‘Voando Alto’ e o lado bizarro das Olimpíadas
Última atualização: 01/08/2021
Há pouco mais de uma semana, o Besuntado de Tonga saía de sua hibernação para novamente chocar o mundo e conquistar corações na abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas se engana quem pensa que esta é a história mais bizarra das Olimpíadas. No já distante ano de 1988, Eddie Edwards quebrava um jejum de seis décadas para se tornar o primeiro saltador de esqui da Grã-Bretanha a participar de uma edição dos Jogos de Inverno desde 1928, numa história contada no filme Voando Alto, de Dexter Fletcher.
O desempenho de Eddie foi tão abaixo da crítica que obrigou o Comitê Olímpico Internacional a mudar as regras classificatórias, de modo que nunca mais alguém tão pouco qualificado conseguisse participar.
Mas, afinal, por que o fracasso desperta tanto interesse? Qual o prazer mórbido que nos atrai para a saga de um homem sem chance de vitória? E o que é vencer?
Passe o óleo corporal de sua preferência no torso e continue a leitura. Vamos descobrir!
Como Voando Alto trata seu protagonista?
É uma decisão sensata e segura num filme como Voando Alto que, em primeiro lugar, o protagonista seja uma pessoa admirável. É o caminho oposto do que se aplica aos super atletas, entretanto. Enquanto estes criam admiração pelos feitos que parecem impossíveis, a audiência se conecta a figuras como Eddie por ver nele um semelhante. Olhamos para a tela, nos vemos lá e pensamos “nossa, esse cara é quase pior do que eu fazendo isso”.
E, mesmo assim, ele não desiste. Admirável.
Procure por estes “gatilhos de empatia” nos seus filmes favoritos. O protagonista é maltratado? Ele demonstra se importar com alguém ou algo além de si mesmo? Ele possui virtudes? Provavelmente, você irá encontrar pelo menos um deles. Sob o mesmo ponto de vista, as pessoas se importam com um personagem na mesma medida em que a sua fraqueza o impede de alcançar seu grande objetivo. Assim, no momento em que ele alcança este objetivo, a vitória é máxima e a história engaja.
Tudo isso dito, não acho que Voando Alto faça isso bem. E a questão está no tom.
A importância de personagens serem pessoas
Se o primeiro ato do filme se dedica a mostrar como Eddie (Taron Egerton) é um espírito olímpico preso em um corpo mediano, o desenvolvimento dos “vilões” dessa história são quase cartunescos. Logo depois que o seu pai (Keith Allen) faz pouco caso do sonho do filho com a sensibilidade de uma lixa de parede, o Comitê Olímpico Britânico, como as bruxas más das animações da Disney, demonstram um prazer quase sexual em proibir Eddie de competir com o time.
Some-se à mistura as piadas dos outros esquiadores e as montagens com trilha sentimental, temos um filme desenhado nos mínimos detalhes para, sem dúvida nenhuma, sentirmos pena de Eddie e, assim, torcermos pela sua vitória. Questiono essa escolha por várias razões, mas destaco duas. Saltar de esqui é perigoso e faz sentido que praticantes e demais pessoas responsáveis pelo esporte adotem medidas para dificultar a participação de semiamadores. Além disso, você não precisa (ou não deveria precisar) sentir pena de uma pessoa para torcer por ela.
Mas há uma razão para Voando Alto fazer as escolhas que faz. Elas funcionam. Ao preço de remover a humanidade de uma história real, o filme cumpre praticamente todos os pré-requisitos de uma história “tecnicamente eficiente”. Não é um filme que ofende ninguém. É, ao contrário do verdadeiro Eddie Edwards, preguiçoso. Porque até o elo mais autêntico do protagonista com outro personagem, o seu treinador Bronson Peary (Hugh Jackman), nunca existiu de fato. Bronson é um personagem criado para preencher funções narrativas. E, nesse sentido, a melhor metáfora do que é o filme.
Para além de Voando Alto
Pesquisando para escrever sobre o filme, encontrei histórias de Eddie que fariam um filme muito melhor. Só para exemplificar, na preparação para as Olimpíadas de Inverno de 1988, por falta de dinheiro, ele passou um tempo morando em uma clínica psiquiátrica (o famoso hospício) na Finlândia. Sua participação folclórica nos jogos o tornou, por 13 anos, no recordista olímpico britânico. E, ainda hoje, Eddie possui a sexta melhor marca da história de seu país.
Por fim, a lição que se tira é a de que mesmo filmes “mornos” podem nos apresentar histórias inspiradoras e pessoas incríveis. Ainda mais quando falamos do maior evento esportivo do planeta, do qual todos nós gostaríamos de participar. Eddie “The Eagle” Edwards é alguém como todos nós. Só que, sem ligar para isso, fez o que nenhum de nós teria a coragem ou o bom senso de fazer.
Se isso não é uma vitória, eu não sei o que é.
Voando Alto está no catálogo do Disney+.
Direção: Dexter Fletcher
Roteiro: Sean Macaulay, Simon Kelton
Edição: Martin Walsh
Fotografia: George Richmond
Design de Produção: Mike Gunn
Trilha Sonora: Matthew Margeson
Elenco: Taron Egerton, Hugh Jackman, Keith Allen, Jo Hartley, Iris Berben