Arte da caixa de Chrono Trigger

‘Chrono Trigger’, Viagens no Tempo e Nostalgia

Última atualização: 22/08/2021

— Pode existir um cubo instantâneo?
— Não percebo — disse Filby.
— Pode ter existência real um cubo que não dure por nenhum espaço de tempo?
Filby ficou pensativo.
— Não há dúvida — continuou o Viajante do Tempo — que todo corpo real deve estender-se por quatro dimensões: deve ter Comprimento, Largura, Altura e… Duração.

(H.G. Wells – A Máquina do Tempo)

Passei o último mês em 1995. Especificamente, em 11 de março de 1995. É que, como você já deve saber, o Brasil de 2021 está… Difícil? É, esse é um bom eufemismo. Senti que precisava de férias, e nenhuma distância é melhor que a temporal. Aliás, tenho que admitir que dei sorte de ter uma máquina do tempo disponível: um Nintendo Wii pronto para emular o Super Nintendo. E o meu destino, como você já deve saber, foi um joguinho chamado Chrono Trigger.

Elenco do jogo Chrono Trigger

Na realidade, a minha viagem a Chrono Trigger durou só 26 horas. Como tenho algumas pendências em 2021, não me transportei para os anos 90 durante as 720 horas do mês (obrigada, calculadora!). De qualquer forma, 26 horas foram o suficiente. Eu estava buscando uma experiência segura, confortável e, acima de tudo, certeira. Queria jogar algo que certamente iria me agradar, e devo dizer que acertei em cheio.

Mais uma vez, estou com sorte: me encontro numa daquelas raras ocasiões em que há uma palavra que exprime o que quero dizer.

Eu queria sentir nostalgia.

Sobre a Nostalgia

Nostalgia é uma palavra que pode ter uma definição negativa, associada à saudade da terra em que nascemos; ou positiva, relativa à saudade idealizada, de tempos que nem foram vividos. A minha experiência se encaixa na segunda categoria. Não joguei Chrono Trigger quando criança. Na verdade, tive a minha primeira experiência com o jogo em 2017, ano que (ainda) não plantou saudades.

E, assim como uma série que só fica boa a partir da terceira temporada, defino este como o ponto em que meu texto realmente começa. É que aqui eu manifesto o motivo pelo qual estou escrevendo, que se traduz na seguinte pergunta: se eu não joguei Chrono Trigger quando criança, por que o jogo me transportou para a minha infância?

A resposta é simples e, como acontece com frequência, é menos instigante que a pergunta.

Chrono Trigger, e quase toda obra de arte, é um retrato da sua época.

Antes de tudo: a Máquina do Tempo

Pode até parecer que foi brincadeira, mas falei sério quando tratei o Nintendo Wii como uma máquina do tempo. Para demonstrar minha seriedade, vou deixar de lado as fotos sorrindo e aproveitar algumas definições do livro Time Travel – A History (ou: Viagem no Tempo – uma história).

Imagem de divulgação de Chrono Trigger com os personagens na casa de Lucca

Nesse livro, James Gleick faz um apanhado da história literária (e científica) por trás da viagem no tempo. Ele cita alguns mecanismos que já foram utilizados pela literatura como máquinas do tempo: o sono, as alucinações e até o cinema. O sono, por exemplo, já foi utilizado tanto de uma forma literal (o viajante que dorme por cem anos e acorda no futuro) quanto metafórica (os sonhos que percorrem, indistintamente, passado, presente e futuro). No entanto, o que nos interessa é o último exemplo de Gleick: o cinema.

Devo dizer que, no livro, a citação ao cinema é pontual: ele fala das imagens sucessivas de um filme como uma forma de “tornar visível um aspecto do tempo que nunca havia sido visto”. Mas essa definição me deixou curiosa, e fiquei pensando em outra forma como as fotografias, sejam elas sucessivas ou não, dobram o tempo. Ou melhor: encapsulam.

Viagens no Tempo: o pré-treino

Pense só: se você fez um Tik Tok do seu primeiro beijo, é provável que você consiga rever esse vídeo daqui a 5 anos, quando esse momento já teria se tornado uma memória bem turva (o que pode até ser uma coisa boa). Pode ser que a música dançante que você escolheu como trilha sonora já não seja mais tão apropriada, mas o momento estará lá,  encapsulado em um vídeo de 30 segundos.

E, como frequentemente é o caso com obras que tratam de viagem no tempo, comecei com esse exemplo simples para depois ter liberdade de complicar um pouco as coisas.

Chrono Trigger Batalha de Medina

Imagine que, em vez do Tik Tok do primeiro beijo, você tem em mãos uma fotografia dos seus avós. A sua avó está sentada numa cadeira de madeira e o seu avô aparece um pouco atrás, com a mão direita no ombro dela. Ele tem um relógio no bolso do paletó, mas os tons de sépia tornam impossível ver a hora que os ponteiros marcavam. Eu não preciso dizer que é uma foto antiga, porque o vestido de chita que a sua avó usa já entrega isso. E digo mais: as condições tecnológicas (i.e., os tons de sépia) também entregam a idade da foto.

Afinal, a fotografia de hoje não teria tons de sépia, mas um filtro com orelhinhas de cachorro e uma língua virtual para fora. E é agora que me distancio da fotografia, e volto meus olhos para a mídia protagonista deste texto: os videogames.

Viagens no Tempo – hora de decolar

Eu falei que Chrono Trigger é, e quase toda obra de arte também, um retrato da sua época. Agora, desejo substituir o “e quase toda obra de arte” por e quase todo videogame.

É que, sem querer ofender o cinema, o videogame é uma mídia que marca muito bem a época de lançamento das suas obras. Até há alguns elementos que permitem descobrir qual é o ano de um filme, como o figurino e os efeitos especiais. Mas pode ser bem difícil distinguir um filme cult lançado em 1995 de um filme de baixo orçamento lançado em 2015, por exemplo. Já nos videogames

Comparação dos gráficos entre Chrono Trigger e The Witcher 3
À esquerda, Chrono Trigger, lançado em 1995. À direita, The Witcher 3 – Wild Hunt, lançado em 2015.

Para o bem ou para o mal, o fato é o seguinte: quando jogo algo que foi feito nos anos 90, consigo sentir aquela década em cada elemento do jogo. Até agora falei dos gráficos, mas esse sentimento se estende à temática das histórias (o protagonista silencioso que salva o mundo de uma entidade alienígena), às músicas (que tinham que caber nos limitados chips de áudio de cada console) e até aos controles (a maior parte dos jogos dependia de seis botões de ação).

Isso quer dizer que um jogo é uma obra típica da sua época. E é por isso que Chrono Trigger me faz voltar à infância. Porque, dentro dele, está o estilo de toda uma década inteira de jogos. Apesar de só ter conhecido Chrono mais tarde, naquela época eu conheci Kirby, Mario, Donkey Kong e Mega Man, todos compartilhando as mesmas limitações, condições e técnicas. A mesma linha temporal.

Uma última questão

Ainda há uma última pendência que preciso resolver. Assim como os personagens de Chrono Trigger, meu texto também tem um problema que se iniciou no passado, e preciso resolver essa questão para que a história chegue ao fim. Eu já expliquei por que Chrono Trigger me levou de volta à infância, mas deixei de lado um elemento importante, que está presente em toda boa história de detetive.

O motivo.

Traduzindo em perguntas: por que, em um momento de estresse, eu quis tanto voltar ao passado? Ou melhor: por que viajar no tempo?

Talvez a resposta para a minha pergunta esteja no passado. Ou melhor, em um parágrafo passado.

Quando falei da minha motivação para jogar Chrono Trigger, falei que procurava uma experiência “segura, confortável e, acima de tudo, certeira“. Agora, vou resumir isso em uma só palavra: previsível.

Eu quis jogar Chrono Trigger porque eu já sabia que o jogo me agradaria. Inspirada nos executivos da Disney, preferi revitalizar um jogo antigo, bem-sucedido, a me arriscar num jogo novo, que poderia não agradar.

Eu queria a previsibilidade, porque queria algo que desse certo.

E, quando a previsibilidade se torna um desejo, a palavra muda de novo.

Vira controle.

De volta a Chrono Trigger

O controle do Super Nintendo tem botões com letras: A e B, X e Y, L e R. Essa informação parece boba, mas ela adquire relevância em Chrono Trigger. É que, para salvar a mãe de Lucca de um acidente que tira a mobilidade das suas pernas, é preciso inserir uma senha: o nome Lara. Para fazer isso, o jogador deve apertar o botão traseiro esquerdo do controle (L), o botão de ação (A), o botão traseiro direito (R) e de novo o botão de ação. L, A, R, A. Lara.

Pode ser que quem esteja jogando consiga apertar os botões na ordem certa. Pode ser que não. Um botão errado é o suficiente para fazer o jogo seguir. É, nessa parte não há game over, só há… O movimento do tempo. A história segue em frente: ao contrário do que acontece com os outros personagens, o jogo não vai parar e te oferecer uma segunda chance.

Lucca em Chrono Trigger
A concepção da Personagem Lucca

Eu já sabia disso quando joguei Chrono Trigger no mês passado. Mesmo assim, não consegui colocar a senha. Na minha linha do tempo, a mãe de Lucca continuou sem o movimento das pernas. Lucca aprendeu que, mesmo com a possibilidade de viajar no tempo, não podemos controlar cada vírgula do passado.

E foi aí que a minha fantasia também terminou.

Finalmente, o desembarque

Ser todo é ser parte;
a verdadeira viagem é o retorno.

(Ursula K. Le Guin – Os Despossuídos)

Em Chrono Trigger, todos os finais têm uma coisa em comum: uma hora ou outra, os viajantes voltam ao seu período original. E, quando terminei o jogo, também tive que voltar a 2021.

E, aproveitando que estou aqui, vou recorrer de novo ao livro Viagem no Tempo – uma história, lançado em 2016 (21 anos depois de Chrono Trigger).

No capítulo que estuda as definições dadas ao tempo, Gleick usa uma citação de Einstein, que diz o seguinte: “nós, que acreditamos em física, sabemos que a distinção entre passado, presente e futuro é só uma ilusão teimosa e persistente“.

Taí. Uma ilusão teimosa e persistente. É por isso que a gente viaja no tempo.

Precisamos alimentar essa ilusão.

Porque o tempo pode até ser uma força, uma entidade, uma ficção. Mas certamente não é uma linha. Talvez, e só talvez, o passado, o presente e o futuro sejam só a forma que encontramos de compreendê-lo, ou controlá-lo.

Agora me despeço, e vejo você de novo daqui a pouco. Dessa vez, vou visitar um rapazinho de gorro verde em 1991. Até já!


Ficha Técnica
Chrono Trigger (1995) – Japão
Criadores: Hironobu Sakaguchi, Yuji Horii, Akira Toriyama, Kazuhiko Aoki e Nobuo Uematsu
Desenvolvimento: Square Co.
Trilha Sonora: Yasunori Mitsuda e Nobuo Uematsu
Console: Super Nintendo
Lançamento no Brasil: 1995
Jogadores: 1
Gênero: RPG eletrônico
Classificação: Livre

Publicado Por

1 comentário em “‘Chrono Trigger’, Viagens no Tempo e Nostalgia

  1. Fun Fact: Akira Toriyama, o escritor de dragon Ball, ajudou a Square na criação e design dos personagens do Chrono! Isso no jogo de Snes de 95!
    Chrono Trigger vai ser um jogo pra deixar saudades, é uma pérola de seu tempo, e acho que nunca vão fazer um jogo sequer parecido de novo, Sem dúvidas um dos melhores jogos que já joguei.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *