Processo de Tradução

The Book is on the Table: Como se Traduzem os Títulos

Última atualização: 20/05/2021

Mandíbulas 50 Primeiros Encontros são dois filmes a que eu sempre sento para assistir, não importa quantas sejam as reprises.

O quê?!

Vai dizer que você não conhece essas duas figurinhas carimbadas da Sessão da Tarde?

Na verdade é muito provável que você as conheça, só que pelos títulos lançados no Brasil. Aqui, não foi a tradução literal que vingou, mas a adaptada. Os filmes foram rebatizados para as telinhas: viraram Tubarão e Como se fosse a Primeira Vez.

Reprodução: Paulo Moreira, @paulomoreria, originalmente publicada em 29 de novembro de 2017

Mudanças desse tipo acontecem por um motivo. Quando uma obra é trazida do estrangeiro, a maior preocupação na escolha do novo nome é a capacidade de atrair o público. É por isso que, por incrível que pareça, a tradução dos títulos não é um trabalho para tradutores. É um trabalho para… o Super-Homem.

Brincadeira.

É um trabalho para o homem de aço (às vezes na versão Homelander) dos escritórios de publicidade. A equipe de marketing

Agora, para a gente entender por que títulos não são traduzidos pelos tradutores, primeiro a gente precisa perguntar… O que um tradutor faz?

Versão brasileira: Álamo

Você pode até acreditar que o Google Tradutor substitui os tradutores e tradutoras, mas isso está longe de ser verdade (ao menos, por enquanto). Porque o que o Google oferece é o significado literal de uma palavra estrangeira. E essa tal da tradução literal é uma parte minúscula do processo de adaptação de um texto para outro idioma. É claro que uma das principais preocupações de uma boa tradução é manter o sentido original da obra. No entanto, isso não quer dizer manter a literalidade das palavras.

Pense, por exemplo, nas expressões idiomáticas. Vamos imaginar que eu estou traduzindo uma história brasileira para o mercado estadunidense, e sendo remunerada em dólares (como é doce a imaginação). Aí, em um determinado trecho, uma personagem fala para a outra: sua conversa não tem pé nem cabeça. Se eu deixar o Google traduzir, vai ficar “your conversation has neither foot nor head“. Não tenho dúvidas de que essa versão iria gerar, como se diz em alemão, eine große Confusion!

Tradução da expressão 'sem pé nem cabeça' pelo Google Tradutor
Ixe… Foi pior do que eu imaginei.

Isso acontece porque, além de manter o sentido original, uma boa tradução deve fazer sentido para o público a que se destina. Na prática, uma tradução é uma adaptação, e é por isso que a literalidade nem sempre é a melhor saída.

Agora, você pode estar se perguntando: se os tradutores já adaptam o texto, por que não são eles que também adaptam os títulos? Se isso passou pela sua cabeça, parabéns, você ganhou 10 pontos. Se não, não se preocupe. Pontos são só para alguns, mas informação é para todos.

Em terra de títulos, quem tá no marketing é rei

De uma forma ou de outra, a intenção dos tradutores é sempre a mesma: preservar o sentido da obra. Por isso a atenção deles está sempre voltada para o material original, com o objetivo de criar a melhor versão possível.

Mas acontece que, no campo dos títulos, a intenção é atrair o público. O título serve como um chamariz, e é um nome que deve convidar mais pessoas a conhecer a obra. E é por isso que, embora os tradutores possam até opinar, a decisão final será sempre do setor de marketing. Aliás, eu digo ‘sempre’ porque é sempre mesmo: nos filmes, na literatura e até nos quadrinhos. O texto é dos tradutores, mas o título é do marketing.

Agora, vocês devem concordar que dizer que algo “é de atribuição do marketing” não é dizer muita coisa. Tá, há uma preocupação com a recepção da obra/produto, mas e aí? Como funciona o processo de escolha? Bom… Siga em frente, e vamos descobrir.

Tradução dos Títulos – Final Explicado

Em uma coisa a tradução de um texto e do seu título é absolutamente igual: há critérios que indicam como o tradutor (ou os marketeiros) devem proceder. Esses critérios podem até variar de acordo com as distribuidoras, mas há linhas gerais que se repetem. E uma ótima forma de descobrir quais são essas regras gerais está nesta reportagem da Aliança Traduções.

A reportagem cita, por exemplo, a necessidade de se observar o tamanho do título, com a possibilidade de inclusão de subtítulos para fornecer explicações adicionais. A preocupação com os direitos autorais também é um dos nortes, assim como a regra geral de se evitar um mal-estar ou confusões culturais. Esse último critério justificou a mudança do nome Coco para Viva – A Vida é uma Festa. O título, embora fosse pequeno e fácil de pronunciar, poderia gerar um certo desconforto pelo perigo de se incluir um acento circunflexo na pronúncia.

Um outro critério citado na reportagem é a manutenção de uma tradução consagrada. Se um personagem ou uma série já é conhecido por um determinado nome, muitas vezes é melhor mantê-lo. Aliás, esse critério é tão forte que até o Google o respeita:

Tradução da palavra Terminator no google
É, não precisei nem falar do futuro, a nossa Skynet já sabe.

Mas veja bem, eu disse que o critério da tradução consagrada é forte, mas não é inquebrável. E, se é para falar de algum caso de desobediência, vou falar de uma polêmica que dominou a internet (isto é, o Twitter) no final do ano passado.

Animal Farm: A Revolução dos Bichos ou A Fazenda dos Animais?

Talvez você já conheça essa história, talvez não. De qualquer forma, o meu dever aqui é contá-la. As obras de George Orwell entraram em domínio público no primeiro minuto de 2021. Isso significa que, a partir desse marco, qualquer editora pôde traduzi-las e publicá-las. Antes disso, a honra pertencia à Companhia das Letras, que mantinha títulos como 1984 e A Revolução dos Bichos em seu catálogo.

Acontece que, com o domínio público, a própria Companhia lançou uma edição especial de A Revolução dos Bichos, mas com uma nova tradução do título. A obra passou a se chamar A Fazenda dos Animais, uma tradução literal do título original. Como é de praxe, nesse caso a decisão fugiu da alçada do tradutor, Paulo Henriques Britto, que havia sugerido a manutenção do título original. No entanto, a validade da mudança foi justificada no posfácio da nova edição, escrito por Marcelo Pen.

É que a primeira edição do livro no Brasil, que criou a tradução A Revolução dos Bichos, saiu em 1964. Como a data sugere, ela veio do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, órgão ligado à divulgação de propaganda ideológica do golpe militar. É por isso que o título fala em revolução, palavra ausente na obra original (que só fala em rebelião). A intenção era associar os corruptos animais do romance às revoluções que existiam na época, em especial à cubana e à soviética.

A Fazenda dos Animais e 1984
Reprodução: Companhia das Letras

Ou seja: a mudança aconteceu para corrigir uma distorção ideológica que contaminava a leitura do material. Hoje, essa correção é bem aceita, e outras editoras adotaram o título literal. No entanto, pensando em toda a polêmica da época, surge uma pergunta: não seria melhor evitar o desgaste de uma escolha ousada e simplesmente lançar a obra com o título original?

Por que traduzir os títulos?

Se você tem alguma familiaridade com a língua inglesa isso pode passar despercebido, mas o fato é que a maior parte da população não compreende títulos em língua estrangeira. E, quando eu digo maior, quero dizer maiooooor.

Um levantamento elaborado pelo Instituto de Pesquisa Data Popular para o British Council concluiu que só 5,1% da população brasileira julga ter algum conhecimento da língua inglesa. Dentro desses 5%, quase metade declarou só ter um conhecimento básico do idioma. É esta a principal razão por trás das traduções de títulos: a adoção de nomes estrangeiros afastaria o público do cinema, quando o intuito é justamente o contrário.

Essa excelente reportagem assinada por Thiago Cardim fornece detalhes sobre o tema: nos casos de manutenção do título estrangeiro, é de praxe adotar um subtítulo. Toy Story, por exemplo, foi lançado no Brasil como Toy Story — Um Mundo de Aventuras. Com o estabelecimento da franquia, a tradução deixou o subtítulo de lado (Toy Story 4 tem o mesmo título no Brasil e nos Estados Unidos).

Ou seja: em último, a tradução é uma questão de acessibilidade. Traduzir uma obra é permitir que ela seja acessada por todos que não conhecem o idioma original. É um trabalho de divulgação e de compartilhamento. Com isso tudo, você pode até pensar que só um título em língua estrangeira não impede ninguém de consumir tudo que há depois do nome. Mas aí, deixo no ar o questionamento: quando foi a última vez que você se interessou por uma coisa escrita em um idioma que você não fala?

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