o arco Guerra Civil e até mesmo o filme Os Incríveis. Apesar da aparente saturação, The Boys consegue tratar o tema sob uma nova perspectiva: a do confronto entre os super-heróis da nossa imaginação e os super-heróis da nossa realidade, as empresas multibilionárias.

Homelander x Vought — a briga do século

É no conflito entre os interesses dos Sete e os interesses da coorporação que os emprega que a série encontra o seu eixo temático mais intrigante. Especificamente, nas oposições encabeçadas por Homelander, um super-homem cujo maior poder é o supernarcisismo, interpretado por Antony Starr. Na verdade, os melhores momentos da série envolvem Homelander fazendo qualquer coisa, como o seu discurso contra os superterroristas no estilo de George Bush, sua reação aos posicionamentos de sua namorada nazista ou mesmo o seu… boa-noite para a lua.

Homelander tirando selfies com dois jovens

A briga entre Homelander e a Vought tem potencial para se tornar tão cheia de suspense quanto as disputas entre Batman e Super-Homem. Mesmo com o fim da segunda temporada, é difícil prever quem sairá vitorioso. Homelander pode voar e soltar um raio laser com os olhos, certo, mas a Vought pode criar outros super-heróis e, pior ainda, determinar quanto tempo durará a vida útil deles (The Deep e A-Train, essa referência é para vocês).

Os dois compartilham a mesma habilidade de se safar do controle externo, e a mesma ambição de ser consumidos a todo momento e por todo mundo. No entanto, os dois também compartilham a mesma fraqueza: as suas reputações.

Gestão de marca: um novo superpoder

Há um motivo pelo qual grandes empresas aumentam cada vez mais os seus orçamentos destinados à publicidade. É, inclusive, o mesmo motivo que as leva a vender a imagem de uma diversidade que não existe nos seus quadros: a imagem associada a um produto importa mais que o produto em si.

É por isso que em The Boys a chantagem é a kryptonita de todos os super-heróis (e supercoorporações). Qualquer dano às suas reputações se traduzirá em um recuo dos acionistas, que gerará uma perda de lucro, valor agregado ou, simplesmente, poder de influência. A imagem que é projetada tem muito mais valor que aquilo que existe por trás dela; por isso, não importa nem mesmo o que os super-heróis (ou as supercorporações) realmente significam, ou no que de fato acreditam.

Elenco da série The Boys

O que importa é como são vendidos ou, melhor ainda, como são consumidos. Dominar o discurso se torna mais importante do que seguir um determinado padrão moral, por isso personalidades como Stormfront, interpretada por Aya Cash, adquirem protagonismo. Parafraseando Stan Edgar (CEO da Vought interpretado por Giancarlo Esposito): ela sabe insuflar a raiva nas pessoas, portanto, sabe se manter como um tópico rotineiramente debatido. Manter-se relevante é o propósito que os super-heróis e a Vought têm em comum.

A relevância de The Boys

Apesar de retratar tão bem a busca por relevância, é irônico que The Boys ainda não tenha entendido o que a torna relevante. Populada por personagens obcecados pela dominação de todas as pautas, a série tem encontrado problemas ao lidar com a mesma pretensão. Há um excesso de arcos narrativos, que vão do romance entre uma super e um cara comum às inseguranças de um herói com um histórico de assédios.

Se o sucesso da série se mantiver, pode ser que o desejo de estender a sua duração gere um aumento de arcos narrativos já saturados. Em português simples, uma enrolação. Com isso, The Boys pode ser vítima do fenômeno The Walking Dead: uma série que se alonga até a irrelevância. Para evitar isso, a série precisa encontrar a própria identidade, que está muito mais perto de Homelander e da Vought que de Butcher e a busca por sua esposa.


Ficha Técnica
The Boys (2019- ) – Estados Unidos
Criação: Eric Kripke
Roteiro: Garth Enis e Darick Robertson
Edição: Nona Khodai
Fotografia: Dylan Macleod
Design de Produção: Arvinder Grewal
Trilha Sonora: Christopher Lennertz
Elenco: Antony Starr, Jack Quaid, Karl Urban, Dominique McElligott, Jessie T. Usher, Laz Alonso & Chace Crawford

Publicado Por

2 comentários em “The Boys

  1. Gostei muito de The boys, porém tenho minhas ressalvas quanto ao protagonismo feminino na série (ou seria proposital pra gerar um pensamento crítico?). Tanta coisa que se você olhar na realidade faz todo sentido de como as empresas e mídias se comportam.
    Um medo: incels utilizarem o arco masculinidade bruta/tóxica da série e se tornarem “hype”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *